Opinião

A aplicação da tecnologia de NFT e a proteção dos direitos autorais

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22 de maio de 2021, 11h13

Nos últimos dias, tornou-se conhecida a "venda do meme da menina em frente ao incêndio" por US$ 500 mil. A partir disso, tornou-se mais comum ouvir as pessoas discutindo um dos usos de blockchain: o Non-Fungible Token (NFT).

No entanto, esse não é o primeiro caso em que o NFT é usado para definir a originalidade e exclusividade de bens digitais popularmente produzidos. Em 19 de fevereiro deste ano, o gif animado de Nyan Cat, um meme de um gato voador criado em 2011, foi negociado por US$ 500 mil. Algumas semanas depois, o fundador do Twitter, Jack Dorsey, negociou o NFT do primeiro tuíte publicado, tendo recebido por ele ofertas que chegaram a US$ 2,5 milhões. Além desses casos, também ficaram conhecidos a venda de "Everydays: The first 5000 days", obra do artista Mike Winkelmann, por US$ 69 milhões, e o leilão de itens da banda King of Leon que arrecadou US$ 2 milhões.

NFT é um token digital único, criptografado com a assinatura de um artista que demonstra a autoria e a anexa permanentemente a um bem digital qualquer, seja ele, uma imagem, um vídeo, uma música, uma mensagem ou uma postagem em rede social. Desse modo, ele permite que esses bens digitais sejam negociados como se fossem obras de arte físicas e que o artista mantenha os direitos autorais sobre eles e receba um percentual sobre as futuras negociações que a tenham como objeto.

A não fungibilidade do bem, marcada na sigla pela qual essa tecnologia ficou conhecida (NFT), é a chave para compreender a sua aplicação. Nos termos do artigo 85, do CC: "São fungíveis os móveis que podem substituir-se por outros da mesma espécie, qualidade e quantidade". O dinheiro, por exemplo, é um bem fungível porque uma nota de R$ 10 pode ser trocada por outra nota de R$ 10 ou por duas notas de R$ 5 ou ainda por cinco notas de R$ 2, sem que haja perda de valor para as partes envolvidas nessa operação.

Por outro lado, são infungíveis aqueles bens que não podem ser substituídos por outros de mesma espécie, qualidade e quantidade. O bem digital anteriormente mencionado, tais como as obras de arte, é infungível. Ele não pode ser trocado por outro sem que aquele que o entrega obtenha um resultado distinto daquele que tinha em sua posição anterior, uma vez que a obra por ele recebida jamais será igual àquela que foi por ele entregue.

A tecnologia de NFT baseia-se em blockchain que, dada sua natureza descentralizada, as informações armazenadas na cadeia são seguras e invioláveis, o que estimula o surgimento e o fortalecimento desse mercado.

O funcionamento do blockchain pode ser explicado a partir de cinco princípios: 1) todos os dados são acessíveis pelas partes contratantes, havendo simetria de informação; 2) a comunicação ocorre, de fato, peer-to-peer, ou seja, entre as pessoas que pretendem disponibilizar seus bens ou prestar serviços e aquelas outras que demandam os bens ou serviços; 3) apesar de todas as transações serem acessíveis para as partes contratantes, elas são identificadas por um endereço alfanumérico que os torna anônimos, preservando seus dados pessoais; 4) os registros das transações são irreversíveis e não podem ser alterados; e 5) por se submeterem à lógica computacional, não se pode afirmar a impossibilidade de configuração dos algoritmos para gerarem transações automáticas.

Desse modo, o blockchain configura-se como tecnologia que se utiliza da criptografia para permitir a comunicação e interação anônima entre indivíduos, com base em uma estrutura descentralizada, imutável e absolutamente transparente. Por meio dele, os usuários deixam de ser a origem da oferta e se tornam intermediários que administram e controlam coletivamente o mercado.

Ao submeter o bem digital ao NFT, ele se transforma num bem único, cuja autenticidade é certificada por esse tipo de assinatura digital em blockchain. Desse modo, por mais que inúmeras pessoas compartilhem o mesmo meme, ao ter o criador o vinculado ao NFT, ele passa a deter o meme "original", ou seja, o atestado digital, verificado por blockchain, que transforma o bem digital no original e destacando-o das cópias comuns dele feitas.

A geração de valor para esses bens pelo NFT decorre do fato de que ele torna o bem digital um item único, gerando escassez em torno dele. Assim, ele permite que o mercado se abra para colecionadores e investidores que se interessem por bens e ativos digitais.

Como dito anteriormente, o criador poderá reservar os direitos autorais do bem digital, como o fez a menina do meme do incêndio. E, de acordo com a legislação brasileira, isso seria possível?

A Lei 9.610/1998 foi editada para a proteção dos direitos autorais, denominação sob a qual devem ser incluídos os direitos de autor e os que lhes são conexos. O artigo 7º da citada lei define os bens aos quais essa proteção deve ser conferida como: "(…) Obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro".

Além disso, relaciona exemplificativamente obras intelectuais protegidas legalmente. Os memes difundidos pela internet poderiam se enquadrar como "obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas", "obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia", como no caso do meme da menina em frente ao incêndio, ou ainda "obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética".

De forma geral, os direitos autorais dividem-se em direitos morais e patrimoniais, nos termos do artigo 22 da Lei 9.610/1998. Os direitos morais, previstos no artigo 24, asseguram a autoria da criação ao autor e o poder sobre a integridade da obra e, por essa razão, são inalienáveis e irrenunciáveis, conforme determina o artigo 27. Por outro lado, os direitos patrimoniais são aqueles relativos à utilização econômica da obra, podendo o autor usar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica, por força do artigo 28. A transferência dos direitos patrimoniais de autor pode ser feita total ou parcialmente, como prescreve o artigo 49, da Lei 9.610/1998. Caso não seja feita sob a forma escrita, terá prazo máximo de cinco anos.

A submissão do meme ao NFT no Brasil não modifica o direito autoral sob a perspectiva jurídica. Os direitos patrimoniais e morais da obra continuam sendo resguardados nos termos da Lei 9.610/1998 ao autor, pessoa física ou jurídica prevista em lei, criadora de obras literária, artística ou científica, anteriormente mencionadas, conforme determina o artigo 11 da citada lei.

Por mais que a internet seja um terreno fértil para a violação de direitos autorais, o uso de NFT poderá ajudar a resguardá-los, considerando que essa tecnologia auxiliará na identificação e proteção do criador de bens digitais, em que, dada a repercussão e relevância econômica que ganharam recentemente, devem ser incluídos os memes.

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