Opinião

A Lei 14.151/21 e o afastamento do trabalho da empregada gestante

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19 de maio de 2021, 10h30

No contexto do chamado Direito do Trabalho Emergencial, eis que surge a novel Lei 14.151/21, que dispõe:

"Artigo 1º — Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.
Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.
Artigo 2º
— Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação".

Tal lei tem por objetivo primordial afastar a empregada gestante do trabalho presencial, resguardando sua fonte de renda, observando orientações da OMS e do Conselho Nacional de Saúde (Recomendação 20, de abril de 2020) sobre os grupos de risco.

A lei faculta a adoção do teletrabalho, trabalho a domicílio ou alguma outra forma de trabalho remoto. O novo diploma legal não faz menção às medidas emergenciais das MPs 1045 e 1046, suscitando dúvidas sobre sua compatibilidade sistemática.

A MP 1046 traz medidas que permitem a preservação integral da remuneração sem trabalho, como a antecipação de períodos futuros de férias e o banco de horas negativo (compensação futura da ausência de trabalho), não se verificando incompatibilidade alguma com a nova lei. Por outro lado, o saldo a ser compensado ou futuramente descontado da empregada gestante pode ser elevado a ponto de tornar inexequíveis tais medidas (imagine-se a gestante com dois meses de gestação, afastando-se com férias antecipadas até o parto, sete meses depois, seriam sete períodos aquisitivos de férias a serem compensados).

Baseando-se na interpretação gramatical (a lei impõe a preservação da remuneração), no princípio in dubio pro operario (adoção da interpretação mais favorável ao empregado) e no critério cronológico de solução de antinomias (lei posterior revoga lei anterior), surge corrente que sustenta que a Lei 14.151/21 revogou o artigo 13 da MP 1045, que autoriza a suspensão contratual e a redução de salário e jornada da gestante, até a data da eclosão de sua licença maternidade.

Respeitosamente, divirjo desse entendimento. Segundo o artigo 5º da LINDB, as normas devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com seus fins sociais e o bem comum. Toda a legislação trabalhista em tempos de pandemia se volta ao delicado equilíbrio de preservação de emprego, renda, e empresas, e com esse raciocínio não se coaduna a tese que impõe ao empregador conceder licença integralmente remunerada, sem trabalho e sem auxílio governamental.

Convém destacar a previsão da Convenção 103 da OIT, ratificada pelo Brasil, no sentido de que cabe ao Estado, e jamais ao empregador, arcar com os custos sociais da proteção à maternidade. Nesse sentido, se a intenção do legislador era elastecer a proteção à maternidade neste momento pandêmico, deveria prever o custeio direto ou indireto pela previdência social, como já ocorre hoje com o salário maternidade, pago pelo empregador e deduzido posteriormente de suas contribuições sociais, ou pago diretamente pelo INSS em se tratando de empregada doméstica ou adotante.

Nem todo trabalho é compatível com formas remotas de execução.

Conforme MP 1045, ainda que de forma não integral, a fonte de renda dos trabalhadores submetidos à medida de suspensão contratual é preservada pelo benefício emergencial e por uma ajuda de custo indenizatória paga pelo empregador, que se torna obrigatória para empresas que auferiram faturamento superior a R$ 4,8 milhões em 2019, na base de 30% da remuneração do empregado.

A interpretação que afasta a possibilidade de suspensão contratual das gestantes, no limite, revela-se violadora do princípio da isonomia (CF, artigo 5º, caput), e por isso inconstitucional, na medida em que outros trabalhadores dos grupos de risco (lactantes, idosos, portadores de doenças respiratórias ou que gerem imunodeficiência) continuam a se submeter a tal programa.

Ainda, essa interpretação, sob pretexto de ser mais benéfica, vai implicar discriminação reflexa das trabalhadoras gestantes e do sexo feminino.

Ainda que se admita a tese de incompatibilidade entre a nova lei e a suspensão contratual da MP 1045, devem ser preservados até seu termo final, como válidos e eficazes, os acordos individuais e coletivos já celebrados sobre tais suspensões. Do contrário, sustentar a ineficácia imediata de tais pactos equivaleria a despir o ato jurídico perfeito de sua proteção constitucional (CF, artigo 5º, XXXVI).

Em conclusão, entendo que, não sendo possível o teletrabalho, a empregada gestante pode, sim, por acordo individual ou coletivo, submeter-se à suspensão contratual, com percepção do benefício emergencial e eventual ajuda de custo, mesmo na vigência da atual Lei 14.151/21.

Autores

  • Brave

    é juiz do Trabalho substituto, juiz auxiliar na 3ª Vara do Trabalho de Santo André, mestre em Direito do Trabalho, escritor, autor do livro "Acidentes de Trabalho no Esporte Profissional", da editora LTr, e professor universitário e de cursos preparatórios para concursos.

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