Big data brother

Portaria da Receita Federal levanta dúvidas sobre uso de dados por órgãos públicos

Autor

20 de maio de 2021, 11h22

Uma portaria publicada pela Secretaria da Receita Federal, que dispõe sobre o compartilhamento de dados não protegidos por sigilo fiscal com órgãos e entidades da Administração Pública Federal, está sendo examinada por operadores do Direito pelo alcance e extensão de seus efeitos.

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Portaria da SRF levanta dúvidas sobre uso de dados Marcelo Camargo/Agência Brasil

A portaria 34, de 14 de maio de 2021, publicada no Diário Oficial da União, permite um amplo compartilhamento de dados de bases como Cadastro de Pessoas Físicas (CPF);  Cadastro de Atividade Econômica da Pessoa Física (CAEPF); Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); Cadastro do Simples Nacional, entre outros.

Consultada pela ConJur, a Secretaria da Receita Federal limitou-se a dizer que o ato consolida os atos numa só portaria e "otimiza o fluxo de disponibilização de dados não protegidos por sigilo fiscal, tornando mais céleres as analises e decisões referentes às solicitações de disponibilização de dados das bases do CPF e do CNPJ".

Este, no entanto, não é o entendimento do advogado Marcelo Cárgano, especialista em Direito Digital do escritório Abe Giovanini Advogados.  Segundo ele, essa portaria merece atenção, pois o compartilhamento permitido é extenso. Cárgano chama a atenção para o fato de essa portaria ter como base o decreto 10.046, de 9  de outubro de 2019 (Cadastro Base do Cidadão).

Esse decreto, aponta o advogado, está sendo questionado no Supremo Tribunal Federal pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e, numa outra ação, pelo PSB. Ambos questionam se a norma viola os princípios da Constituição, o direito constitucional à privacidade e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). A OAB ainda argumenta que "o decreto criou um poderoso instrumento estatal para elaboração de dossiês de espionagem contra opositores políticos e atividades de vigilância totalitária".

A advogada Luiza Sato, sócia de ASBZ Advogados especialista nas áreas de proteção de dados, direito digital e propriedade intelectual, chama a atenção para o fato de que a LGPD deve ser observada tanto pelo setor privado como pelo setor público e, assim sendo, é aplicável ao tratamento de dados pessoais previsto sob a Portaria 34. Isso inclui o compartilhamento pela Receita Federal e uso por outras entidades do Poder Público de dados de Cadastro de Pessoas Físicas e demais informações que possam identificar pessoas físicas.

A LGPD não se aplica, contudo, quando o tratamento dos dados ocorrer para fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional, segurança do Estado, ou atividades de investigação e repressão de infrações penais. Luiza Sato observa que a nova portaria pareceu preocupar-se com a LGPD ao dispor que "a utilização dos dados fornecidos pela RFB em desconformidade com a legislação pertinente implicará o imediato cancelamento do compartilhamento, sem prejuízo de apuração da responsabilidade na forma prevista em lei específica".

No entanto, lembra que o próprio compartilhamento de dados pessoais pela RFB também estará sujeito à LGPD, havendo obrigações adicionais envolvendo a proteção de dados àquelas previstas pela portaria.

"Interessante notar que a RFB parece requerer dos interessados mais dados pessoais do que deveria. Por exemplo, são requeridos nome, número da identidade, número de CPF e e-mail do dirigente máximo do órgão solicitante das bases de dados, o que parece excessivo para a finalidade em questão", conclui a advogada.

Clique aqui para ler a portaria da Receita

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!