Desigualdade Material

Juíza do Trabalho reverte justa causa a partir de "perspectiva de gênero"

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25 de maio de 2021, 20h16

De acordo com ordenamento brasileiro e com convenções internacionais ratificadas pelo país, o julgador deve adotar uma postura ativa de reconhecimento das desigualdades a que as mulheres estão sujeitas no ambiente de trabalho, inclusive no que diz respeito a salvaguarda da função de reprodução. Com esse entendimento, a Vara do Trabalho de Marechal Cândido Rondon (PR) converteu a dispensa de trabalhadora por justa causa para dispensa imotivada.

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A reclamante tivera seu contrato de trabalho rescindido por justa causa, sob o fundamento de abandono, pois não teria retornado ao trabalho após sua licença maternidade. Em seu depoimento, a ex-funcionária afirmou que a empresa contratante a avisou que seria transferida para outro posto de trabalho, localizado em outra cidade. Isso demandaria que a mulher saísse mais cedo de casa e voltasse mais tarde, de modo que permaneceria longe do filho recém-nascido além do tempo adequado para a amamentação.

De qualquer forma, a funcionária informou que voltaria a trabalhar e que aguardava mais informações de sua superior sobre o início do trabalho. Porém, conforme alegado, não recebeu nenhuma comunicação ou notificação da empresa quanto ao dia de retorno e o novo posto de serviço.

A juíza da ação, Vanessa Karam de Chueiri Sanches, pontuou que, para se configurar justa causa, é necessário elemento subjetivo, ou seja, existir intenção do empregado em romper o vínculo empregatício. A magistrada entendeu que não foi provada a intenção da autora de abandonar o emprego, mesmo diante de todas as dificuldades que o novo posto geraria.

Diante de tal cenário, já seria possível afastar a justa causa, mas para a juíza é imprescindível que o caso seja analisado também "a partir das lentes da perspectiva de gênero", com o objetivo de "combater as discriminações que a autora sofreu e evitar a perpetuação dos estereótipos de gêneros".

Segundo a juíza, a questão em jogo no caso são as dificuldades que as mulheres encontram durante a gestação e no pós parto, nas mais diversas atividades profissionais; e como a liberdade de escolher ser mãe e continuar trabalhando é prejudicada por ambientes de trabalho que não acolhem as mulheres.

Para a julgadora, tanto a rescisão contratual aplicada à demandante como a exigência de que ela trabalhasse 40 km de distância do seu posto de serviço original, após o retorno da licença maternidade e no seu período de lactação, são condutas discriminatórias ao trabalho da mulher, pois valoram de forma negativa uma condição que lhe é específica e exigem que a trabalhadora gestante/lactante se adapte ao trabalho segundo lógicas de um modelo masculino.

Assim, entendeu que o caso caracteriza forma de discriminação, pois a empresa agiu de forma a inviabilizar a manutenção do trabalho da ex-funcionária, especificamente em momento de grande vulnerabilidade para a mulher. A magistrada concluiu, então, que a reversão da justa causa para dispensa imotivada, com o pagamento de verbas rescisórias pela contratante, são medidas necessárias, inclusive para evitar que outras trabalhadoras nas mesmas condições sejam submetidas a esse tipo de conduta.

0000354-86.2020.5.09.0668
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