Opinião

O dispute board como elemento essencial para a conclusão de Angra 3

Autores

  • Pedro Gonet Branco

    é editor-chefe da Revista dos Estudantes de Direito da Universidade de Brasília (RED|UnB) visiting-student na University of California Berkeley e pesquisador do Núcleo de Direito Setorial e Regulatório da UnB.

  • Isabela Ramagem

    é coordenadora de assuntos jurídicos e regulatórios da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).

4 de março de 2021, 19h37

A recém-sancionada Lei nº 14.120/2021, fruto da Medida Provisória nº 998, atribuiu ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) a competência para outorgar a autorização para exploração da usina nuclear Angra 3, na Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto (CNAAA). O projeto remonta à década de 1980, mas sofreu sucessivas e longas interrupções, a última em 2015. Paralisada desde então, e com 67% das obras civis concluídas, o empreendimento recebeu novo impulso com a edição da referida medida provisória.

Nesse contexto, a Eletrobras Eletronuclear, responsável por construir e operar usinas nucleares no Brasil, lançou edital de licitação para contratação de empresa para execução de obras e serviços da linha crítica de construção civil e de montagem eletromecânica do empreendimento de Angra 3 [1]. A expectativa é que a contratação da empreiteira que dará sequência à obra ocorra no segundo semestre de 2022 e que a usina entre em operação em novembro de 2026 [2].

É louvável que a usina Angra 3 gere energia e contribua com o Sistema Interligado Nacional (SIN). Para que isso ocorra, entretanto, não se pode prescindir do cumprimento dos prazos previstos para conclusão das obras paralisadas, o que é bastante desafiador.

Os contratos de obras de infraestrutura como o da usina em questão são exemplos de contratos complexos, de execução diferida ao longo do tempo, nos quais as partes não conseguem prever, com exatidão, todos os eventos que ocorrerão durante a obra, sendo, portanto, contratos incompletos.

A incompletude e a complexidade desse tipo contratual representam, evidentemente, particular desafio às partes envolvidas. Pode-se afirmar que é alta a probabilidade de que as partes precisem lidar com mudanças climáticas, atrasos no fornecimento de materiais de construção, descoberta de fatos novos aptos a alterar o projeto durante a execução da obra, dentre outros elementos inerentes às obras de grande porte, que tendem a causar divergências entre as partes contratuais. Nesse sentido, quando diante de eventos não previstos no contrato, as partes tendem a ter de renegociar seus termos e condições, o que comumente gera conflitos, especialmente quando os interesses divergentes envolvem substanciosas quantias de dinheiro.

Por esse motivo, e considerando a alta probabilidade da existência de conflito, é importante, tanto para as partes diretamente envolvidas no projeto, quanto para a sociedade como um todo — a maior beneficiária da conclusão de projetos de infraestrutura —, que as controvérsias que surjam ao longo da execução da obra sejam solucionadas de forma célere e eficiente.

Com essas observações em mente, e cientes de que já houve diversas interrupções nas obras de Angra 3, mostra-se necessária a adoção de um método de prevenção e resolução de conflitos que consiga dar concretude ao projeto da usina nuclear nos prazos estabelecidos. O método que parece mais apto a gerir os conflitos nesse tipo de empreendimento é o chamado dispute board.

Os dispute boards (DBs) são comitês constituídos por especialistas em determinado assunto, geralmente dois engenheiros e um advogado. Quando instalado em caráter permanente (full term) — o modelo mais recomendado —, o DB acompanha, em conjunto com as partes, a execução do projeto desde o seu início, com o objetivo de assegurar: 1) que a obra seja concluída no prazo previsto; e 2) que as partes solucionem as controvérsias que inevitavelmente surgem ao longo da execução do projeto logo que elas apareçam, evitando-se que conflitos sejam escalonados.

Em outras palavras, o dispute board se presta como um fiscal do projeto para que este seja concluído na forma e no prazo previstos em edital. Para que isso seja possível, o DB full term deve se atentar às particularidades do projeto e acompanhar, rotineiramente, todas as suas etapas. Faz isso pela constante troca de informações entre as partes e os membros do comitê, o que inclui o envio periódico de relatórios e a realização de visitas conjuntas ao local da obra. Essas medidas permitem que os contratantes e os técnicos do DB fiquem alinhados quanto aos atuais e futuros problemas inerentes ao desenvolvimento do empreendimento, bem como reduzem eventual assimetria de informação e uniformizam as interpretações das partes sobre um mesmo fato.

Além disso, nos casos em que as partes não alcançam consenso sobre determinada controvérsia sem a necessidade de subsmissão formal do conflito para a análise do DB, os técnicos do dispute board emitem pareceres, vinculantes ou não — a depender se a modalidade do DB é de adjudicação, de recomendação ou se é híbrido. Assim, evita-se 1) o escalonamento das divergências, 2) a paralisação da obra pela falta de resolução do conflito, e 3) a submissão do conflito ao Poder Judiciário ou à arbitragem .

Mais do que apenas atraentes na teoria, os dispute boards demonstraram elevado grau de sucesso nos casos em que foram utilizados. De acordo com estudos feitos pela DRBF (Dispute Resolution Board Foundation), somente 2% das controvérsias avaliadas pelo board se transformam em ações judiciais ou em procedimentos arbitrais [3]. O êxito desse tipo de comitê foi comprovado também no Brasil, que viveu a primeira experiência de um DB permanente quando da construção da Linha 4-Amarela do Metrô de São Paulo. Nesse caso, a obra foi concluída dentro do prazo previsto e nove dos 11 pareceres formalmente emitidos pelo comitê foram acatados pelas partes.

Como se percebe, a grande vantagem desse método é sua capacidade de evitar que os problemas se sobreponham e se tornem excessivamente complexos. Idealmente, os dispute boards devem estar presentes desde os primeiros momentos de um grande projeto, mas nada impede que seja contratado para a retomada de uma obra, como no caso da usina nuclear Angra 3.

O histórico de interrupções da obra de Angra 3 e a complexidade envolvida no desenvolvimento do projeto são elementos que indicam um forte potencial litigioso e, consequentemente, a possibilidade de novas paralisações na construção do empreendimento. Exemplo recente e manifesto disso está em ação ajuizada por sete empreiteiras contra a Eletronuclear, em 2016, questionando a validade de um contrato que pretendiam rescindir. A ação ainda não transitou em julgado por ainda caberem recursos [4].

Chama a atenção, nesse contexto, a pertinência da instalação de dispute boards em caráter permanente a partir do momento da retomada das obras da usina nuclear, de modo a evitar novas paralisações. Episódios imprevistos e eventuais divergências entre a Eletronuclear e a construtora vencedora da licitação são elementos que podem originar conflitos que, se não resolvidos de forma eficiente, têm tudo para promover interrupções na execução da obra e, consequentemente, descumprimento dos prazos estabelecidos em edital.

O contato próximo e constante entre as partes e os membros do comitê permite que eventual falta de consenso entre os contratantes seja rapidamente solucionada pela equipe técnica do DB, que dispõe sempre de informações atuais sobre o andamento da obra e que conhece as particularidades do projeto.

Não se valer de métodos que previnam novas interrupções da obra, de que são exemplo os dispute boards, corresponderia ignorar o histórico do projeto de construção da usina e se esquivar da probabilidade de novas interrupções no desenvolvimento de Angra 3. É altamente recomendável, portanto, que, neste momento em que ainda não há novos conflitos e em que se espera a retomada da obra interrompida em 2015, reconheça-se a importância da instalação do DB permanente, com a esperança de se concretizar o projeto idealizado na década de 1980.

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