Opinião

Direito à educação e educação infantil

Autor

  • Ana Beatriz Prudente

    é membro do Comitê de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP membro do Grupo de estudos de Teoria do Estado Brasileiro da Faculdade de Direito da USP (GETEB – FDUSP) desenvolvedora de projetos de Economia Criativa e educadora de Agrossustentabilidade.

4 de março de 2021, 17h36

As leis que regem a área da educação e as políticas educacionais são essenciais para organizar o acesso à educação no Brasil. Assim, todos os profissionais da área, incluindo os educadores em sala de aula precisam conhecer tais leis e políticas, pois o sucesso de sua implementação vem justamente desse amplo conhecimento. Nelas, são especificados os deveres e direitos das escolas e dos alunos. Um exemplo é o Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), estabelecido pelo Ministério da Educação (MEC) para oferecer livros para ensino fundamental e médio. Em fevereiro deste ano, acaba de ser lançado o edital do PNLD 2023. Esse novo edital vem acompanhado por polêmicas.

Nessa edição, que contempla livros didáticos para o Fundamental 1, o programa teria deixado de observar princípios éticos e democráticos imprescindíveis e suprimiu pontos que proibiam a veiculação de estereótipos, de ideias homo e transfóbicas e que violassem as políticas de não violência contra mulheres. Bastante criticado, o edital teve pedido de suspensão por parte de alguns deputados e senadores, via projeto de decreto legislativo (PDL), entre eles a deputada Tabata Amaral. Grande parte dos especialistas na área educacional afirma que uma educação sexual escolar que respeite o desenvolvimento físico, psicológico, afetivo, cognitivo e, sobretudo, sexual de uma criança oferece ferramentas e caminhos para diagnosticar possíveis abusos ou, através de denúncia, interrompê-los.

A legislação da educação
A Constituição Federal de 1988 é extremamente importante pois influencia nos direitos dos alunos e nas obrigações dos educadores para com a escola e os alunos. Essa Constituição é a oitava promulgada e garante a educação como direito social, direito de todos e dever do Estado e da família. Para relembrar, as constituições anteriores são: Constituição de 1824 (Brasil Império), Constituição de 1891 (Brasil República), Constituição de 1934 (Segunda República), Constituição de 1937 (Estado Novo), Constituição de 1946, Constituição de 1967 (regime militar) e Constituição de 1988 (Constituição Cidadã). No artigo 205, por exemplo, a Constituição de 1988 destaca que a educação deve ser também promovida com a colaboração da sociedade, para que os alunos possam se desenvolver como seres humanos, possam exercer sua cidadania e se preparar para o mercado de trabalho. Já no artigo 206, o documento prevê que deve haver condições de igualdade para o acesso e permanência na escola e deve ainda a criança ter liberdade para aprender, e o professor deve ter liberdade para ensinar. Além disso, a Constituição cita que é preciso, no processo educacional, focar no pluralismo de ideias, prevê piso salarial para professores assim como um plano de carreira, garantia tanto para instituições privadas como para as públicas. Estabelece-se também nessa legislação que as instituições privadas devem seguir as mesmas normas e regras das instituições públicas e precisam ser avaliadas pelo governo. Frisa também pontos necessários para a valorização dos professores e de toda a rede educacional.

O ensino superior tem também destaque na Constituição de 1988, no artigo 207, e diz que as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e financeira, no entanto, devem primar pelo ensino, pela pesquisa e pela extensão de conhecimento. Já no artigo 208, a Constituição frisa o papel do governo do Estado, como o de garantir que existam vagas gratuitas para o ensino fundamental e também destaca a educação especial — garantida desde a educação infantil.

Dentro da legislação da educação, um dos destaques é a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), lei que guia as bases legais desta área e seus princípios estão citados na Constituição Federal. A LDB em vigor é a Lei nº 9.394/1996 e é a segunda promulgada no Brasil (a primeira é a Lei nº 4.024/1961). Todos os artigos são específicos para cada tema, com seus detalhes em parágrafos e incisos. A LDB foi citada pela primeira vez na Constituição de 1934 e, em seguida, na de 1946. No entanto, foi de fato criada em 1961, como Lei Darcy Ribeiro, e ganhou mais versões ao longo dos anos. A LDB atende a Constituição e prevê que exista uma educação pública democrática e de qualidade. Alguns pontos fundamentais que a lei determina são: todo cidadão brasileiro tem direito ao acesso gratuito do ensino fundamental; a função do governo federal nesse processo; estabelece as obrigações das instituições educacionais; as funções e obrigações dos profissionais da área; a carga horária mínima para cada nível de ensino, entre outros. A educação infantil figura no título V, do artigo 29 ao 31 da LDB. A lei destaca como instituições e educadores devem olhar para o desenvolvimento das crianças de zero a cinco anos em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social (formação integral). Essa etapa educacional complementa a convivência das crianças com a família e a comunidade, ou seja, o sucesso para o desenvolvimento infantil nesta fase depende desses três pilares.

