Projeto de poder

STF aceita embargos e nega denúncia contra Arthur Lira e outros políticos do PP

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2 de março de 2021, 19h23

Declarações de delatores não justificam, por si sós, a abertura de ação penal. E não é possível acusar grupo de integrar organização criminosa desde 2004 se este delito foi criado nove anos depois, pela Lei 12.850/2013.

Rosinei Coutinho/SCO/STF
Gilmar Mendes disse que procuradores da "lava jato" tinham projeto de poder
Rosinei Coutinho/STF

Com esse entendimento, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por três votos a dois, aceitou, nesta terça-feira (2/3), embargos de declaração e rejeitou denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (AL), o senador Ciro Nogueira (PI) e os deputados federais Aguinaldo Ribeiro (PB) e Eduardo da Fonte (PE), todos do PP.

Em 2017, a Procuradoria-Geral da República acusou os quatro de desviar dinheiro da Petrobras no caso que ficou conhecido como quadrilhão do PP. Segundo a acusação do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o grupo teria desviado R$ 390 milhões. Dois anos depois, a 2ª Turma do Supremo aceitou denúncia contra os políticos, mas eles opuseram embargos de declaração.

O relator do caso, ministro Edson Fachin, votou em 2020 para negar os embargos, e o ministro Gilmar Mendes pediu vista. Na retomada do julgamento nesta terça, prevaleceu o voto de Gilmar. O magistrado afirmou que a acusação de organização criminosa foi artificial e sem fundamento, uma vez que quase todos os inquéritos sobre os fatos ou já foram arquivados pela própria PGR ou tiveram denúncias rejeitadas pelo Supremo.

"Portanto, entendo que o acórdão foi omisso e contraditório ao não proceder a uma análise detalhada da situação de cada uma dessas investigações, utilizando-se dessas narrativas [de delatores] para receber a denúncia, mas sem considerar que essas investigações já foram arquivadas, rejeitadas ou sequer iniciadas em virtude da fragilidade dos depoimentos dos colaboradores e das provas produzidas", avaliou Gilmar.

O ministro ressaltou que a decisão da 2ª Turma que aceitou a denúncia não poderia ter se baseado apenas em relatos de colaboradores, sem indicar que elementos corroborariam tais narrativas.

"Ao assim proceder, entendo que o acórdão permitiu o uso de corroboração recíproca ou cruzada, ou seja, a confirmação dos depoimentos dos colaboradores com base em declarações de outros colaboradores ou em informações ouvidas de terceiros, o que não é admitido pela jurisprudência desta corte"" opinou Gilmar, citando o Habeas Corpus 127.483, do Plenário, e o voto do ministro aposentado Celso de Mello no Inquérito 3.982, julgado pela 2ª Turma. O magistrado também citou que a Lei "anticrime" (Lei 13.964/2019) proibiu o recebimento de denúncia apenas com base em delação.

Além disso, Gilmar destacou que a conduta dos acusados é atípica. Isso porque o delito de organização criminosa só foi tipificado em 2013, pela Lei 12.850, e os fatos indicados na denúncia vão até 2011. De acordo com o ministro, não é possível abrir a ação penal pelo crime de quadrilha ou associação criminosa, previsto pelo artigo 288 do Código Penal. A razão disso é que a jurisprudência do STF e do Superior Tribunal de Justiça proíbe a modificação do crime contido na denúncia por parte do Poder Judiciário, ressalvados os excepcionais casos em que essa alteração seja mais favorável ao réu.

Criminalização da política
O objetivo da denúncia, conforme Gilmar, era "usar a persecução penal contra o partido político como uma plataforma de deslegitimação de algumas figuras públicas de destaque no cenário nacional, trazendo a imputação criminosa ao cerne da agremiação partidária".

"O olhar em retrospecto da presente denúncia revela que ela era apenas o artefato de um planejamento persecutório maior, finamente orquestrado para sustentar uma teoria de criminalização das relações entre o Parlamento e o governo federal", disse o ministro.

Para fortalecer seu argumento, o magistrado citou as mensagens entre integrantes da força-tarefa da "lava jato" que foram hackeadas e vêm sendo reveladas por veículos de imprensa, especialmente a ConJur.

"As recentes revelações de diálogos havidos entre os procuradores membros da extinta 'força tarefa da operação lava jato' de Curitiba, quer lícitos ou não, sugerem que a apresentação da denúncia nos presentes autos era tão somente um "pé de apoio" para um projeto político próprio do Ministério Público que perpassava justamente essa estratégia de deslegitimação do establishment partidário para, talvez no futuro, apresentar-se como solução: instaurar o caos para afiançar a moralidade”.

Gilmar ressaltou que, em conversa de 9 de setembro de 2016, o procurador Deltan Dallagnol deixa claro que a denúncia do PP seria um passo fundamental para a estratégia de "colocar tudo em cima do Lula e de alvos pretéritos".

"Poderiam existir dúvidas sobre qual seria o objetivo de eleger como alvos representantes políticos eleitos de longa tradição no cenário nacional. Para o senso comum, poderia não ter ficado claro porque a 'lava jato' tinha seus troféus. A mim me parece que a resposta é simples: a força-tarefa de Curitiba, com vontade livre e consciente, de forma estável, profissionalizada, com estrutura definida e repartição de tarefas, pretendia lançava-se como um grupo político sedento pelo poder", analisou o ministro.

