Opinião

Os custos de oportunidade da suspensão de liminar

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31 de maio de 2021, 12h31

Os direitos possuem um custo financeiro e econômico. A existência do próprio modelo de Estado democrático de Direito dotado de uma democracia representativa possui como pressuposto de existência um intricado modelo de tributação e arrecadação de recursos públicos para financiá-lo.

Como acentuam Stephen Holmes e Cass R. Sunstein no clássico "O custo dos direitos — por que a liberdade depende dos impostos": "Uma abordagem mais adequada dos direitos parte de uma premissa surpreendentemente simples: toda liberdade privada tem um custo público. Isso não vale somente para os direitos à aposentadoria, à assistência médica e a vales-alimentação, mas também para os direitos à propriedade privada, à liberdade de expressão, à imunidade em relação a abusos da polícia, à liberdade contratual, ao livre exercício da religião e a toda gama de direito…" [1] (grifo dos autores).

É dizer, em razão do incremento de complexidade das sociedades pós-modernas, a todo momento se descortinam demandas sociais por tutela de novos direitos que buscam se afirmar como fundamentais e cuja implementação prática reclama, invariavelmente, a tomada de decisões políticas de algum modo discricionárias de alocação de recursos escassos.

Embora criticável, a economia nos traz a noção, de algum modo útil, de que o ser humano age com base em escolhas racionais, buscando maximizar seus interesses da melhor forma possível num mundo marcado pela indelével marca da escassez e finitude de bens materiais.

Daí que são as escolhas racionais tomadas pelos agentes públicos, à luz do conjunto de princípios tidos como socialmente mais relevantes em uma dada sociedade num dado momento histórico, que determinarão quais direitos — de dimensão negativa ou positiva — serão objeto de maior tutela jurídica pelo Estado. Afinal, quanto maior o aporte financeiro para financiar uma determinada política pública voltada à tutela de um direito, em um cenário de normalidade, maior e mais fortalecido estará o arcabouço institucional vocacionado a protegê-lo.

A ideia de que seres humanos racionais que buscam maximizar suas preferências e interesses em razão da escassez de recursos se revela especialmente interessante quando se está a tratar do direito processual, meio pelo qual os litígios são formalmente administrados no paradigma do Estado moderno e contemporâneo.

É que os litígios são vistos pela literatura econômica como campos férteis para desperdício de riqueza, como mecanismos de captura de renda (rent-seeking). É como ponderam os professores Nuno Garoupa e Antônio Maristrello Porto: "Litígios, segundo essa visão, não produzem riquezas e, portanto, significam ineficiência. Quem litiga não está produzindo bens e serviços mas, sim, brigando pela distribuição de uma riqueza anteriormente produzida. Nesse sentido, o problema não é propriamente a repartição da riqueza (qualquer riqueza criada, afinal, há de ser repartida de algum modo); é o desperdício (de esforços, de dinheiro, de oportunidades) que ocorre durante o litígio, durante a briga por sua divisão. Aí está a ineficiência para essa corrente de pensamento" [2].

Sob essa ótica econômica pessimista do litígio, em que, de algum modo, haverá perda de riqueza, parece-nos que os players do jogo processual possuem especial interesse em tomar decisões racionais baseadas em buscar obter o maior ganho de eficiência possível.

Afinal, os litígios representam custos sociais elevados. Isso porque, para além dos custos privados de transação entre as partes litigantes, há um conjunto oneroso de  externalidades que o qualifica como social justamente porque para que o litígio consiga ser pacificado pelo Estado-juiz se fazem necessários recursos públicos para financiar a estrutura institucional responsável por acomodar os interesses em jogo. Eis uma vez mais a lição dos professores Nuno Garoupa e Antônio Maristrello Porto:  

"Para além das custas e dos emolumentos recolhidos pelas partes em uma ação judicial, o Poder Judiciário é custeado e mantido por toda a sociedade, que paga impostos para, por exemplo, prover os salários dos magistrados" [3].

Nessa ordem de ideias, parece-nos que a suspensão de liminar e sentença, medida de contracautela voltada à tutela da ordem, saúde, segurança e economia pública (artigo 4º, caput, da Lei nº 8.429/92), constitui-se como um mecanismo processual fértil para análises de custo de oportunidade econômica.

Conquanto a suspensão de liminar divirja dos recursos de natureza ordinária (exemplos: agravo de instrumento, apelação etc.), em razão de sua índole político-administrativa e em virtude de possuir pressupostos próprios de deflagração que não necessariamente jurídicos, é certo que não raro é possível às pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado em defesa do interesse público primário escolherem se valer de uma, ou de outra medida.