A educação infantil é a primeira etapa da educação básica, a partir da Lei nº 12.796/13 essa etapa passou a ser obrigatória. Essa lei prevê, por exemplo, o pleno desenvolvimento da criança de até cinco anos de idade nos aspectos físico, emocional, intelectual e social. Portanto, tudo o que se trabalha na educação infantil precisa ser pensado para o desenvolvimento integral da criança, ou seja, para preparar a criança em todos os seus processos formativos, complementando as ações da família e da comunidade. Professores precisam planejar a aula pensando nessas questões e em como desenvolver todas as habilidades necessárias dos pequenos. Creches (zero a três anos — sem obrigatoriedade) e pré-escolas (a partir de quatro anos — etapa obrigatória) são os locais onde a educação infantil é oferecida. A LDB tem regras comuns para que o processo educacional aconteça. Uma delas é a avaliação que deve ser feita por meio de acompanhamento, sem o objetivo de promoção — ou seja, a avaliação tem o objetivo de analisar o desenvolvimento da criança, mas não serve para classificá-la como apta ou inapta. A carga horária obrigatória nesta etapa é de 200 dias letivos ou 800 horas, com turno parcial de quatro horas e turno integral de sete horas, além de frequência mínima de 60% (no entanto, não há retenção por falta de frequência). Como última regra prevista na LDB para esta fase está a expedição de documentos que formalizem o que aconteceu com cada criança durante o período pré-escolar. Diferentemente das etapas de ensino fundamental e ensino médio, a fase da educação infantil não exige boletim, não há repetição e o atesto é documento oficial de que a criança cursou o ensino infantil.

Além da LDB, outro documento que regulamenta a educação no Brasil é a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), cuja primeira versão foi disponibilizada em 2015 e no final de 2017 teve sua homologação para as etapas de educação infantil e ensino fundamental, já no final de 2018 a BNCC foi homologada para a etapa do ensino médio. No caso da educação infantil, o documento estabelece quais são as experiências fundamentais que a criança deve vivenciar, tendo em vista seis direitos de aprendizagem. São eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar-se e conhecer-se. Na prática, a educação infantil é essencial para o desenvolvimento da criança e, por isso, a BNCC destaca que é preciso se ater especialmente na socialização, na autonomia e na comunicação da criança, assim a união entre família e escola é fundamental. O documento parte do princípio de que é preciso valorizar o conhecimento prévio do aluno e, portanto, nesse contexto é preciso que as escolas respeitem a diversidade cultural.

Vamos lembrar também que, antes da BNCC, a educação especial não era posta como obrigatória para a educação infantil. No entanto, desde 2018, as crianças em condições especiais já têm este direito garantido. Vale destacar, ainda, que a LDB é responsável por sinalizar os caminhos da educação, mas é a BNCC o documento que aprofunda a implementação dessas diretrizes, ou seja, ela vai mostrar como instituições de ensino e educadores devem fazer para garantir o desenvolvimento integral de todos os alunos. Além disso, apresenta direitos e deveres de todos os envolvidos nesse processo.

Antes da BNCC, o Brasil já possuía dois outros documentos orientadores para a etapa: o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI), de 1998, e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI), de 2009. A BNCC foi elaborada à luz do que diz as DCNs, que serviam como um referencial curricular não obrigatório. Além disso, a BNCC determina com mais clareza os objetivos de aprendizagem propostos nos documentos anteriores. A Base Nacional Comum Curricular entende que as instituições de ensino devem ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades do aluno, diversificando, ampliando e consolidando novas aprendizagens. No caso dos professores, é sua função: propor essas experiências, que precisam ter um propósito. Assim, o educador deve refletir, monitorar, selecionar, organizar, planejar e mediar as possíveis práticas para propiciar o desenvolvimento integral da criança.

Educação digital e BNCC na educação infantil
Quando falamos de educação digital, especialmente, em tempos de pandemia, podemos destacar que o uso do celular se tornou um instrumento fundamental para desenvolver a linguagem digital e educação midiática. Na Competência 4 da BNCC está previsto que o dever da escola é criar meios para que os alunos possam: utilizar diferentes linguagens — verbal (oral ou visual-motora, como libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital —, bem como conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos. Já na Competência 5, destaca-se a necessidade de: compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo as escolares), no intuito de se comunicar, acessar e disseminar informações, além de produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva. Assim, a tecnologia é citada como fundamental em toda a educação básica. No caso da educação infantil é tida também como um direito de aprendizagem, cujo objetivo nesta etapa é estimular o pensamento crítico, criativo e lógico; a curiosidade; o desenvolvimento motor e a linguagem da criança. É papel da escola e do professor compreender esses aspectos e fazer com que as crianças utilizem a tecnologia de maneira positiva, crítica e criativa. Nessa etapa, os alunos pequenos não aprendem somente ouvindo e reproduzindo o que o professor fala, mas aprendem sobretudo pesquisando, refletindo e chegando às próprias conclusões. E, se bem utilizada, a tecnologia pode ajudar nesse processo, sendo uma aliada do conhecimento infantil.

Estudos pré-pandêmicos apontavam que as crianças já estavam muito tempo na internet e, com a pandemia, esse tempo online aumentou.  Especialistas dizem que é primordial que os pais monitorem o que os filhos estão acessando e que imponham limites. Nossas crianças precisam respirar o mundo que está ao redor delas e aprender a conviver com esse mundo, portanto, a vida diante de uma tela não parece saudável.

A criança precisa assimilar o mundo a sua volta, entendendo o entorno, as crianças aprendem com exemplos, no caso do meio ambiente os adultos precisam mudar suas práticas para que também a aprendizagem e as mudanças de olhar para o meio ambiente sejam permanentes. Ninguém nasce sabendo ser humano, nós aprendemos e as crianças aprendem quando ensinamos a prática. É preciso adaptar as práticas em sala de aula de maneira integrada para que as crianças se tornem humanos conscientes e pensantes.

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  • é membro do Comitê de Combate à Covid-19 da Faculdade de Educação da USP, membro do Grupo de estudos de Teoria do Estado Brasileiro da Faculdade de Direito da USP (GETEB – FDUSP), desenvolvedora de projetos de Economia Criativa e educadora de Agrossustentabilidade.

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