Opinião

Debêntures incentivadas e FIPs para projetos de ciência, tecnologia e inovações

Autores

  • Henrique Chain Costa

    é pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera e analista jurídico da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep.

  • Rafael Roberto Hage Tonetti

    é especialista em Direito Tributário mestrando em Direito Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e advogado da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

  • Vitor Monteiro

    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Doutorando em Direito pela Universidade Paris 2 Panthéon-Assas e pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Direito (2009) e Mestre em Direito do Estado (2014) pela USP. Analista jurídico da Finep- Inovação e Pesquisa

5 de março de 2021, 19h26

Em 14 de janeiro de 2021, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) editou a Portaria nº 4.382 com vistas a disciplinar a aprovação de projetos de investimento na área de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PDI), para fins de emissão de debêntures incentivadas e para a formação de carteira de ativos de Fundos de Investimento em Participações na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I).

No contexto das discussões para assegurar a estabilidade de recursos à ciência, tecnologia e inovação (CTI) no país, que animaram as modificações no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) pela Lei Complementar nº 177, de 12 de janeiro de 2021[1], o MCTI procurou dar um novo passo para estimular a mobilização de recursos privados para o apoio à CTI no Brasil.

Para tanto, o Ministério aproveitou-se de um histórico de reflexões no âmbito do governo federal envolvendo os incentivos tributários previstos na Lei nº 12.431, de 24 de junho de 2011 e na Lei nº 11.478, de 29 de maio de 2007, que versam, respectivamente, a respeito da emissão de debêntures incentivadas e da formação de carteira de ativos de FIP-PD&I, ambos ligados a projetos de PDI considerados prioritários pelo Poder Executivo federal.

Nesse sentido, a Portaria MCTI nº 4.382/21, vigente desde 1º de fevereiro de 2021, trata de dois distintos instrumentos de estímulo à inovação nas empresas previstos, de modo exemplificativo, na Lei de Inovação federal (Lei nº 10.973, de 2 de dezembro de 2004, com as alterações trazidas pela Lei nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016): 1) os fundos de investimento (artigo 19, §2º-A, IX); e 2) os títulos financeiros incentivados (artigo 19, §2-A, XI).

Registra-se que uma das principais modificações realizadas pela Portaria MCTI nº 4.382/21, em comparação aos procedimentos anteriormente em vigor [2], refere-se à alteração substancial quanto à categorização dos projetos prioritários.

Em adição à definição prevista no §2º do artigo 2º do Decreto nº 8.874, de 11 de outubro de 2016 [3], a Portaria MCTI nº 4.382/21 estabelece não só que a qualificação de um projeto como prioritário deve atender a objetivos estabelecidos pela Lei Federal de Inovação e do seu regulamento (Decreto 9.283, de 7 de fevereiro de 2018), como informa que receberá tal enquadramento os temas e setores elencados como prioritários no âmbito do MCTI para o período entre 2020 e 2023, detalhados na Portaria MCTIC nº 1.122, de 19 de março de 2020 (conforme alterações realizadas pela Portaria nº 1.329, de 27 de março de 2020).

Com a Portaria MCTI nº 4.382/21, então, o ministério procura convergir os mecanismos de estímulo das debêntures incentivadas e dos fundos de investimento em matéria de PDI ao arcabouço jurídico e estratégico para fomento à CTI no país.

Outro destaque da Portaria MCTI nº 4.382/21 fica por conta da sociedade de propósito específico (SPE), uma das formas societárias definida pela Lei nº 12.431/11 para a emissão de debêntures incentivadas de projetos de PD&I e a única forma societária prevista para ser objeto de investimento por parte de FIP-PD&I, nos termos da Lei nº 11.478/07.

Segundo a regulamentação do MCTI, as SPEs destinadas ao financiamento de alianças estratégicas e projetos de cooperação do artigo 3º da Lei Federal de Inovação também podem ser enquadradas como projetos prioritários nos termos da portaria, reafirmando a articulação dos instrumentos de incentivo das debêntures incentivadas e dos fundos de investimento em matéria de PDI ao sistema jurídico de fomento à inovação.

Nota-se que a Portaria MCTI nº 4.382/21 também explorou a questão dos legitimados para a emissão de debêntures. Acompanhando a legislação de regência, a regulamentação do MCTI incluiu, ao lado das SPEs, as concessionárias, permissionárias, autorizatárias ou arrendatárias constituídas sob a forma de sociedade de ações, além de explicitar que as sociedades controladoras das mencionadas pessoas jurídicas também são legitimadas para emitir as referidas debêntures incentivadas.

No que toca ao FIP-P,D&I, o artigo 4° da portaria foi expresso ao enunciar que as SPEs interessadas em receber recursos dos fundos de investimentos são legitimadas para solicitarem o reconhecimento de projetos prioritários pelo MCTIA regulamentação do Ministério também trouxe novas disposições quanto ao processo de submissão do projeto.

