Opinião

O trabalho intermitente e o medo do novo

Autor

  • Domingos Sávio Zainaghi

    é advogado mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha) presidente honorário do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo coordenador acadêmico da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD) membro da Academia Brasileira de Direito Desportivo (ANDD) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). 

26 de maio de 2021, 6h03

Introdução
A Lei n° 13.467, de 13 de julho de 2017, chamada de reforma trabalhista, trouxe muitas inovações, tanto de Direito material quanto de Direito Processual do Trabalho.

Uma dessas novidades foi a criação do contrato de trabalho intermitente. Este consiste, segundo o §3º do artigo 443 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), na prestação de serviços com subordinação que não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.

Neste ensaio procuraremos demonstrar como pode ser de grande utilidade para o enfrentamento do desemprego e do subemprego a celebração correta desse novel instituto que temos em nosso ordenamento jurídico trabalhista.

Pretendemos, ainda, após breve comentário dos artigos da CLT que tratam do contrato de trabalho intermitente, deixar claro quais são as relações de emprego que podem se valer desse contrato, distinguindo trabalho contínuo de descontínuo, traçando a diferença entre ambos.

Análise da lei
O caput do artigo 443, assim dita:

"Artigo 443  O contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente".

Falhou o legislador em colocar o trabalho intermitente no mesmo artigo que trata da forma e do prazo do contrato de trabalho, pois, quanto à forma, o contrato de trabalho intermitente pode ser somente expresso (escrito) e, quanto ao prazo, será sempre indeterminado.

Melhor teria sido que o legislador colocasse a previsão do trabalho intermitente em artigo específico, e não fazer a confusão técnica que fez.

Na doutrina já se discutia bem antes da reforma se o contrato de trabalho poderia ser suspenso durante certo tempo naquelas atividades sazonais, como em hotéis em regiões de férias (praia, campo e montanha). Ocorre que, antes da inovação legal, para se suspender o trabalho seria necessária a concordância do empregado.

Era muito comum em regiões de veraneio que trabalhadores fossem contratados sem formalização do contrato para desempenharem suas atividades durante o período do verão, sendo em seguidas dispensados, e muitas vezes tais trabalhadores buscavam a Justiça do Trabalho para verem reconhecido seu direito a anotação em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e os demais direitos trabalhistas. Na maior parte dos processos, chegava-se a um acordo e, no verão seguinte, o mesmo trabalhador era contratado da mesma forma, buscando ao final do período de verão a Justiça do Trabalho, celebrando acordo, e assim continuava esse círculo vicioso.

Portanto, nosso entendimento é o de que o contrato intermitente chega tardiamente em nosso ordenamento jurídico, pois será excelente instrumento de pacificação social.

Claro que tal contratação poderá ser exercida fraudulentamente, mas isso, caso ocorra, exigirá atitudes dos órgão governamentais, seja os administrativos ou os judiciais, para rechaçar e punir eventuais desvios na aplicação da lei.

Como visto acima, o legislador conceitua o trabalho intermitente no §3º do artigo 443, afirmando que é aquele que não tem continuidade, embora subordinado.

O legislador afasta a continuidade como fator de caracterização da existência de relação de emprego, como previsto no artigo 3º da CLT. Todavia, coube à doutrina flexibilizar o entendimento de continuidade ali previsto. Entendemos que trabalho contínuo pode ser aquele prestado de forma não eventual dentro do que for pactuado. Logo, não perde a continuidade um trabalho constante que se executa semanalmente, por exemplo, como ocorre com a atividade docente ou até mesmo médicos plantonistas.

Portanto, não entendemos a razão de tantos ataques a essa forma de contratação. Tais ataques, com todo o respeito, são movidos mais por convicções ideológicas do que jurídicas.

A não continuidade deve estar ligada à periodicidade do chamado, que deve ser mais longo do que uma semana, com o que entendemos não poder ser utilizada essa forma de trabalho para garçons que exercem sua atividade apenas nos finais de semana, pois aqui se trata de uma relação contínua de trabalho.

Analisemos os requisitos para a celebração dessa forma de contratação.

Contrato escrito, pois as condições de trabalho devem ser claras e objetivas, não dando margem a que o trabalhador alegue desconhecimento.

No contrato deve constar o valor da hora trabalhada, nunca inferior ao salário mínimo horário, com garantia do pagamento, se maior que este, do salário devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função do trabalhador contratado por contrato de trabalho intermitente.

