Opinião

Carf afasta tributação previdenciária do auxílio-alimentação pagos via tíquete

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19 de maio de 2021, 13h57

O auxílio-alimentação pago pelo empregador aos seus empregados, quando de acordo com os programas de alimentação aprovados pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, não devem integrar a base de cálculo das contribuições previdenciárias. É o que determina a Lei nº 8.212/91 (Lei de Custeio da Seguridade Social).

O tratamento isentivo em questão reforça o direito social ao acesso à alimentação previsto pelo artigo 6º da Constituição Federal. Sendo a alimentação um direito básico assegurado pela Constituição, o seu provimento passa a ser um dever do Estado, que tem a incumbência de promovê-lo e garanti-lo.

Em vista disso, a Lei de Custeio da Seguridade Social prevê um rol de parcelas que não integram a base de cálculo das contribuições previdenciárias, conforme consta em seu artigo 28, parágrafo 9° e alíneas seguintes. Esse é o caso dos valores relativos ao auxílio-alimentação fornecido pelo empregador em favor de seus segurados.

Todavia, a compreensão do legislador ordinário deixou de alcançar os avanços tecnológicos e foi omissa nesse ponto, gerando dúvidas e insegurança jurídica nos contribuintes.

O artigo 457, parágrafo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) disciplina que o auxílio-alimentação (exceto quando pago em dinheiro) não integra a remuneração do empregado, não se incorporando ao contrato de trabalho e, consequentemente, não constituindo base de cálculo de encargo previdenciário.

Em sentido semelhante se posiciona o artigo 214, § 9º, inciso V, alínea "m", do Decreto nº 10.410/2020, que alterou o Decreto nº 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) para ratificar o entendimento trabalhista na esfera previdenciária e consignar a isenção do auxílio-alimentação, ainda que pago habitualmente, ressalvando-se quando o benefício for concedido em dinheiro.

Já há algum tempo, a opção pelo pagamento do auxílio-alimentação por meio de vales, tíquetes e cartões eletrônicos foi introduzida ao mercado. Referida "novidade" permitiu ao empregado valer-se de seu benefício sem restringi-lo aos alimentos in natura, imprimindo maior liberdade na utilização do benefício, sem, contudo, abdicar de qualquer controle de uso como seria na hipótese de o benefício ser pago em pecúnia.

A despeito da considerável adesão à modalidade, não houve, até o momento, adaptação da legislação previdenciária, tampouco dos atos normativos, de modo que há silêncio quanto a aplicabilidade do tratamento tributário especificamente ao auxílio-alimentação pago via vales, tíquetes ou cartões eletrônicos

A jurisprudência é pacífica quanto à não incidência das contribuições previdenciárias sobre o auxílio-alimentação pago in natura, ainda que fornecido por empresa não inscrita no programa de alimentação aprovado pelos órgãos governamentais (Programa de Alimentação do Trabalhador PAT), na modalidade de refeições no próprio local de trabalho do empregado ou por meio da entrega de cestas básicas.

Contrario sensu, o entendimento jurisprudencial ainda não chegou a consenso quanto à tributação previdenciária do benefício concedido via tíquetes ou cartões eletrônicos.

Isso se deve, sobretudo, a uma primeira aproximação que foi feita dos cartões eletrônicos à figura do benefício pago em pecúnia, provocada pela estranheza do meio e pela adoção de juízo conservador ao analisar casos em que o contribuinte se valeu de tíquetes eletrônicos para providenciar o pagamento do auxílio-alimentação.

Em razão dessa insegurança jurídica, os contribuintes se viram restringidos à opção da concessão do benefício pela via in natura, menos benéfica ao empregado e muito mais trabalhosa para a empresa.

Mais recentemente, contudo, após densa evolução doutrinária e aperfeiçoamento na análise da matéria, a jurisprudência mostrou adaptação ao avanço tecnológico do pagamento do benefício e tem recepcionado alterações relevantes nos âmbitos administrativo e judiciário.

A exemplo disso, destaca-se o teor dos Acórdãos nº 2202-007.936, da 2ª Seção da 2ª Câmara da 2ª Turma Ordinária do Carf, e 2401-009.345, exarado pela 2ª Seção da 4ª Câmara da 1ª Turma Ordinária do Carf. Em ambos os casos, o Carf brilhantemente afastou a tributação previdenciária do vale-refeição e do vale-alimentação, consignando que os valores vertidos para esse fim não ostentam natureza salarial, entendimento este em confluência com a interpretação conferida pelo Superior Tribunal de Justiça [1].

Pelo entendimento do conselheiro Martin da Silva Gesto, redator do voto vencedor conferido ao Acórdão nº 2202-007.936, há clara dualidade na análise jurídica do auxílio-alimentação, qual-seja: admitir a não incidência das contribuições previdenciárias quando o pagamento é in natura ou reforçar a incidência quando o pagamento é feito em espécie ou creditado em conta-corrente.

Na omissão do legislador quanto ao tratamento específico a ser conferido ao auxílio-alimentação pago via tíquetes, o ilustre conselheiro esclarece a impraticabilidade de se comparar os tickets alimentação ao pagamento em espécie. Isso porque, diferentemente da moeda que possui curso forçado na extensão de todo o território nacional, o tíquete-alimentação não pode ser utilizado indiscriminadamente pelo seu titular, bem como não há qualquer obrigação de os estabelecimentos o aceitarem.

Há, portanto, crescente aceitação do entendimento que confere ao tíquete-alimentação interpretação equivalente ao benefício pago in natura, concedendo ao empregador maior segurança jurídica quanto à não incidência das contribuições previdenciárias sobre tal valor, privilegiando o direito social à alimentação e buscando viabilizar a sua efetivação mediante a sua desoneração.

 


[1] Nesse sentido vide Recurso Especial nº 1.185.685, 1ª Turma do STJ, Relator Ministro Luiz Fux, publicado no DJE 10.5.2011 e Recurso Especial nº 1.023.053, 4ª Turma do STJ, Relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, publicado no DJE 16/12/2011

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