Como ensina Elton Venturi, "os pedidos de suspensão não possuem natureza recursal. Assim sendo, não se confundem com o recurso interponível para impugnar a decisão contrária ao Poder Público, motivo pelo qual ambas as vias são, em tese, compartilháveis" [4].   

Todavia, a questão ganha ares de complexidade quando há a utilização concomitante das medidas de contracautela para suspender a eficácia de liminares ou sentenças contrárias ao poder público com outros veículos processuais ordinários (recursos) que buscam exatamente o mesmo fim, como, por exemplo, o pedido de tutela provisória para atribuição de efeito suspensivo a recurso, as medidas cautelares inominadas (tutelas provisórias em geral)  ou, excepcionalmente, mandado de segurança contra ato jurisdicional.

O fato é que, sem adentrar no instigante debate acerca da existência de preclusão lógica e consumativa da utilização de uma via em detrimento de outra ou mesmo da violação ao princípio do juiz natural, interessa-nos o arranjo estratégico e racional de como o poder público resolve lançar dessas vias. Se ambas simultaneamente ou se uma em detrimento da outra.

É que, a depender de cada escolha eleita, haverá um custo de oportunidade distinto. Custo de oportunidade compreendido não apenas em termos monetários/financeiros, mas também de melhor e maior realização de direitos daqueles cuja contracautela visa a proteger em último grau: o jurisdicionado. Ou mesmo de uma maior realização de certos direitos em detrimento de outros (saúde e economia pública coletivamente pensada em prejuízo momentâneo de um direito individual).

Afinal, se o custo de oportunidade é, na economia, uma forma de aferir qual a alternativa mais eficiente a ser tomada, no cotejo entre duas opções, aquela onde se renuncia o menos possível é a considerada ótima. Nesse sentido, algumas variáveis como custos processuais, tempo compreendido enquanto ônus, quantidade de filtros decisórios e recursais, a quantidade envolvida de estrutura institucional (custo social = custo privado + externalidades), entre outros fatores endógenos e exógenos ao processo, devem ser levadas em consideração para que se escolha uma via em detrimento da outra.

Entre todos os arranjos estratégicos possíveis, parece-nos que a escolha simultânea da suspensão, endereçada ao presidente do tribunal competente, com as vias ordinárias das tutelas provisórias (cautelares), distribuída aos demais órgãos julgadores, para a retirada da eficácia de decisões judiciais, é a que mais promove um custo social e possui um menor custo de oportunidade quando comparada com a utilização isolada de apenas uma medida.

Para que uma suspensão seja manejada, há todo um ônus financeiro para os cofres públicos ou, eventualmente, em sendo uma pessoa jurídica de direito privado, a advogados particulares, em razão da necessidade de remuneração daqueles que detém capacidade postulatória para estar em juízo e defender o interesse público primário; há um custo econômico de remuneração financeira da burocracia do Poder Judiciário e de todos agentes envolvidos no processo (exemplos: serventuários, presidências dos tribunais e demais órgãos julgadores se e quando da interposição de agravo regimental); há ainda um custo temporal para o Poder Judiciário, na medida em que quando aprecia um requerimento de contracautela acaba-se renunciando indiretamente a apreciação de outros, quiçá mais urgentes e mais plausíveis; e, sobretudo, há um custo financeiro enorme para o jurisdicionado que financia, por meio do recolhimento de tributos, todo esse aparato processual e institucional.

Quando os legitimados para deflagrar o pleito suspensivo o cumulam com pedidos ordinários de atribuição de efeito suspensivo por meio de medida cautelares (tutelas provisórias) deduzidas nos processos ordinários, acresce-se um custo temporal e financeiro sobremaneira mais elevado. De modo abstrato, o processo ordinário, em si, já possui um custo social — abstratamente — mais elevado.

Enquanto a suspensão é endereçada apenas à cognição das presidências dos tribunais, os pedidos cautelares ordinários de atribuição de efeito suspensivo têm uma potencialidade de envolver mais agentes no processo (exemplos: serventuários, conflitos de atribuição entre julgadores pela competência para processar os pedidos etc.); mais filtros recursais e, justamente por existir em tese mais recursos cabíveis (exemplos: agravo interno, embargos de declaração, eventuais recursos de natureza extraordinária, mandado de segurança contra o ato judicial concessivo do pedido etc.), mais tempo para o fim do processo, o que significa, em alguma medida, morosidade do Poder Judiciário e falta de uma tutela justa, tempestiva e adequada ao jurisdicionado.

A cumulação simultânea de ambas as vias, para além de causar um custo social-orçamentário extremamente elevado (externalidade negativa), acaba quase por anular os custos de oportunidade da utilização de uma via em detrimento da outra.

