Opinião

Lei do Governo Digital, um novo paradigma na relação Estado-cidadão

Autor

  • Homonnai Júnior

    é advogado em Brasília atua em processos penais ações coletivas e nas áreas de Direito Empresarial e Tributário consultoria empresarial sindical e Direito Administrativo.

30 de maio de 2021, 9h11

Entra em vigor na segunda quinzena de junho deste ano, no âmbito federal, a Lei nº 14.129/2021, aquela que deve ficar conhecida como Lei do Governo Digital. Apesar de ter sido sancionada no final de março, a nova lei prevê o prazo de 90 dias para a vigência das novas regras no âmbito da União, a chamada vacatio legis.

Em sua essência, a nova norma almeja promover a completa digitalização dos serviços públicos brasileiros oferecidos à sociedade, ao mesmo tempo em que deve reduzir os custos para o poder público ao permitir a automatização de uma série de procedimentos. A lei promete ser mais um importante passo na direção das tão sonhadas eficiência e universalização do acesso aos serviços públicos, uma vez que as novas regras se aplicam à administração direta dos três poderes, incluindo Tribunais de Contas e Ministério Público, tanto na esfera federal quanto na estadual e na municipal.

Talvez o principal destaque da lei fique por conta da instituição de uma plataforma única, com acesso por meio de sítio eletrônico ou aplicativo de celular, na qual os cidadãos terão acesso às informações e serviços públicos de cada ente federativo. A identificação deverá ocorrer por meio do CPF, para pessoas físicas, e por CNPJ, para as pessoas jurídicas.

O propósito maior do governo digital é que a sociedade demande o poder público em todos os tipos de serviços, como emissão de certidões e atestados, além de possibilitar interação necessária na relação cidadão-Administração Pública. A validade legal dos documentos enviados e recebidos ocorrerá por meio de assinatura eletrônica. Além disso, será possível que o usuário, se assim desejar, seja comunicado, notificado e intimado por meio eletrônico.

De certa forma, governos dos mais variados entes da federação já vinham, mesmo que em níveis diferentes, investindo na digitalização. Em 2020, por exemplo, o governo federal já havia lançado sua estratégia de governo digital a ser executada entre os anos 2020-2022, com meta de digitalização de 100% de seus serviços públicos até o final do período, o que corresponde ao objetivo da nova lei. No entanto, a entrada em vigor da Lei do Governo Digital garante muito mais estabilidade para essa política pública, que, de fato, precisa ser de Estado, e não apenas de governo. Mais do que isso, passa a ser paradigma para a estrutura de serviços públicos que precisam ser oferecidos aos cidadãos brasileiros nos mais variados níveis da federação.

Governo digital no Brasil e no mundo
Estudo publicado pela Organização das Nações Unidas em 2020 coloca o Brasil como o 54º no ranking de governos digitais, entre 194 países, e o 20º em serviços públicos ofertados de maneira online, o que mostra que a Lei do Governo Digital não pega o Brasil partindo do zero.

A Lei nº 14.974/21 caminha no mesmo sentido das estratégias de governo digital adotadas pelos países mais desenvolvidos, trazendo muita semelhança inclusive com o plano estratégico da União Europeia. Assim como no Velho Continente, a lei brasileira busca estabelecer, no mundo virtual, instituições públicas abertas, eficientes e inclusivas, prestando serviços públicos de fácil utilização para todos os cidadãos e empresas. Também prevê proteção dos dados dos cidadãos, concessão de acesso à informação e a dados governamentais, além da utilização de mecanismos de identificação eletrônica como meio de assegurar a identidade do usuário.

Comparando com a União Europeia, a Lei do Governo Digital do Brasil tenta oferecer à sociedade aquilo que, em sua maioria, já fazia parte do plano 2016-2020 da Europa para acelerar a transformação digital da Administração Pública, sendo que a maioria das ações estavam previstas para ser executadas entre os anos de 2016 e 2017, mostrando que a preocupação do Brasil em atualizar suas estratégias de digitalização da administração pública, apesar de muito positiva, veio atrasada. Vivemos em um mundo moderno e digital. E o Estado precisa, cada vez mais, ser capaz de oferecer respostas ágeis, quase imediatas, para as demandas da sociedade.

Entretanto, para o sucesso do governo digital no Brasil, é necessário que o Estado encontre soluções que contornem as enormes desigualdades sociais e econômicas entre as diferentes regiões e municípios brasileiros. Segundo a  Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad Contínua TIC) 2018, divulgada em abril de 2020 pelo IBGE, 25% da população brasileira não tem acesso à internet. Isso indica que o desafio brasileiro é especialmente grande no que diz respeito à promoção do governo digital como instrumento de cidadania. Em números totais, isso representa aproximadamente 46 milhões de brasileiros sem acesso à rede mundial de computadores. Se levarmos em consideração as áreas rurais, o percentual é ainda maior, chegando a 53,5% da população, enquanto que nas áreas urbanas é de 20,6%.

No caso da Europa, apenas a título de comparação, essa realidade é bastante distinta. Praticamente 100% dos lares da União Europeia contam com internet de alta velocidade. Além de contarem com robusta infraestrutura, o nível educacional de seus cidadãos permite que se faça a transição do modelo de serviço público presencial para o digital de maneira bem mais tranquila.

Agravando a situação brasileira, essa mesma pesquisa do IBGE mostra que, aqui no Brasil, 41,6% das pessoas sem acesso à rede mundial de computadores não se conectam por nem saberem como fazer isso. Isso evidencia o tamanho do problema: o Brasil conta com um contingente enorme de "barrados no baile" digital, sinalizando que esse é um problema social e econômico que precisa ser combatido como condição indispensável para a efetividade do governo digital.

Além disso, a mesma pesquisa mostra que, para 11,8% das pessoas sem acesso à rede, o serviço é muito caro, escancarando  a realidade social e econômica dos brasileiros. Para piorar, quase 6% dos indivíduos sem acesso à internet afirmam serem caros os equipamentos de celular ou computador. Ou seja, sequer possuem meio de acesso, mesmo que soubessem como.

A Lei do Governo Digital, sem dúvidas, pode promover revolução na prestação de serviços públicos, criando um novo paradigma na relação Estado-cidadão. Contudo, essa transformação tecnológica dos serviços públicos precisa ser acompanhada de um amplo programa de educação digital e de políticas públicas que garantam acesso à internet para milhões de brasileiros excluídos.

A correta aplicação da lei poderá contribuir de maneira primordial para a formulação e para a execução de políticas públicas, assim como para a efetividade de um poder público eficiente, integrado, transparente e focado em quem deve concentrar suas energias: o cidadão.

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  • é advogado em Brasília, atua em processos penais, ações coletivas e nas áreas de Direito Empresarial e Tributário, consultoria empresarial, sindical e Direito Administrativo.

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