Com relação ao normativo revogado, destaca-se um maior detalhamento do mecanismo de submissão das propostas, notadamente em razão da ampliação do rol de legitimados e de um maior cuidado na análise regulatória dos projetos prioritários. Cita-se, por exemplo: 1) a necessidade de apresentação de declaração da agência reguladora ou órgão competente ou a declaração de sua dispensa [4]; 2) a apresentação de documentos societários da pessoa jurídica titular do projeto; e 3) a apresentação dos atos constitutivos e registro perante a CVM da administradora do fundo de investimento, nas hipóteses em que a pessoa jurídica titular do projeto pleitear receber investimentos de um FIP-P,D&I.

Quanto à análise e aprovação do projeto, nota-se que a Portaria MCTI nº 4.382/21 manteve o papel relevante da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública federal vinculada pelo MCTI.

Além de ser a entidade responsável pelo recebimento da documentação relacionada à submissão do projeto, é sua atribuição efetuar análises de conformidade, pertinência e mérito do projeto.

Soma-se a essa função analítica o fato de a portaria estabelecer que cabe à Finep o acompanhamento do projeto financiado. Entre as suas atribuições fiscalizatórias, destacam-se: 1) a obrigação de enviar ao MCTI, até o encerramento do primeiro semestre de cada ano, quadro executivo referente a cada projeto prioritário; e 2) o dever de informar à Receita Federal a ocorrências de fatos que evidenciem a ausência de implementação do projeto nos moldes aprovados.

Também é atribuição da Finep auxiliar na elaboração e fornecimento de estudos, relatórios, manuais e avaliações o Comitê Gestor de Projetos Prioritários de Investimento e de Novos Investimentos na Área de Produção Econômica Intensiva em PD&I, instância de governança estabelecida pela Portaria MCTI nº 4.382/21 para a gestão dos instrumentos de apoio.

O referido colegiado é composto por um representante titular e um suplente de cada uma das secretarias do MCTI, indicados pelo ministro da pasta. Dentre as atribuições do comitê gestor destacam-se: 1) analisar e aprovar os projetos prioritários; e 2) estabelecer critérios adicionais para aprovação dos projetos prioritários.

A Portaria MCTI nº 4.382/21 estabelece ainda que o comitê se reunirá, ordinariamente, duas vezes por semestre e, extraordinariamente, sempre que for necessário. O quórum de reunião é de maioria absoluta e o de aprovação é de maioria simples. Sua coordenação será responsabilidade do representante da Secretaria de Estruturas Financeiras e de Projetos (Sefip) do MCTI.

Vale dizer que, nos termos do artigo 9º da Portaria MCTI nº 4.382/21, a decisão a respeito da aprovação do projeto prioritário será publicada em portaria ministerial.

A Portaria MCTI nº 4.382/21 salienta que a apresentação de informações falsas ou inverídicas, assim como o descumprimento das normas da portaria, poderá acarretar na anulação do ato de aprovação do projeto prioritário, assim como o encaminhamento das irregularidades constatadas para apuração das autoridades competentes.

Em suma, com a publicação da Portaria MCTI nº 4.382/21 se pode dizer que está posto um arranjo jurídico-institucional para operar novos mecanismos de fomento à CTI no país, sobretudo pela ativação de recursos de origem privada.

Resta saber se com as novas disposições da Portaria MCTI nº 4.382/21 os instrumentos de estímulo à inovação nas empresas debêntures incentivadas e fundos de investimento previstos pela Lei de Inovação federal ganharão atenção do mercado privado e finalmente poderão colaborar para reverter o atual quadro de insuficiências de recursos para a atividade de CTI no país.

 


[1] Dentre as modificações trazidas pela LC nº 177/21, destacam-se a vedação à limitação de despesas e de empenho por parte do Poder Executivo dos recursos do FNDCT e a sua transformação em fundo contábil financeiro.

[2] Registra-se que a Portaria MCTI nº 4.382/21 revogou a regulamentação anterior, estabelecida em 2012 (Portaria MCTI nº 868, de 21 de novembro de 2012), e que era restrita às debêntures incentivadas.

[3] Os projetos de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação são aqueles com o propósito de introduzir processos, produtos ou serviços inovadores, conforme os princípios, os conceitos e as diretrizes definidas nas políticas de ciência, tecnologia e inovação e de desenvolvimento industrial.

[4] Nos termos do artigo 5º, inciso II, da Portaria MCTI nº 4.382/21, a pessoa jurídica titular do projeto deverá apresentar declaração técnica de agência reguladora ou órgão competente, contendo (i) a vigência do contrato ou de outro instrumento de outorga e (ii) se o projeto apresentado, para fins de emissão de debêntures, está contemplado no instrumento de outorga ou está relacionado ao serviço público prestado. Caso o projetonão esteja sujeito a regulação específica do Poder Público, a pessoa jurídica titular do projeto deverá apresentar declaração neste sentido.

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    é pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera e analista jurídico da Financiadora de Estudos e Projetos - Finep.

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    é especialista em Direito Tributário, mestrando em Direito Financeiro pela Universidade de São Paulo, analista jurídico da Finep - Financiadora de Estudos e Projetos.

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    é pesquisador do Núcleo Jurídico do OIC/IEA-USP. Doutorando em Direito pela Universidade Paris 2 Panthéon-Assas e pela Faculdade de Direito da USP. Graduado em Direito (2009) e Mestre em Direito do Estado (2014) pela USP. Analista jurídico da Finep- Inovação e Pesquisa

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