Opinião

Os direitos dos profissionais de saúde no contexto da Covid-19

Autores

  • Ana Vogado

    é diretora executiva e sócia do Escritório Malta Advogados mestranda em Direito pela Universidade de Brasília(UnB) assistente de docência em Direito Administrativo Sancionador na Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduada na Escola Superior de Direito.

  • Bianca Bianchi

    é estagiária no escritório Malta Advogados e bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília;

17 de maio de 2021, 13h06

A Lei nº 3.999/61 estabelece os principais direitos do médico, como o piso salarial, a jornada de trabalho, as horas extras, o adicional noturno, o adicional de periculosidade e insalubridade e os direitos do médico residente.

Entretanto, no atual cenário de crise sanitária, a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020, que dispõe sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento da calamidade pública, criou a possibilidade de estabelecimento de acordos individuais e coletivos de trabalho, tendo por escopo a negociação de: antecipação ou suspensão de férias e licenças, mudanças na escala de trabalho, criação de banco de horas que poderão ser pagas como pecúnia ou compensadas até 18 meses posteriores, a antecipação de feriados, e a implementação de teletrabalho.

A aludida medida provisória vigorou até 19 de julho de 2020; no entanto, as medidas pactuadas no período de sua vigência continuarão válidas enquanto perdurar o estado de calamidade pública.

Essas alterações, porém, trouxeram ônus adicionais aos profissionais de saúde. Em primeiro lugar, porque possibilitam que sejam fixadas jornadas de trabalho em escalas majoradas: anteriormente, o regime usual era de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, podendo ser alteradas as escalas suplementares entre a 13ª e a 24ª horas do intervalo interjornada, necessariamente por meio de acordo coletivo. A partir da MP, passou a ser possível modificá-la, por exemplo, ao esquema de 24 horas de trabalho por 12 de descanso, e mesmo em acordos individuais.

Igualmente, o diploma normativo também permitiu a suspensão de férias e licenças dos profissionais de saúde, e sua convocação ao trabalho quando já estiverem sendo exercidas, conquanto seja comunicada pelo empregador com até 48 horas de antecedência.

Outra grande alteração foi a previsão de que a contaminação por Covid-19 será considerada acidente de trabalho somente com a comprovação de nexo causal. Isso significa que, para o recebimento dos benefícios e indenizações decorrentes, será necessário que o profissional comprove que foi acometido pela doença em razão de seu ambiente de trabalho. Essa previsão recebe críticas pois, uma vez que se está diante de uma profissão exercida em hospitais, postos de saúde, e em contato direto com doentes, deveria haver presunção de que a doença tem nexo de causalidade com o labor.

Diante da condição fixada pela medida, então, podem ser elencadas algumas recomendações jurídicas. Inicialmente, em relação aos equipamentos de proteção individuais (EPIs), o profissional deve manter provas, inclusive testemunhais, de que foram insuficientes ou não foram fornecidos, ou até que o empregador tenha ordenado sua reutilização. O mesmo se replica quanto à ausência de treinamento adequado para o atendimento. Nesse caso, deve também denunciar e ter a prova da denúncia, perante o órgão de fiscalização de classe e representação (como Conselho Federal de Medicina — CFM, Conselho Regional de Enfermagem — Coren, Ministério Público do Trabalho, sindicatos, direção clínica do hospital, ouvidoria do hospital).

Para além disso, deve manter o isolamento quando não estiver no trabalho, preservando provas de que sempre adotou medidas de proteção em seu ambiente extralaboral.

Se for contaminado por Covid-19, é preciso solicitar a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) à empresa, ao médico que o atendeu ou ao sindicato; e, na hipótese de internação, deve manter o prontuário e resultado do exame que demonstra o contágio pela doença. Ademais, sugere-se verificar o intervalo do período de contágio para comprovar que nesse interim o profissional esteve em contato com paciente com coronavírus.

Importante ressaltar que a presença de comorbidades do profissional contaminado não impede o reconhecimento do direito, pois não afeta a relação de causa e efeito, de forma que não constitui excludente à responsabilidade do empregador.

Comprovado o nexo causal, os profissionais da saúde da rede privada afastados do trabalho em razão de contaminação por Covid-19 têm direito a: indenização por danos morais e materiais sofridos; garantia de estabilidade acidentária pelo período de 12 meses após o retorno ao trabalho; emissão da CAT; recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) durante o afastamento; benefício de auxílio-doença acidentário.

A família do profissional de saúde também é contemplada por direitos, especialmente no caso de falecimento do profissional de saúde em decorrência de contaminação por coronavírus ocorrida por exposição no ambiente de trabalho. Nesse cenário, seus dependentes têm direito ao recebimento de pensão mensal vitalícia. Fazem jus, ainda ao recebimento de indenização por dano moral, paga pelo empregador, e pensão mensal, complementando a do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Além do valor de R$ 50 mil para o cônjuge ou companheiro, além de demais dependentes, serão devidos R$ 10 mil por ano que faltar ao dependente menor de 21 anos atingir essa idade; ou aos dependentes de até 24 anos se estiverem cursando a faculdade. Para dependentes com deficiência, a indenização será de R$ 10 mil, por no mínimo cinco anos, independentemente da idade.

Os valores de todas as indenizações devidas são somados e devem ser pagos em três parcelas mensais, iguais e sucessivas; e, por ter natureza indenizatória, sobre eles não incide o pagamento de Imposto de Renda ou de contribuição previdenciária, bem como não prejudica o direito ao recebimento de benefícios previdenciários ou assistenciais previstos em lei.

Por fim, em 26 de março deste ano foi sancionada a Lei nº 14.128/21, que concede indenização aos profissionais de saúde tornados incapacitados para o trabalho pela Covid-19.

O referido diploma legal prevê indenização de R$ 50 mil para os profissionais que ficaram permanentemente incapacitados após a infecção. Frise-se que esse direito abrange profissionais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, assistentes sociais, agentes comunitários, técnicos de laboratório e outros que atuam na área, além de trabalhadores dos necrotérios e coveiros.

A pandemia evidencia a essencialidade da saúde, e, concomitantemente, as vulnerabilidades enfrentadas pelos profissionais dessa área. A flexibilização das normas protetivas somada ao cenário de crise provoca degradação à integridade desses trabalhadores e, por consequência direta, afeta a população como todo.

Desse modo, a proteção da saúde dos profissionais de saúde deve ser uma preocupação central dos diplomas normativos adotados neste período, bem como dos empregadores ao estabelecer as condições de trabalho, tanto em razão dos direitos fundamentais desses profissionais, quanto porque eles exercem papel essencial para a coletividade, sobretudo na atual conjuntura sanitária.

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    é diretora executiva e sócia do Escritório Malta Advogados, mestranda em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), ex-membro do Grupo de Estudos sobre Constituição, empresa e mercado, da UNB, liderado pela professora Ana Frazão, pós-graduada em Direito Agrário e do Agronegócio pela Escola Superior de Direito (ESD/GO) e desenvolve pesquisas e tem interesse nas áreas de Direito Agrário e do Agronegócio.

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    é estagiária no escritório Malta Advogados e bacharelanda em Direito pela Universidade de Brasília;

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