Opinião

A tutela provisória de urgência no CPC/15

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28 de maio de 2021, 9h12

1) Introdução
O presente estudo tem por intuito a realização de uma análise do instrumento das tutelas provisórias de urgência no ordenamento jurídico brasileiro frente a seus desdobramentos práticos e teóricos.

A tutela provisória de urgência é espécie do gênero das tutelas provisórias, que abrange tutela de evidência e tutela de urgência, sendo esta última o foco do presente artigo. Da tutela provisória de urgência, também veremos outras classificações: antecedente ou incidente, e cautelar ou antecipada (também chamada de satisfativa).

Sem mais delongas, adentremos no tema.

2) Tutela de urgência
2.1) Disposições gerais
A tutela jurisdicional do Estado visa a garantir a resolução de conflitos e prevenir a ameaça ou lesão à direito, como é previsto no artigo 5, inciso XXXV, da Constituição Federal/88: "A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

Ocorre que, por vezes, os processos judiciais ultrapassam a razoabilidade em seu tempo de duração, havendo risco de perecimento de direitos ou de a tutela do Estado não ser eficaz em situações de emergência. Por conseguinte, foi criada a figura jurídica da tutela de urgência que permite que sejam mitigados princípios do devido processo legal, como o do contraditório e o da ampla defesa, em prol de uma mais célere tutela do Estado em situações de urgência. Pontua Dalla (2020, p.559):

"Assim, a tutela jurisdicional urgente tem por escopo neutralizar o perigo de dano decorrente da demora no processo e assegurar a tão proclamada efetividade do provimento final, que se traduz na utilidade que a tutela final representa para o titular do direito".

A tutela de urgência possui dois requisitos principais: a probabilidade do bom Direito, também conhecida como fumus bonis iuris, e o perigo que uma eventual demora possa acarretar na qualidade do Direito, ou seja, a iminência de algum dano ou ato ilícito, que é também chamado de periculum in mora (artigo 300, Código de Processo Civil ou CPC/15). Para analisar a probabilidade do bom Direito, o magistrado deve considerar a plausibilidade das alegações e a solidez das provas trazidas pelo requerente e, com isso, mensurar as suas chances de êxito. Por outro lado, na análise do periculum in mora, é necessária a demonstração de um perigo de dano concreto, de difícil reparação, atual e grave não podendo o dano, deste modo, ser hipotético.

Outrossim, existem classificações doutrinárias quanto aos efeitos da tutela de urgência, pode-se afirmar que elas são divididas em inibitória, reintegratória ou ressarcitória. A primeira é aquela que visa a inibir o acontecimento de algum ato ilícito, enquanto a segunda é a que tem como objetivo impedir a continuidade desses atos. A terceira, por sua vez, pressupõe um dano já consumado, e geralmente requer alguma compensação em dinheiro ou um ressarcimento específico de forma a reestabelecer o estado das coisas ao status quo ante.

Ademais, a tutela de urgência também tem classificações quanto ao momento em que é solicitada, podendo ser de forma antecedente, isto é, no limiar do processo, ou incidente, a qualquer momento no curso processual. Por fim, destaca-se que a tutela de urgência pode ser vista como um gênero, no qual se desdobram duas espécies  cautelar e antecipada (também chamada de satisfativa), cabendo peculiaridades no procedimento de cada uma em razão da diferença da tutela pretendida.

2.2) Tutela de urgência antecipada
Espécie do gênero tutela de urgência, a tutela de urgência antecipada consiste na antecipação dos efeitos que só seriam alcançados em uma sentença final e que, em razão de urgência, é adiantada. Por outro lado, a doutrina fala que por possuir cunho satisfativo, a denominação urgência satisfativa também é utilizada.

Sequencialmente, a tutela de urgência antecipada possui requisitos próprios, e ela não será concedida caso os efeitos da decisão possam ser irreversíveis, conforme o artigo 300, §3º, do CPC/15. Isso ocorre porque seria uma contradição dar a uma tutela provisória efeitos que são irreversíveis, pois na realidade, uma tutela com essa característica é uma tutela definitiva. Essa é a regra, mas existe entendimento que a questão da irreversibilidade pode ser mitigada caso o dano seja demasiadamente grave para a parte requerente, havendo perigo de irreversibilidade de ambos os lados: caso a medida seja concedida e caso ela não seja.

Nesse tipo de caso, para Didier Jr. (2018), deve-se conceder a tutela requerida entregando ao requerendo o bem da vida pretendido, de forma a resguardar o direito fundamental à tutela jurisdicional. Nesses casos, pode o juiz, visando a dar maior segurança jurídica à parte obrigada pela tutela, exigir que o tutelado preste caução como requisito da concessão (artigo300, §1º, CPC/15), de forma a resguardar a indenização em pecúnia da parte obrigada, caso ela vença a parte requerente ao final do processo.

