Opinião

Controvérsias da ação contra a Vale em Brumadinho incluem atuação do MP

Autor

  • Elton Pupo Nogueira

    é juiz de Direito em Belo Horizonte mestrando e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direito Econômico da UFMG e pós-graduado em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra Portugal.

3 de março de 2021, 18h20

Durante dois anos na condução da ação coletiva que reuniu cinco processos decorrentes do rompimento de barragem em Brumadinho (MG), não foram poucas as divergências jurídicas enfrentadas, mesmo depois de outros eventos semelhantes, tais como Chernobyl, Fukushima e, mais especificamente, o rompimento de barragem em Mariana (MG).

A primeira controvérsia decorreu dos bloqueios de recursos financeiros de R$ 11 bilhões, determinados pelo Poder Judiciário, que foram mantidos a despeito dos diversos recursos interpostos no Tribunal de Justiça.

Em seguida, a reunião de todos os cinco processos na capital do Estado também gerou recursos processuais, em virtude da controvérsia sobre a cidade em que deveriam tramitar. Posteriormente, todas as partes concordaram com a competência da capital do Estado.

Ainda no início da ação, conciliações sobre pontos específicos do processo incluíram duas negociações sobre o pagamento emergencial que garantiu sustento para famílias atingidas ao mesmo tempo em que preservou a economia local. O critério para o pagamento emergencial foi alvo de elogios e críticas. Um critério mais alargado implicava em recebimento desnecessário para alguns, enquanto um critério restrito poderia deixar famílias sem dinheiro para o seu próprio sustento.

Em 2019, menos de um ano após o rompimento da barragem, a Vale S. A. foi condenada a reparar todos os danos causados, sem especificação de quais eram os danos, ante a possibilidade de "fatiamento" do julgamento judicial, novidade introduzida pelo CPC de 2015. Nenhuma das partes recorreu desse julgamento.

Também cooperativamente, conciliações com a presença do juiz permitiram acordos parciais relevantes durante a ação com continuidade das apurações técnicas no processo.

Desde a contribuição de John Nash para a teoria dos jogos, Prêmio Nobel de Economia em 1994 (retratada no filme "Uma Mente Brilhante"), a ciência das negociações e decisões estratégicas passou a levar em consideração que, em muitos casos, a busca pelo melhor resultado individual pode ser insatisfatória, e que a cooperação traz melhor resultado para todos.

Mais tarde, Robert J. Aumann, Prêmio Nobel de Economia em 2005, demonstrou que as relações entre indivíduos ou organizações tendem a permanecer por tempo indeterminado, de modo que a cooperação deve estabelecer-se como a melhor opção a ganhos de curto prazo.

Foi assim também que em outubro de 2020 a Vale S.A. voltou para as conciliações após uma decisão judicial negando bloqueio adicional de mais de R$ 26 bilhões, em virtude de pedido feito pelo Estado de Minas Gerais que levou a empresa emitir comunicado ao mercado. Novamente, nenhuma das partes apresentou recurso dessa decisão.

No final de 2020, o processo estava pronto para julgamento dos pedidos que não dependiam de apuração científica ou técnica, quando foi iniciada a negociação no Tribunal de Justiça para evitar que a solução final do caso se arrastasse por vários anos no Poder Judiciário.

Foi, então, celebrado acordo envolvendo o Estado de Minas Gerais e o Ministério Público de Minas Gerais, que eram partes na ação, juntamente com Ministério Público Federal que não era parte e integrava a ação como amicus curiae, assim como a Defensoria Pública da União e a Advocacia-Geral da União.

Ao Judiciário cabe exclusivamente exame de constitucionalidade e legalidade, sem exame do mérito, ou seja, sem análise de valores e termos do acordo.

Os pedidos do processo que necessitam de pesquisa científica, da qual não se tem conhecimento prévio, estão a cargo de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, que atendeu a pedido judicial em razão da grande complexidade do caso.

Com a legislação atual, existe controvérsia sobre a possibilidade de os autores, incluindo o Ministério Público, celebrarem acordo em ação civil pública, pois o direito que está em jogo não é das partes, mas das pessoas representadas em juízo. A Lei da Ação Civil Pública prevê os efeitos do julgamento dependendo do resultado do processo (secundum eventus litis), com a procedência ou improcedência da ação, mas nada prevê em caso de celebração de acordo.

Também não existe regulamentação legal específica para a atuação de força-tarefa no processo coletivo cível, assim como tem ocorrido nos processos criminais de grande repercussão nacional, tendo havido alternância de membros dos Ministérios Públicos na ação de Brumadinho.

As controvérsias jurídicas permanecem, pois o Código de Processo Civil de 2015 nada disciplinou sobre processos coletivos que permanecem sendo um microssistema regulado pela Lei da Ação Civil Pública de 1985, pelo Código de Defesa do Consumidor de 1990 e outras leis específicas posteriores.

Todas essas dificuldades, além de outras encontradas no curso do processo, poderiam ser mitigadas ou eliminadas se a legislação contemplasse mecanismos mais eficientes e atuais de gestão processual.

Até o final do século 20, o processo judicial não tinha se voltado para os conflitos de massa, que possuem vantagens econômicas e jurídicas, com menor custo e maior segurança jurídica, em relação a processos individuais multiplicados. As ações civis públicas são meio eficaz de aplicação efetiva da justiça em tempo razoável.

Uma sistematização das normas sobre o processo coletivo dentro do Código de Processo Civil ou em lei específica traria maior eficiência e segurança jurídica a processos judiciais de grande relevância, e sem as controvérsias que o Código de Processo Civil de 2015 preferiu não enfrentar.

Autores

  • é juiz de Direito em Belo Horizonte e pesquisador do Grupo de Pesquisa em Direito Econômico da UFMG, possui pós-graduação em Direito do Consumidor pela Universidade de Coimbra, Portugal.

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