De modo diverso, quando o poder público (isto é, particulares na defesa do interesse público primário), se vale unicamente de uma via em detrimento da outra, parece-nos que o custo de oportunidade de se utilizar a suspensão ao invés dos meios cautelares ordinários é maior. 

Afinal, enquanto na contracautela o tempo do processo é mais breve, na medida em que se tem uma menor quantidade de juízos prévios de cognição (apenas a presidência, sem a possibilidade de conflitos de competência), uma menor quantidade de vias recursais (em regra, agravo interno e embargos de declaração) e, por via de consequência, um menor custo financeiro de financiamento e uma maior quantidade de beneficiários de uma tutela protetiva da coletividade em detrimento das individualidades, nas vias ordinárias há um caminho, em regra e em tese, inverso, eis que os custos de tempo, dinheiro, recursos e de burocracia tendem a ser mais elevados.

Eis alguns exemplos práticos: no julgamento do AgRg na SLS nº 833/CE, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça suspendeu decisão judicial que impossibilitava a concessionária de distribuição de energia elétrica de proceder ao corte de fornecimento de consumidor inadimplente. Nessa situação, a concessionária, buscando evitar um efeito multiplicador que uma decisão desse jaez poderia provocar sistemicamente sobre a organicidade e continuidade do serviço público de distribuição de energia, ajuizou pedido de suspensão, notadamente porque a medida possui um efeito dissuasório mais amplo na modulação de comportamentos e de decisões judiciais.

Nesse caso, os custos de oportunidade para o Estado não seriam expressivos caso se pensasse apenas em uma única sentença, atacável por meio de um único recurso de apelação. Contudo, haja vista que é uma prestadora de serviço público cujos efeitos sistêmicos de uma decisão afeta o próprio equilíbrio econômico-financeiro da concessão, optou-se pela suspensão como modo de não proliferar comportamentos semelhantes, especialmente o de inadimplência por parte dos consumidores.

Nesse particular, é importante ressaltar que, não raro, a escolha racional pelas medidas de contracautela não se dá apenas baseada na avaliação de um processo específico. As justificativas fundamentam-se na possibilidade da multiplicação de processos de natureza semelhante. Nesse cenário, há de se avaliar o custo marginal de cada ação gerada pelo efeito multiplicador. Para a economia, a avaliação de uma decisão não pode ser tomada levando em conta apenas os custos totais, mas devem ser avaliados os custos e benefícios marginais. Nesse contexto, o custo total seria a ação específica a qual a SLS está sendo aplicada. Os custos marginais se dão por ações análogas que podem surgir, caso não haja a utilização desta excepcional medida.

Um exemplo especialmente interessante pode ser extraído da Suspensão de Liminar e Sentença nº 3/RS, julgada pela Corte Especial do STJ, em que fora feito um pedido para fosse concedido um reajuste de 9,56% nas tabelas de procedimentos médico-hospitalares realizados pela Santa Casa de Pelotas, considerando o prejuízo gerado pela mudança do cruzeiro para o real. Nessa conjuntura, o custo de oportunidade da não utilização da suspensão seria dado pelo pagamento do reajuste, o que causaria um impacto no orçamento. Todavia, foi utilizado como um dos argumentos para a utilização da SLS o efeito multiplicador.

Em termos práticos, o pagamento para a Casa de Misericórdia de Pelotas não causaria um impacto tão expressivo ao erário, o que seria dado como custo total na análise. Entretanto, tendo em vista a existência de cerca de 300 entidades em situação similar pelo país, o custo marginal total — aqui levando em conta que cada clínica ou hospital prestador de serviço ao SUS é considerado uma unidade marginal —, caso todos protocolassem ações requerendo o mesmo ajuste, seria de uma monta de R$ 1 bilhão. E, nesse caso, sim, haveria dano à economia e à saúde públicas, já que implicaria diretamente no equilíbrio financeiro do SUS.

Eis, portanto, algumas breves impressões a propósito do modo como a Análise Econômica do Direito (AED) pode influir na prática comportamental da arquitetura de escolhas feitas pelos legitimados para deflagrar a suspensão de liminar e, sobretudo, nos impactos que uma determinada escolha acarreta sobre outra de natureza diversa.

 


[1] HOLMES, Stephen; SUNSTEIN. O custo dos direitos. Por que a liberdade depende dos impostos. São Paulo: Martins Fontes, 2019, p. 150.

[2] GAROUPA, Nuno; PORTO, Antônio Maristrello. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 520. 

[3] GAROUPA, Nuno; PORTO, Antônio Maristrello. Curso de Análise Econômica do Direito. São Paulo: Atlas, 2020, p. 545. 

[4] VENTURI, Elton. Suspensão de liminares e sentenças contrárias ao poder público. 3.ed.,rev., atual. e ampl. — São Paulo: Malheiros, 2017, FL. 151.

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