Opinião

Corrupção, compliance e arbitragem

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23 de maio de 2021, 13h19

A operação "lava jato" trouxe uma evolução quanto a padrões éticos e quanto a celebração de negócios. Ações de enforcement, bem como a implementação de programas de compliance, fazem parte desse novo cenário. E, nesse contexto, em muitas das vezes disputas arbitrais em busca de soluções são iniciadas, motivadas por fatos revelados por investigações internas ou por autoridades públicas levaram as partes a disputas arbitrais em busca de soluções.

No Brasil, a legislação limita as matérias que podem ser submetidas à arbitragem, reservada apenas às situações que envolvam direitos patrimoniais disponíveis. Contudo, quando se fala em atos de corrupção, uma complicação pode ser avistada, pois, ao envolver a suposta corrupção de agentes públicos, o assunto em debate deixaria de ser uma questão privada para atrair o interesse público, afastando, em uma primeira análise, a atuação do árbitro.

Corrupção é um conceito que pode ganhar várias feições. Assim, somente o exame de situações caso a caso poderá definir se a conduta ilícita imputada como "ato de corrupção" por uma parte a outra, corresponde a uma infração contratual ou, eventualmente, a algo mais grave.

Fato é que a alegação de corrupção é muito séria e não pode ser sustentada de forma leviana tão somente porque há em jogo o pagamento de altas comissões a agentes, porque existem suspeitas de corrupção, ou ainda porque a alegação pode criar algum tipo de percepção diferenciada dos árbitros relativamente à parte adversa ou ao caso.

Por esse motivo, é importante que aquele que afirma a ocorrência de atos de corrupção consiga demonstrar a existência de prova pré-constituída de que buscou conhecer, mitigar, e, quando cabível, apurar suficientemente os fatos nos limites de sua capacidade.

A alegação de corrupção não pode ser posicionada como uma espécie de válvula de escape para tentar inverter uma situação desfavorável no processo arbitral ou, ainda, como uma justificativa geral para o inadimplemento de obrigações.

É necessário que se dê ao árbitro elementos reais para analisar os efeitos da alegação de corrupção sobre a relação contratual e, inclusive, em casos extremos, levar em conta possível "cegueira deliberada" da parte que apresenta fatos ilícios.

E, nesse ponto, chega-se à discussão sobre ônus da prova e a alegação de corrupção. Em regra, o ônus probatório incumbe à parte que alegar o fato constitutivo, extintivo ou modificativo do direito invocado. Todavia, em casos nos quais há a arguição por uma parte de prática de corrupção, a aplicação dessa regra pode ser bastante complexa.

A posição da inversão do ônus da prova, contudo, não é a que tem prevalecido atualmente em arbitragens internacionais. Tem-se entendido que é incumbência da parte que afirma a prática de corrupção a de apresentar elementos que corroborem suas afirmações. Em suma, adotar como regra que a alegação de corrupção possa permitir a inversão do ônus da prova é instituir desproporcional ônus entre as partes.

A alegação de corrupção em sede de arbitragem leva a uma consideração adicional: a obrigação do árbitro que toma conhecimento de fatos e provas que podem configurar a prática de crime determinar a extração de peças ao Ministério Público para investigação é objeto de bastante controvérsia internacional.

Isso porque a busca pelo procedimento arbitral se justifica também pelo interesse das partes em revelar fatos e documentos de forma totalmente sigilosa, enquanto eventual obrigação e comunicação levaria para fora dos limites da arbitragem segredos guardados.

No Brasil, o artigo 17 da Lei de Arbitragem (Lei nº 9.307/96) equipara os árbitros aos funcionários públicos para fins penais. Seguindo esse raciocínio, aos árbitros deveria ser atribuído o dever de que trata o artigo 40 do Código de Processo Penal sobre comunicar ao Ministério Público, enviando-lhe as cópias e documentos, sempre que constatarem a existência de crime de ação penal pública, sob pena de responder pelo delito de prevaricação (artigo 319 do Código Penal).

De forma a concluir essa breve exposição, a arbitragem já se provou no Brasil como meio eficaz e seguro de solução de disputas. Alegações de corrupção atraem questões de ordem pública e, no passado, foram consideradas não arbitráveis.

Com a evolução dos precedentes, as alegações dessa natureza passaram a ser conhecidas, quer para solução do objeto em litígio (nulidade do contrato ou ilícito na sua execução), quer para a definição da validade do compromisso arbitral (arbitragens contra a Administração Pública).

Passado esse debate, novas questões ligadas ao tema surgem ao foco, como a definição de ato de corrupção, o modo que se dá a alegação desse ato, a ausência de consenso sobre como o ônus da prova deve ser atribuído entre as partes, bem como a possibilidade de quebra da confidencialidade da arbitragem em atos de corrupção, visto a interpretação e aplicação do artigo 40 do Código de Processo Penal.

Recentemente publiquei, ao lado da minha sócia Helena Hajjad Abdo, capítulo abordando essas questões no livro "Advocacia Contemporânea e a Interdisciplinaridade do Direito Penal Empresarial". No livro são levantadas a relação entre Direito Penal e diversas temáticas empresariais com a preocupação de demonstrar as dificuldades encontradas pelas empresas, frente à adequação às novas legislações de integridade, ética e programas de compliance, bem como no que se refere aos recentes processos de intervenção penal, como crimes digitais.

O livro conta a participação do professor Reale Júnior, autor do prefácio. Para além, o livro é composto de membros de escritórios full service que fazem parte do Comitê de Direito Penal de Escritórios Full Service (Cope). A união de 19 escritórios na elaboração da presente obra trouxe de forma sistematizada novos conceitos, temáticas e a perspectiva atual do Direito Penal Empresarial.

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