Opinião

A figura do memorando de entendimentos nas negociações contratuais

Autor

  • Vitória Carolina Fedalto

    é graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná trabalha no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná é membro do Grupo de Mediação e Negociação da Universidade Federal do Paraná e desenvolve atividades de pesquisa acadêmica vinculadas a essa instituição.

17 de maio de 2021, 6h04

O memorando de entendimentos, mais conhecido como memorandum of understanding (MOU), é um contrato preliminar firmado entre as partes que desejam formalizar um contrato definitivo, mas que, para isso, dependem da verificação da viabilidade do negócio.

Consiste em uma forma de registrar as diversas decisões tomadas ao longo das negociações, a fim de consolidar os compromissos e as posições firmadas pelas partes e conferir segurança jurídica, possibilitando uma maior facilidade no transplante dessas deliberações para o contrato definitivo. Contém cláusulas referentes a confidencialidade, não competitividade, exclusividade e responsabilização das partes, entre outros tópicos pertinentes para a efetivação do negócio futuro.

O MOU possibilita uma organização sistemática de cada tópico negociado, registrando, uma a uma, vontades, deliberações, estudos e decisões tomadas pelas partes a fim de se vincularem definitivamente por meio da celebração do contrato preliminar e, após, ao contrato definitivo. Afinal, ainda que vacilante, a doutrina tende a entender o MOU não como um contrato preliminar, mas como um instrumento preliminar de negociação. Conforme leciona José Edwaldo Tavares Borba:

"Anote-se, portanto, que o protocolo não tem a natureza de pré-contrato, posto que não obriga à conclusão do contrato. Trata-se, na verdade, de um acordo preparatório, com a natureza de simples negociação preliminar, como tal destituída de efeito vinculativo. O protocolo funciona como uma espécie de projeto sobre o qual deliberam as assembleias gerais" [1].

O memorando de entendimentos contém disposições referentes ao funcionamento da futura operação negocial, sendo elaborado em ato separado do contrato preliminar. Nada obstante, integra-o, na medida em que este deve observar as disposições daquele. Nessa lógica, o MOU, o contrato preliminar e o contrato definitivo correlacionam-se reciprocamente, constituindo uma unidade orgânica [2].

Logo, o MOU fornece a base sobre a qual se esculpirá o contrato preliminar e o definitivo da futura operação negocial que surgirão, não podendo estes serem compreendidos separadamente daquele. A isso chama-se instrumento de punctuação.

É classificado como um instrumento atípico  é dizer, não expressamente previsto em lei, mas pode ser utilizado se não a ofender —, gratuito e com prazo determinado. Gratuito porque, mesmo implicando custos para sua execução, tal qual investimentos em estudos de viabilidade, não há prestação onerosa entre as partes, o que, caso houvesse, descaracterizaria-o como um contrato preliminar. O prazo determinado se mostra outra característica essencial. Necessário se faz haver um termo prefixado, a fim de cumprir sua função até que determinado evento certo e futuro, qual seja, a assinatura do contrato definitivo, ocorra.

São muito utilizados no âmbito do Direito Internacional Público, a fim de definir diretrizes dos acordos internacionais firmados entre nações e organizações internacionais e na área societária, para regular o processo de aquisição de empresas em suas mais diversas formas  como incorporação e fusão. Por meio dele, as sociedades realizam os ajustes preliminares, verificando interesses e indícios de viabilidade do negócio, utilizando-se, para tal, de pesquisas, cálculos, reuniões, compartilhamento de arquivos, dados e demais informações.

O MOU possui particular destaque nas empresas de grande porte, que constituem verdadeiros complexos organizados. Com o aumento da complexidade empresarial, ocorre um prolongamento da fase de negociação dos contratos, que, por vezes, pode durar meses ou anos. Ao mesmo tempo, possuem uma demanda mercadológica que exige rapidez. Como dispõe Gustavo Ferreira Castello Branco:

"A velocidade na realização de negócios pelas empresas tornou-se não apenas um diferencial, mas uma questão de sobrevivência empresarial. A tecnologia atual e o aprimoramento intelectual dos desenvolvedores de soluções multiplicaram as oportunidades de negócios entre as empresas, portanto, não pode ser negada a importância que um Memorando de Entendimentos bem modelado tem para regulação das expectativas e necessidades das partes em busca do objetivo comum, bem como proteção dos direitos das partes" [3].

Nesse sentido, os agentes econômicos assinam esse instrumento particular que contém clausulas de segurança, como sigilo, confidencialidade, não competitividade, exclusividade e cláusulas relativas a um futuro contrato definitivo. Ainda contém as ditas cláusulas especiais, que serão utilizadas como cláusulas do contrato preliminar ou definitivo.

Quanto à responsabilidade por seu descumprimento, a III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal editou o Enunciado n° 170, que dispõe sobre a necessidade de observância da boa-fé: "A boa-fé deve ser observada pelas partes na fase de negociações preliminares e após a execução do contrato, quando tal exigência decorrer da natureza do contrato". Destaca-se que ele possui força vinculante, na medida em que sua rescisão gera a conversão em perdas e danos e aplica-se a ele a exceção do contrato não cumprido.


[1] BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário Rio de Janeiro: Renovar, 8 ed., p. 486, 2003.

[2] NUNES, Claudia Ribeiro Pereira. Memorando de entendimentos visando à transferência tecnológica entre sociedades empresárias: análise jurídica. Rio de Janeiro: SJRJ, v. 20, n. 38, p. 111, 2013.

[3] BRANCO, Gustavo Ferreira Castello. Memorando de Entendimentos: características, conceito e efeitos perante as obrigações de conduta das partes. São Paulo: INSPER, 2017.

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  • é graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná, trabalha no Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, é membro do Grupo de Mediação e Negociação da Universidade Federal do Paraná e desenvolve atividades de pesquisa acadêmica vinculadas a essa instituição.

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