Deverá o empregador convocar o empregado para que exerça suas funções com, pelo menos, antecedência de três dias corridos. Medida salutar, mas poderia ser um pouco maior esse prazo, pois o empregado poderá estar prestando serviços a outra empresa, como empregado ou não, e não poder aquiescer ao chamado.

Recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia para responder se aceita ou não, sendo que no silêncio presume-se que recusou. A lei não informa como seria esse chamado, limitando-se a afirmar "por qualquer meio de comunicação", ou seja, até mesmo um aviso de um colega de trabalho do empregado ou qualquer outra pessoa. Telegrama, e-mail e carta deverão ser os meios mais utilizados.

A lei ainda afirma que a recusa do empregado não descaracteriza a subordinação, elemento inerente ao contrato de trabalho. Com isso, se protege o trabalhador e, ao mesmo tempo, mantém-se que se trata de uma relação de emprego.

A lei também deixou claro que o período sem trabalho, ou seja, de suspensão, não será considerado tempo à disposição do empregador.

O §6º declara que o empregado deverá receber ao final do período da prestação de serviço remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, 13º salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. A medida é salutar, mas o empregado perde seus ganhos nos períodos próprios de férias e do 13º salário, isto é, não terá ganhos no final do ano e nem em seu período de descanso, e como se sabe, dinheiro na mão é vendaval, ninguém guarda, até porque não se está falando de fortuna, mas de singelos valores de salário.

O recibo de pagamento deverá trazer especificados os valores de cada verba paga ao empregado.

O empregador recolherá os valores de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) devidos, tendo de fornecer cópias ao empregado. Burocrática, mas salutar, determinação que protege o empregado e lhe dá tranquilidade por saber que essas obrigações estão sendo cumpridas.

Quanto às férias, o empregado não poderá ser convocado para trabalhar após um período de 12 meses de trabalho. Aqui temos o problema acima, ou seja, não terá dinheiro para gastar nas férias.

Conclusões
O contrato de trabalho intermitente, não obstante as severas críticas que recebeu da doutrina trabalhista, poderá ser de grande valia para minorar o terrível problema do desemprego e do subemprego no Brasil.

Como foi dito acima, o contrato de trabalho intermitente deverá ser utilizado somente para situações sazonais de trabalho, ou seja, aquelas em que se precisa do trabalhador para alguns dias e até alguns meses para a execução de um trabalho ou tarefas.

O trabalhador se beneficia por ter vínculo com uma empresa, o que o valoriza como ser humano, e sabe que poderá ser contratado em determinadas épocas do ano.

E não lhe causa prejuízo, pois não existe nenhum prejuízo ao trabalhador se este se recusar a aceitar voltar ao trabalho, caso tenha outra atividade no mesmo período.

Também é excelente instrumento de paz social, pois, como demonstrado, impede reclamações trabalhistas que somente causam mal-estar e inimizades, e quem perde é o trabalhador, que acaba por fechar portas.

Claro que deve ser o contrato de trabalho intermitente utilizado de forma correta, e não como meio de fraudar a legislação e prejudicar os trabalhadores.

Não entendemos como intermitente uma relação de trabalho que se renova semanalmente, como garçons de um determinado restaurante, um médico ou um professor que dite aulas semanalmente. Essas atividades são contínuas dentro do pactuado, e a utilização do contrato de trabalho intermitente nos parece claramente prática fraudulenta.

Relembramos que não se deve temer o novo, e, sim, admiti-lo em nossas vidas.

De antemão afirmar que o contrato de trabalho intermitente é fraudulento, como alguns fizeram, é partir do pressuposto de que a lei criou um instituto para fraudar os mais fracos de uma relação de emprego, os trabalhadores.

A utilização correta será salutar, e se ele for utilizado de forma equivocada, os órgãos de fiscalização existem para exigir o cumprimento da lei e punir os que não o fazem, e, ainda, sempre teremos as portas da Justiça do Trabalho abertas para que sejam corrigidos os desvios que algum empregador faça na utilização do contrato de trabalho intermitente.

Autores

  • Brave

    é advogado trabalhista, pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidade de Castilla (La Mancha, Espanha), mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP, pós-graduado em Comunicação Jornalística pela Faculdade Casper Líbero, presidente honorário da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de La Seguridad Social e do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo, professor Honoris Causa em Humanidades da Universidad Paulo Freire, da Nicarágua e professor universitário no Brasil e no exterior.

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