Paradoxo da Corte

Honorários advocatícios no âmbito das ações coletivas

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

25 de maio de 2021, 8h02

Formado o título judicial, como resultado da sentença de procedência do pedido condenatório, nas ações coletivas que tutelam os interesses individuais homogêneos, surgem duas opções ao réu que perdeu a demanda. Ele pode perfeitamente cumprir, de forma voluntária, a obrigação que lhe foi imposta pela decisão ou, então, deixar de proceder ao respectivo adimplemento.

O artigo 523 do Código de Processo Civil regulamenta essas duas situações, tanto para as ações individuais quanto para as coletivas, exonerando o devedor, que cumpre a determinação judicial no prazo de 15 dias, do pagamento de multa e honorários advocatícios.

Todavia, mesmo que o devedor deposite valor devido para segurança do juízo, visando a discutir o quantum debeatur delineado na memória de cálculo apresentada pelo exequente, ou mesmo deduzir outro fundamento na impugnação, não se desvencilha ele dos encargos legais (multa e honorários), caso seja rejeitada a sua defesa.

Com efeito, nesse sentido, à guisa de exemplo, confira-se o seguinte precedente da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, proferido no julgamento do agravo interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.427.717/DF, da relatoria do ministro Raul Araújo (que, embora referindo-se ao CPC/73, o regime legal é idêntico ao previsto no vigente CPC): "O pagamento, constante do artigo 475-J do CPC/73 [atual artigo 523], deve ser interpretado de forma restritiva, considerando-se somente naquelas situações em que o devedor deposita a quantia devida em juízo, sem condicionar o levantamento à discussão do débito em sede de impugnação. Se o depósito ocorreu a título de garantia do juízo, não há falar em isenção do devedor ao pagamento da multa prevista no referido dispositivo legal".

Importa esclarecer que, após o aperfeiçoamento do título judicial condenatório, na órbita das ações coletivas, além de o advogado do demandante buscar o pagamento de seus honorários sucumbenciais relativos à fase de conhecimento, cada um dos beneficiados pode agir individualmente requerendo a liquidação da sentença quando for esta considerada ilíquida.

Aduza-se que essa orientação restou fixada no julgamento em regime repetitivo (Tema 482) pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, do Recurso Especial nº 1.247.150/PR, da relatoria do ministro Luis Felipe Salomão, ao assentar que: "A sentença genérica prolatada no âmbito da ação civil coletiva, por  si,  não  confere  ao vencido o atributo de devedor de 'quantia certa  ou  já  fixada em liquidação' (artigo 475-J do CPC [artigo 523 CPC/2015]), porquanto, 'em  caso  de  procedência  do  pedido, a condenação será genérica', apenas 'fixando  a  responsabilidade  do  réu pelos danos causados' (artigo  95 do CDC).  A condenação, pois, não se reveste de liquidez necessária ao cumprimento espontâneo do comando sentencial, não sendo aplicável a reprimenda prevista no artigo 475-J do CPC".

No entanto, se a sentença proferida em ação coletiva já delineia os critérios de cálculo do valor de forma satisfatória na fase de conhecimento, não se afigura necessário instaurar qualquer incidente de liquidação para, só depois, o credor requerer o respectivo cumprimento de sentença.

Nessa direção, recente precedente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.777.929/RO, com voto condutor da lavra da ministra Nancy Andrighi, autorizou o cumprimento da sentença, num dos conhecidos episódios de expurgos inflacionários do Plano Verão (1989), cuja tutela foi pleiteada por meio de ação civil pública.

Assim, deve-se distinguir a situação, antes mencionada, referente ao Tema 482, em que há indeterminação dos beneficiados e do valor devido na sentença de procedência proferida na ação civil coletiva, com a hipótese na qual não há necessidade de produção de prova para se identificar o beneficiado e a apuração do valor depender apenas de cálculo aritmético. Nessas circunstâncias, o beneficiado está autorizado a requerer diretamente o cumprimento de sentença, porquanto de todo despicienda a liquidação.

Extrai-se da fundamentação do acórdão que a relatora, ministra Nancy Andrighi, asseverou que a condenação imposta na sentença da ação coletiva de consumo já continha todos os elementos para a definição de cada beneficiário e do valor devido no momento da quantificação do dano, independentemente da realização de nova fase de conhecimento. No caso de expurgos inflacionários, a identificação do beneficiado pode ser efetivada a partir da análise de indícios mínimos da contratação, de conformidade com o julgamento, sob o regime dos recursos repetitivos, pela 2ª Seção, do Recurso Especial nº 1.133.872/PB, do Tema 411.

Dúvida não há de que o cálculo do quantum debeatur deve incluir os honorários advocatícios, para a fase de cumprimento da sentença, nos termos do artigo 523, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil. Não deve incluir, à evidência, os honorários de sucumbência fixados na sentença, que são de titularidade do advogado que conduziu o processo na precedente fase de conhecimento.

Nessa linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal ratificou anterior entendimento pretoriano quanto à impossibilidade de fracionamento da execução de honorários advocatícios fixados em ação coletiva contra a Fazenda Pública.

Observo que essa questão foi enfrentada no Recurso Extraordinário nº 1.309.081/MA, com repercussão geral reconhecida (Tema 1.142), em julgamento pelo plenário virtual.

Infere-se do acórdão que nas ações coletivas contra a Fazenda Pública o crédito referente aos honorários de sucumbência desponta único e, por esta razão, deve ser considerado em sua integralidade, sendo vedada a execução individual.

No caso concreto, o objetivo do recorrente, consoante os termos do voto condutor, era o de obter o desmembramento dos honorários oriundos da fase de conhecimento de ação coletiva em inúmeros pagamentos individuais. Contudo, prevaleceu o entendimento, já firmado pelo Supremo, no sentido de que, nas causas em que a Fazenda Pública é condenada ao pagamento da verba honorária de forma global, é vedado o fracionamento do crédito, atinente ao valor total dos honorários advocatícios devidos, sob pena de violação do artigo 100, parágrafo 8º, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação: "É vedada a expedição de precatórios complementares ou suplementares de valor pago, bem como o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução…".

Como afirmou o ministro Luiz Fux, relator do aludido recurso, o acórdão recorrido encontra-se afinado com a orientação da jurisprudência do STF. Improvido o recurso, restou fixada a seguinte tese: "Os honorários advocatícios constituem crédito único e indivisível, de modo que o fracionamento da execução de honorários advocatícios sucumbenciais fixados em ação coletiva contra a Fazenda Pública, proporcionalmente às execuções individuais de cada beneficiário, viola o § 8º do artigo 100 da Constituição Federal".

Resulta induvidoso, por outro lado, que, na hipótese de cumprimento de sentença proferida em ação coletiva, promovido contra a Fazenda Pública, cada credor individualmente poderá exigir, a teor do já citado artigo 523, §1º, c.c. o artigo 534 do Código de Processo Civil, o valor que lhe cabe, acrescido de honorários advocatícios, caso a executada apresente impugnação (cf. artigo 1º-D da Lei 9.494/1997).

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