MP no debate

Questões relativas ao processo penal brasileiro vão ficando para depois

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1 de março de 2021, 10h39

Em dezembro de 2019, grande destaque foi dado à edição da Lei nº 13.694, chamada pomposamente de pacote anticrime e que trazia importantes modificações em matéria penal, processual penal e de execuções criminais.

À época o ministro da Justiça era o ex-juiz Sergio Moro, ainda poderoso e apontado, por sua atuação na operação "lava jato", como o símbolo da luta anticorrupção.

Como é frequente no Brasil, a expectativa era de uma diminuição da criminalidade em razão do suposto endurecimento da legislação.

Passado mais de ano, se diminuição de criminalidade houve foi em razão da pandemia e não em razão da mudança de legislação.

Qualquer pessoa, minimamente informada, sabe que a violência e a criminalidade têm causas diversas e a mudança legislativa, embora possa ser necessária, por si só, é insuficiente para causar impacto nos índices de crimes praticados.

Duas questões, à época da edição da lei, tiveram repercussão e demonstraram a perda de força de Sergio Moro: a criação do juiz de garantias, reinvindicação de boa parte da advocacia criminal, e a não permissão de prisão de réu condenado em segunda instância, pauta prioritária do então Ministro da Justiça e constantes em todos os discursos de políticos que se dizem adversários da corrupção e da impunidade, inclusive e principalmente dos apoiadores do Presidente Bolsonaro.

Como noticiado pela imprensa, Sergio Moro solicitou o veto presidencial dos artigos que alteraram o Código de Processo Penal, criando o juiz de garantias.

Seu pedido não foi atendido, o que é uma evidente contradição entre o candidato e presidente eleito (só mais uma).

O que Sergio Moro não conseguiu no Poder Executivo, obteve no Judiciário.

Medida liminar concedida monocraticamente pelo ministro Luiz Fux impede a efetivação do juiz de garantias.

Sem entrar no mérito sobre a conveniência ou não do juiz de garantias, o fato é que o legislador entendeu conveniente sua criação, pelo que nada justifica que, passado mais de ano, a questão sequer tenha sido apreciada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.

Aliás, o principal argumento utilizado contra a criação do juiz de garantias é a suposta falta de estrutura para sua instalação no Brasil, país de dimensão continental.

Ora, ainda que o argumento seja razoável, não se pode indefinidamente adiar decisão legítima do Poder Legislativo.

É curioso observar que o tema praticamente desapareceu, não havendo nenhuma pressão (a não ser de alguns ministros do Supremo) para que a questão seja ao menos debatida.

Já a possibilidade de prisão em razão de decisão de órgão colegiado, que foi tema principal ou único de várias campanhas vitoriosas, também já não tem tantos defensores.

Nem aqueles que se elegeram com o discurso de endurecimento da legislação tratam do assunto. Nunca é demais lembrar que a chamada bancada da bala aumentou consideravelmente.

O silêncio dos antigos defensores da possibilidade de prisão após a decisão em segunda instância passa a impressão de que todo o barulho feito tinha como razão um réu específico.

A indignação, quase comoção, com a modificação de entendimento do Supremo Tribunal Federal e que permitiu a expedição de alvará de soltura de vários condenados, entre eles o ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva, como que por encanto desapareceu.

Assim que foi editado o pacote anticrime, apoiadores de Sérgio Moro e do governo Bolsonaro, afirmavam que apresentariam proposta de emenda constitucional para deixar clara a possibilidade de prisão após a manutenção de sentença condenatória em segunda instância.

Até hoje não houve nenhum esforço para a mudança constitucional tão prometida.

Os dois assuntos- juiz de garantias e prisão após a decisão de órgão colegiado- não podem ser abandonados.

É justo o desejo de garantias de imparcialidade do juiz da causa- argumento principal dos defensores do juiz de garantias- assim como é inegável que a obrigação do trânsito em julgado para a expedição de mandado de prisão traz uma justa impressão de impunidade em especial para os criminosos de colarinho branco.

Além destes dois temas, outro deveria ser objeto de estudo e preocupação.

Já passou o tempo de se estudar uma legislação, que sem retirar o direito de defesa, agilize o andamento processual.

A possibilidade de um processo penal perdurar por décadas é de todo incompatível com o desejo coletivo de uma pronta resposta a um fato apontado como criminoso.

Fica aqui a proposta a quem de direito. Urge tratar dos dois assuntos que não podem ser adiados, assim como está mais do que na hora de se implementar uma legislação processual penal mais célere.

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