As tutelas de urgência possuem um regime procedimental comum quando se identifica um caráter incidental, mas têm uma divisão com procedimentos específicos quando observado o caráter antecedente, conforme regrado nos artigos 303 a 310 do CPC/15. Os procedimentos são divididos entre o de tutela de urgência antecipada em caráter antecedente e o de tutela de urgência cautelar em caráter antecedente. Eles possuem uma clara diferenciação procedimental, em razão da primeira tutela ter a possibilidade de estabilização, e a segunda, não. Além disso, um ponto importante a ser tratado inicialmente é que, apesar das diferenças procedimentais entre ambos os institutos, caso o juiz receba a tutela de forma diferente à requerida pelo autor, pode ocorrer a fungibilidade desses procedimentos, conforme o artigo 305, parágrafo único, do CPC/15, de forma a ressalvar o princípio da instrumentalidade das formas no processo.

2.3) Tutela de urgência antecipada em caráter antecedente
Segundo Didier Jr. (2018, página 602), é "aquela requerida dentro do processo em que se pretende pedir a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos, mas antes da formulação do pedido de tutela final".

Nesse cenário, é válido destacar algumas diferenciações ao que cada termo se refere, sendo certo que a tutela de urgência pode ser pleiteada em caráter antecedente ou incidente, como já comentado. A isso, é referido como é feito o pedido: em caráter incidente, é pedido no curso do processo, e em caráter antecedente, é pedido no início. Convém também diferenciar a tutela antecipada da tutela cautelar, que será disposta em seguida. Em suma, a tutela antecipada é a pretensão de assegurar ou satisfazer antecipadamente um direito material, enquanto a tutela cautelar é a pretensão de assegurar um direito processual, com o fim de efetivar o direito material pretendido com a sentença.

Tendo em conta essa explicação de forma mais objetiva, nota-se necessário o destacamento nos detalhes. Assim sendo, é possível observar que os artigos 303 e 304 do CPC/15 são essenciais para compreender o procedimento e as disposições especiais na hipótese de requerimento da tutela de urgência antecipada em caráter antecedente.

Para tanto, é necessário que a tutela, caso não impugnada de nenhuma forma pelo réu, estabiliza-se, na forma do artigo 304, caput e §1º do CPC/15. Isso significa que a decisão antecipatória continuará produzindo os seus efeitos enquanto não for ajuizada ação em contrário. Ela não deve ser confundida com a coisa julgada, pois não há pedido final nem sentença julgando o mérito, mas, sim, como conservação dos efeitos da tutela de forma contínua. Em certos casos, é vantajoso para o réu permanecer silente e não impugnar a tutela, visto que não pagará as custas processuais e pagará apenas 5% dos honorários, em interpretação analógica do artigo 701 do CPC/15. Quando isso ocorre, o processo é extinto, com a tutela conservando seus efeitos por conta da estabilidade. Existem certos requisitos para a ocorrência dessa hipótese, pois somente a tutela antecipada em caráter antecedente pode se estabilizar e é preciso que o autor não tenha manifestado a intenção de continuar com o processo na inicial. Por outro lado, pode ser que o autor não queria somente a estabilização, visto que a coisa julgada, com todos os seus efeitos, será mais vantajosa.

Quanto às formas de impugnação da decisão que não levariam a estabilização da decisão, existem diversas considerações a serem feitas. Segundo Didier (2018), a impugnação pode ser proposta de qualquer forma, seja por recurso ou simplesmente pela contestação, para que não ocorra a estabilização. Já para Dalla (2020), em razão da grande dissidência doutrinária, até que se tenha uma jurisprudência firme, é preferível que se interponha o recurso correspondente; o agravo de instrumento, contra decisão de primeira instância e o agravo interno, contra decisão de tribunal.

2.3.2) Ação de impugnação ou confirmação da decisão concessiva de tutela provisória satisfativa estabilizada
Na hipótese em que a decisão for estabilizada e o processo, extinto, qualquer uma das partes poderá, no prazo de dois anos, propor ação requerendo a sua revisão, seja para confirmar ou impugnar a tutela, na forma do artigo 304, §§2º e 5º, do CPC/15. O juízo que julga essa ação autônoma é o mesmo que julgou a tutela, visto que é prevento, conforme artigo 304, §4º, do CPC/15. A proposição dessa ação, por parte do autor, pode ter como objetivo o induzimento da matéria já estabilizada em coisa julgada, e pelo réu, pode ter como fim impugnar os efeitos da decisão estabilizada, também firmando coisa julgada.

