Cotas raciais

Sem previsão em edital, é ilegal avaliar autodeclaração racial de aluno cotista

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17 de maio de 2021, 19h59

Instituir comissão para analisar a autodeclaração racial do candidato cotista, sem que exista previsão para tanto em edital, é ilegal e representa inovação indevida. O entendimento é do juiz Hiram Armênio Xavier Pereira, da 2ª Vara Federal Cível de Mato Grosso.

O magistrado deferiu mandado de segurança, com pedido de liminar, para suspender processo disciplinar aberto contra uma estudante de Direto da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), que estava sendo impedida de colar grau. O procedimento poderia culminar na perda de vaga e de todo o percurso acadêmico cumprido, uma vez que a impetrante já teria finalizado os cinco anos de graduação. A decisão é desta segunda-feira (17/5).

Marcello Casal/Agência Brasil
Heteroidentificação de alunos já matriculados e que assinaram contrato prevendo apenas autodeclaração foi considerada nula por juiz
Marcello Casal/Agência Brasil

Segundo os autos, a UFMT instituiu uma comissão de heteroidentificação para complementar a autodeclaração de candidatos negros, pardos e indígenas. Contudo, as matrículas analisadas foram as de estudantes já devidamente matriculados e que assinaram contrato prevendo apenas a necessidade de autodeclaração para ingresso como cotista.

A estudante de Direito não se submeteu à comissão de heteroidentificação, cuja análise foi feita exclusivamente com base em registros fotográficos, extraídos de redes sociais. Assim, porque não compareceu, foi aberto contra ela um processo disciplinar para averiguação de fraude.

Na decisão, ao acolher os argumentos da defesa da estudante, o juiz explicou que "ainda que a administração possa — e deva — investigar fraudes, é certo que tal investigação encontra limites em outros postulados que regem a atividade administrativa. Com efeito, admitir que, após 5 anos do início do curso, a Administração invalide o seu ingresso seria contrário à eficiência e economicidade na aplicação dos recursos públicos, na medida em que todo o recurso empregado na formação (…) pela Universidade Pública seria inutilizado, em frustração à sua própria expectativa”.

"Outro ponto que merece destaque", prossegue o juiz, "é que, à época do processo seletivo ao qual se submeteram os impetrantes, não havia previsão da etapa de heteroidentificação, mas apenas a autodeclaração". "Desta maneira, se o edital é a lei do concurso e vincula as partes — candidato e administração pública —, submeter os candidatos a uma comissão viola o princípio da vinculação ao edital, vários anos após concluído o processo de ingresso."

Os advogados Filipe Maia Broeto e Fernando Cesar de Oliveira Faria atuaram no processo. Para eles, muito embora seja discutível se há ou não a necessidade de controlar possíveis fraudes por meio de comissões, o único critério exigido da impetrante foi o da autodeclaração, sendo, portanto, ilegal fazer retroagir normas não existentes ao tempo do processo seletivo.

"Seu fenótipo foi 'analisado' simples e inaceitavelmente por 'fotos' de redes sociais que foram juntadas mediante um documento apócrifo", disseram Broeto e Faria.  Com a decisão, a estudante tem garantido o direito de colar grau.

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1008914-03.2021.4.01.3600 

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