Ele indicou que essa intenção foi sugerida em um diálogo que, "em tom casto ou jocoso", sugere a formação dos ministérios caso Deltan Dallagnol assumisse a Presidência da República. Na conversa, a procuradora Laura Tessler sugere chamar o atual presidente Jair Bolsonaro para integrar a pasta dos direitos humanos. A procuradora Jerusa Viecili responde que Bolsonaro "iria extinguir com os direitos humanos em dois atos".

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima também se atribui um papel: "Afinal, eu serei o [ex-ministro da Casa Civil José] Dirceu do novo Lula….rs…". Antonio Carlos Welter responde que "CF [Carlos Fernando] está mais para Golbery [do Couto e Silva, ex-chefe da casa civil na ditadura militar] do que para Dirceu. Ministro sem pasta". "Gostei mais disso. Afinal o Golbery morreu em casa enquanto o Dirceu vai morrer na cadeia", responde Santos Lima.

Para Gilmar Mendes, "é esse o contexto nacional que permeou a gestação de denúncias como a que ora se aprecia".

O voto de Gilmar foi seguido pelos ministros Ricardo Lewandowski e Nunes Marques. Lewandowski lembrou que os integrantes do STF não apoiam a corrupção, mas devem respeitar a Constituição.

"Todos nós aqui somos contra a corrupção. Consideramos que a corrupção é um dos males endêmicos do país. Mas esse combate à corrupção precisa ser feito dentro dos limites constitucionais, com respeito ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência."

O ministro também opinou que meros registros de acesso à Petrobras e de reuniões com empresários não são elementos explícitos de corroboração das delações que justifiquem o recebimento de denúncia.

Voto vencido
O relator, Edson Fachin, reafirmou seu voto para negar os embargos de declaração. Contudo, ele e a ministra Cármen Lucia ficaram vencidos.

Fachin declarou que nem todas as investigações do caso foram arquivadas — tanto que alguns acusados foram condenados na Ação Penal 996. O magistrado disse que a denúncia não está fundamentada apenas em relatos de colaboradores e que a alteração promovida pela Lei "anticrime" não se aplica ao caso, pois quando a denúncia foi recebida a norma não estava em vigor.

O ministro também sustentou que a caracterização de organização criminosa não exige a prática de outros delitos. E argumentou que, para os fatos ocorridos antes de 2013, poderia ser aplicado o crime de quadrilha ou associação criminosa, previsto pelo artigo 288 do Código Penal.

Fachin ainda destacou que não houve cerceamento de defesa, pois o contraditório pleno é adiado para a fase de instrução criminal, quando a ação penal tiver sido aberta.

Defesas comemoram
Na visão dos advogados de Arthur Lira, Pierpaolo Bottini e Marcio Palma, "a decisão reconheceu que é preciso cuidado com a delação premiada. Embora seja um importante instrumento de prova, só deve valer quando coerente e corroborada por provas. No caso, as declarações de Alberto Youssef, notório desafeto de Arthur Lira, eram contraditórias e inverídicas, e por isso não tinham condições de sustentar uma acusação. É a terceira denúncia com base nas declarações do doleiro rejeitada pela Suprema Corte".

Já a defesa de Ciro Nogueira declarou que a decisão "resgata a confiança no sistema de justiça e anuncia novos tempos no cumprimento da Constituição Federal". Os advogados ressaltaram as "sérias críticas à tentativa de criminalização da política" e a "gravidade do fato de se tentar imputar crimes a atitudes e fatos inerentes à atuação dos políticos, aos partidos políticos e à Política". A defesa de Nogueira foi feita pelos criminalistas Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, Roberta QueirozMarcelo TurbayLiliane de CarvalhoÁlvaro Chaves e Ananda França.

Marcelo Leal de Lima Oliveira, que representa o deputado Dudu da Fonte (PP-PE), disse que "as decisões colocam um fim na tentativa de indevida criminalização da atividade política e fortalecem a própria democracia".

Outra denúncia contra Lira
Em outro caso, o ministro Luiz Edson Fachin negou pedido da Procuradoria-Geral da República de rejeição da denúncia contra Arthur Lira por corrupção passiva, corrupção ativa, evasão de divisas e lavagem de capitais. A decisão caberá ao Plenário.

Para Fachin, o fato de o Ministério Público Federal oferecer denúncia contra um deputado federal e, posteriormente, concordar com a tese defensiva de que a mesma deve ser rejeitada não tem relevância tamanha para afastar do Plenário do Supremo a decisão de seu recebimento ou não.

Segundo a denúncia inicialmente ofertada, Lira teria recebido indiretamente cerca de R$ 1,5 milhão em valores desviados de obras da Petrobras pela Queiroz Galvão. O esquema foi viabilizado pela atuação de Francisco Ranulfo, diretor operacional da construtora, e o empresário Leonardo Meirelles.

Clique aqui para ler o voto de Gilmar Mendes
Inq 3.989

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