Opinião

Breves considerações acerca da Lei 14.151

Autor

  • Cíntia Possas

    é advogada na área trabalhista com ênfase em Direito Coletivo questões voltadas à terceirização de serviços e Administração Pública MBA em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho e Unig instrutora e professora em cursos voltados a capacitação profissional in company membro da Comissão de Direito do Trabalho da ABA-RJ.

26 de maio de 2021, 21h12

No último dia 12, foi sancionada a Lei 14.151, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, sem prejuízo de sua remuneração.

A empregada afastada ficará à disposição do empregador, caso compatível com a natureza de sua atividade laboral, para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância.

A lei é de aplicação obrigatória a todas as empregadas gestantes, incluindo as domésticas, garantindo-se atenção e tratamento diferenciados no que tange às medidas de prevenção e combate do coronavírus, tendo em vista fazerem parte do grupo de risco. Da mesma forma garantindo a manutenção de renda da gestante.

Embora a lei sob comento tenha dois artigos, sendo um deles somente para dispor sobre a data em que entrará em vigor, vem causando impacto nas relações de trabalho, questionamentos, dúvidas, insegurança jurídica e muita polêmica, podendo-se citar,, entre eles:

a) De quem será a responsabilidade pelo pagamento da remuneração no período de afastamento;

b) Aumento da discriminação para contratação de mulheres;

c) Possibilidade de adoção das disposições previstas nas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 de 2021.

Importante esclarecer que a presente exposição não tem a pretensão de esgotar o assunto, mormente considerando a existência de entendimentos divergentes sobre o tema.

Não se discutirá a importância e a necessidade da proteção a trabalhadora gestante, eis que inequívocas, mas, sim, a omissão do legislador em definir aspectos com relação a responsabilidade pelo pagamento da remuneração, quando a atividade laboral for incompatível com o teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho, bem como alternativas que poderão ser adotadas pelo empregador.

Responsabilidade pelo pagamento da remuneração no período de afastamento da empregada gestante
De acordo com o previsto no artigo 1º da Lei 14.151 de 2021, "a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração". Pela leitura do texto legal, constata-se omissão com relação a responsabilidade pelo pagamento da remuneração, ocasionando entendimentos divergentes sobre o assunto.

Considerando o disposto no artigo 4º, item 8, da Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que versa sobre amparo à maternidade, a responsabilidade não poderia ser do empregador, pois, "em hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega".

Aspecto crucial é que não há, na novel lei, previsão quanto a responsabilidade do Estado pelo pagamento da remuneração da empregada gestante no período de afastamento.

Nesse cenário, tomando por base o princípio da proteção ao trabalhador, o princípio da função social da empresa e o fato de que o risco do negócio compete ao empregador, a obrigação pelo pagamento da remuneração será do empregador, caso não sobrevenha lei posterior dispondo em contrário.

Aumento da discriminação para contratação de mulheres
O Fórum Econômico Mundial de 2020 apontou que a equidade de gênero no ambiente de trabalho ainda é uma realidade distante. Após a publicação da Lei 14.151, a discussão veio à tona, pois, conforme exposto em linhas pretéritas, ante a omissão legislativa com relação a responsabilidade do Estado pelo pagamento da remuneração, do período de afastamento das empregadas gestantes que não puderem executar suas atividades laborais por meio remoto, teletrabalho ou à distância, a responsabilidade será imputada ao empregador.

Diante disso, o tema ganhou relevo em torno da discriminação da contratação da mulher, uma vez que poderá refletir na perda de espaço desta no mercado de trabalho, sobremaneira das mulheres em idade fértil.

De um lado, a necessidade de proteção da mulher e do nascituro e de outro o empregador fragilizado financeiramente pelos impactos ocasionados por força da pandemia.

Possibilidade de adoção das disposições previstas nas MPs 1.045 e 1.046
Há determinados tipos de atividades que, por sua natureza, não permitirão a realização de trabalho remoto, teletrabalho ou à distância, e, nesse caso, por alternativas, sugere-se ao empregador a adoção das disposições previstas nas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046 de 2021.

As medidas provisórias supracitadas foram editadas com o escopo de dispor sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da Covid-19 e a preservação do emprego e da renda. Por força das mesmas os empregadores poderão adotar, entre outras medidas, a suspensão do contrato de trabalho e a concessão de férias, ainda que o período aquisitivo não tenha transcorrido.

Outras medidas são previstas na Medida Provisória 1.046 de 2021, tais como antecipação de feriados, banco de horas, mas as considerações ora expostas não objetivam tecer comentários acerca das mesmas.

Não obstante, cumpre evidenciar haver divergência de entendimento com relação à possibilidade de o empregador adotar as opções previstas nas Medidas Provisórias 1.045 e 1.046, sob o fundamento de que deve prevalecer a norma mais favorável à trabalhadora, aliada ao fundamento de que lei posterior afasta aplicação da lei anterior versando sobre a mesma matéria, e a Lei 14.151 não prevê a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho para as empregadas gestantes, cujas atividades laborais sejam incompatíveis com trabalho remoto, teletrabalho ou à distância.

Para as empregadas gestantes que possam realizar atividades à distância, por teletrabalho ou de forma remota, como por exemplo home office, não haverá a possibilidade de suspensão do contrato de trabalho ou redução de jornada com a consequente redução de salário, devendo ser adotada a norma mais benéfica e mantida a integralidade do pagamento da remuneração.

Por fim, cumpre ressaltar que a lei entrou em vigor na data de sua publicação, 13 de maio, não possuindo efeitos retroativos.

Posicionamento
De forma conclusiva, ressalta-se que as considerações expostas foram realizadas sob aspectos gerais e sem ter a pretensão de esgotar o assunto.

Levando em consideração o princípio da proteção ao trabalhador, o princípio da função social da empresa e o fato de que o risco do negócio compete ao empregador, me filio ao posicionamento, até que lei posterior sobrevenha, de que a responsabilidade pelo custeio da remuneração pelo período de afastamento das empregadas gestantes, cujas atividades laborais sejam incompatíveis com o trabalho remoto, teletrabalho ou trabalho à distância, será do empregador.

E, na hipótese de o empregador, após analisados os riscos de passivo trabalhista, optar pela adoção da suspensão do contrato de trabalho, deve restar assegurada a remuneração, ou seja, o empregador deve complementar o valor recebido pela empregada gestante a título de benefício emergencial, visando a garantir a integralidade de sua remuneração, incluindo os depósitos de Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Outrossim, importante salientar que a suspensão estará limitada a 120 dias e deve ocorrer por acordo entre as partes, salvo disposições que exijam previsão em acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Salvo melhor juízo, esse é o meu posicionamento, ressaltando que o empregador deverá analisar os riscos e questões especificas envolvendo sua dinâmica empresarial, de forma a tomar a decisão que melhor atenda aos seus anseios e necessidades.

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    é advogada na área trabalhista, com ênfase em Direito Coletivo, questões voltadas à terceirização de serviços e Administração Pública, MBA em Direito do Trabalho pela Fundação Getúlio Vargas, especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Gama Filho e Unig, instrutora e professora em cursos voltados a capacitação profissional in company, membro da Comissão de Direito do Trabalho da ABA-RJ.

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