Opinião

A advocacia, enfim, é de todos

Autor

  • Kelly B. Pinheiro

    é advogada especialista em Direitos Civil Empresarial do Consumidor e de Família e Sucessões e sócia-diretora do escritório Eckermann | Yaegashi | Santos–Sociedade de Advogados.

20 de maio de 2021, 6h05

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) mantém e divulga um quadro que apresenta números totais e por estado da quantidade de profissionais. O último, lançado no fim de abril, apontou que as mulheres ultrapassaram os homens pela primeira vez na história da advocacia brasileira. Somos 610.369 e eles, 610.207. Esse marco é histórico e foi alcançado poucos meses após a aprovação de uma proposta de paridade de gêneros nas eleições da OAB, de autoria de uma advogada e conselheira da seccional de Goiás.

Para entender o motivo de tamanha importância, é preciso contextualizar o papel da mulher no mercado de trabalho e voltar ao passado na história das advogadas no Brasil.

Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do governo federal, do início da pandemia da Covid-19, mostram que 65,6% das demissões foram de mulheres e, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD)/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de sete milhões deixaram seus postos de trabalho, dois milhões a mais do que os homens no mesmo período. É importante reforçar que as mulheres são arrimo de família em 43% dos lares brasileiros, número que começou a crescer na década de 90.

Fato é que questões relacionadas a maternidade, vida pessoal e conjugal, perfil comportamental e, às vezes, até estética são colocadas como obstáculos e justificativas para explicar a não evolução das mulheres em algumas companhias, postos de trabalho e carreiras.

Felizmente, o universo jurídico, em constante ascensão, tem sido uma das principais escolhas das mulheres para iniciar ou transformar a vida profissional. Tendo em vista o marco histórico registrado pela OAB citado no início deste artigo, a advocacia é uma das áreas de maior igualdade e oportunidades. Entretanto, nem sempre foi assim.

Há mais de 120 anos, Myrthes Gomes de Campos se transformava na primeira advogada do país. Após concluir a faculdade, em 1898, esperou até 1906 para integrar o quadro do Instituto dos Advogados do Brasil  antecessor da OAB , que, até então, era composto apenas por homens. A resistência diminuiu quando Myrthes assumiu e surpreendeu a todos já na primeira causa judicial.

Meio século após a estreia de Myrthes, tomou posse a primeira juíza mulher do Brasil, Thereza Grisólia Tang. Precisamos de mais quase 50 anos para que o Supremo Tribunal Federal admitisse também o primeiro nome feminino: Ellen Gracie, em 2000, causando espanto ao revelar tamanho despreparo físico do órgão, pois o prédio não tinha banheiro para mulheres.

Outros anos, mudanças e evoluções passaram e, em 2016, a OAB voltou os olhares para as mulheres e definiu que seria um ano de esforços e diversas ações práticas para garantir a nossa efetiva participação, tanto na Ordem quanto no meio. Então, implantou o provimento criado no ano anterior (nº 165/2015): o Plano Nacional de Valorização da Mulher Advogada, cujo principais objetivos eram:

Lutar contra todas as formas de assédio;

 Fomentar a advogada como sócia, associada e contratada;

 Criar propostas que apoiassem a mulher no exercício do Direito;

 Executar condições diferenciadas nos serviços da Caixa de Assistência dos Advogados;

 Articular diálogos com instituições; e 

 Humanizar as estruturas judiciárias.

Hoje, mesmo com tantos avanços nos mais diversos cantos do mundo, ainda observamos atos machistas, misóginos e sexistas. Certa vez, estava com um colega advogado em reunião com um cliente e, mesmo eu sendo a advogada responsável pelo caso, e, portanto, tendo mais propriedade para sanar as dúvidas, ele só se reportava ao meu colega. Quantas mulheres têm uma história semelhante a essa para contar?

Embora triste e lamentável, situações como essa são e precisam ser o gás para "arregaçar as mangas", batalhar e comemorar cada vitória, pois a luta é diária e a contribuição para o desenvolvimento do Brasil, da democracia e da nossa sociedade é constante.

Enquanto comemoramos esse marco importante no universo jurídico, o projeto de lei que garante salários iguais a homens e mulheres, deu um passo atrás e voltou ao Congresso Nacional, o que evidencia que ainda temos um longo e penoso caminho a percorrer, vez que o que buscamos não é uma luta acirrada por reconhecimentos, cargos, poderes e posições, mas tão somente o direito de igualdade, de oportunidades, sem distinção de qualquer natureza, justamente como prevê o artigo 5º da nossa Constituição, há mais de 30 anos.

Não podemos falar que assistimos alguns retrocessos no que se refere aos direitos das mulheres. Vivemos, sim, em uma atual sociedade mais consciente e aberta, na qual a imprensa e as redes sociais auxiliam na propagação e celeridade na resolução de notícias e depoimentos sobre feminicídio, distorção das funções e abuso das mulheres também no mercado de trabalho, realidade de salários inferiores aos dos homens em alguns ramos, entre outros. Retrocesso é sinônimo de regredir, de voltar. Mas como voltar de um lugar a que ainda sequer chegamos?

Embora seja um assunto delicado, profundo e amplo, é preciso falar sobre e agir para uma revolução cultural e transformação de mentalidade. O caminho a ser percorrido para que a paridade de gêneros aconteça, especialmente no mercado de trabalho, é longo, sim, mas não impossível.

"Nós todos não podemos ser bem-sucedidos quando metade de nós é retida"
(Malala Yousafzai, ativista paquistanesa
 Southbank Centre/Wikimedia Commons).

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    é advogada especialista em Direitos Civil, Empresarial, do Consumidor e de Família e Sucessões, e sócia-diretora do escritório Eckermann | Yaegashi | Santos–Sociedade de Advogados.

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