2.4) A tutela de urgência cautelar em caráter antecedente
Segundo Didier Jr. (2018, página 613), a tutela de urgência cautelar em caráter antecedente é aquela "requerida dentro do mesmo processo em que se pretende, posteriormente, formular o pedido de tutela definitiva, cautelar e satisfativa". Em complemento, o artigo 301 do CPC/15 cita as medidas processuais passíveis de serem requeridas na sede da tutela de urgência cautelar, como rol exemplificativo.

De forma didática, e mais uma vez destrinchando o enunciado, a tutela de urgência é cautelar, visto que pretende um efeito processual de garantia de tutela não satisfativa, considerando que tutela pretendida não é a mesma do pedido principal do processo. Seu caráter antecedente é quanto ao momento do pedido, feito no limiar do processo.

Para ilustrar uma modalidade de tutela de urgência cautelar, pode-se citar um caso em que o autor pede a tutela cautelar de sequestro, medida que visa a guarda e conservação de determinada coisa, em razão do não cumprimento da obrigação de entregar. O devedor, oferecendo risco de não cumprir o avençado, utiliza meios de se desfazer da coisa. Com isso, preenchendo os requisitos da tutela, o magistrado deve proceder ao sequestro, tendo em conta a alta probabilidade de, ao fim do processo, o réu restar vencido, garantindo assim a efetividade do pedido principal do autor, que seria o direito à coisa.

Ressalta-se ainda que o procedimento da tutela de urgência cautelar é previsto nos artigos 305 a 310 do CPC/15, com a petição inicial devendo preencher os requisitos gerais desse código, presentes nos artigo 319, I, II, V e VI.

Preenchidos esses requisitos, o magistrado deve deferir a inicial. Caso contrário, deve agir pedindo para emendá-la ou indeferi-la, conforme a existência de vício sanável ou insanável. Desse modo, caso deferida a inicial, o juiz pode julgar liminarmente a demanda e ordenar o cumprimento da medida, ou não julgar liminarmente e mandar citar o réu para a contestação.

Dessa maneira, na hipótese em que apresentada a contestação, não ocorrerá a estabilização, pois esta é específica da tutela de urgência antecipada, devendo ser declarada a revelia do réu e a ocorrência dos seus efeitos legais. Por outro lado, no caso de concedida a tutela cautelar, deve o requerente promover as diligências necessárias à sua efetivação, no prazo de 30 dias, em contrário, sua eficácia cessará, conforme o artigo 309, II do CPC/15.

Ato contínuo, após efetivada a tutela, se inicia o prazo de 30 dias previsto no artigo 308, caput, do CPC/15, para a proposição do pedido principal. Cumpre ressaltar ainda que o pedido cautelar é autônomo ao principal, vez que visa somente a uma medida processual, com pedido e causa de pedir próprios. A efetivação do pedido principal pode ser exposta em detalhes somente após a concessão ou denegação da tutela cautelar, haja vista que o pedido principal possui pedido e causa de pedir próprios, não sendo vedado que ambos sejam cumulados na inicial, conforme artigo 308, §1º do CPC/15.

Por fim, em todas essas hipóteses, o processo segue o procedimento comum, com as disposições gerais do código sobre a audiência de mediação ou conciliação e os prazos para contestação. Por sua vez, ao fim do processo, no momento de prolação da sentença, se esta for de improcedência do pedido principal, cessam-se os efeitos da tutela cautelar concedida no início (artigo 309, III, CPC/15), enquanto na hipótese de procedência do pedido, apesar de silente, o código, diz Didier Jr. (2018) que após efetivado o direito do autor, também cessa a tutela, visto que ausentes os motivos de sua continuidade.

5) Conclusão
As tutelas de urgência às quais nos referimos no presente trabalho são institutos do Direito processual que permitem a efetivação de um Direito material. O tema abordado é vasto e de grande importância no ordenamento pátrio, sendo o presente artigo apenas uma tentativa de abordar alguns pontos na visão da doutrina processualista, sem pretensão de esgotamento do assunto.

 

Referências bibliográficas
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela / Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Rafael Alexandria de Oliveira – 10. ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015. v.2.

GRECO, Leonardo. A Tutela da Urgência e a Tutela da Evidência no Código de Processo Civil de 2014/2015 / Leonardo Greco – Rio de Janeiro: Revista Eletrônica de Direito Processual – REDP. Volume XIV, 2014.

JUNIOR, Humberto Teodoro, Novo Código de Processo Civil Anotado / Humberto Teodoro Junior – 20. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. Manual de direito processual civil contemporâneo / Humberto Dalla Bernardina de Pinho. – 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

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