modernização e reflexões

Legislação trabalhista não terá velocidade e conteúdo para enfrentar novidades

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17 de maio de 2021, 7h29

As discussões, estudos e aplicações de conceitos trabalhistas são muito mais amplos do que o simples debate sobre a reforma de 2017. O Direito e a Justiça do Trabalho estão em constante movimento, e são acompanhados de transformações tecnológicas incessantes. O ritmo é tão acelerado que a legislação não deve conseguir enfrentar todas as inovações.

Arquivo pessoal
Antonio Carlos Aguiar, da APDT
Divulgação

Esta é a visão de Antonio Carlos Aguiar, recentemente eleito presidente da Academia Paulista de Direito do Trabalho (APDT) — a posse ocorre nesta terça-feira (18/5). Mestre e doutor em Direito do Trabalho, Aguiar é também sócio do escritório Peixoto & Cury, professor de diversas instituições de ensino superior, conselheiro sindical da Delegacia Regional do Trabalho de São Paulo e autor de obras trabalhistas.

Inspirada na Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT) — atualmente Academia Brasileira de Direito do Trabalho (ABDT) —, a APDT busca ser um centro fomentador de debates, análises, reflexões e estudos sobre o Direito do Trabalho e sua modernização. Para isso, atua, por exemplo, na organização cursos, simpósios, conferências e congressos sobre o tema.

Em entrevista à ConJur, por e-mail, o novo presidente da Academia frisa a importância do trabalho investigativo, científico e crítico sobre as questões trabalhistas. Ele ainda expõe formas aprofundadas de analisar mudanças legislativas, como as instituídas pela reforma, e sociais, como na "uberização" das relações de trabalho.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais planos e prioridades do senhor para o início de sua gestão?
Antonio Carlos Aguiar — 
A Academia Paulista é composta por uma diversidade de grandes personalidades do Direito do Trabalho. Fazem parte dela notáveis advogadas e advogados de bancas, de escola, na defesa de empresas e trabalhadores. Além disso, como um dos seus expoentes e idealizadores, temos, hoje, como advogado, um baluarte da história do Direito, que galgou altas posições no mundo do trabalho, como ministro do trabalho e presidente do TST. No seu quadro, encontram-se, igualmente, personagens do Judiciário, com valor inestimável e com larga experiência, tanto em nível de tribunais regionais, como superiores, tendo exercido altos cargos na diretoria destes tribunais, inclusive, como presidentes. Membros do Ministério Público e professores renomados das melhores e mais reconhecidas Faculdades de Direito do país também compõem o corpo acadêmico.

Dentro deste universo de tanta sabedoria, minha missão não é difícil.

Numa palavra: servir.

Servir por meio da observância de uma rotina de aprendizado, com muita escuta ativa e mente aberta para, então, executar. Estar entre aqueles que são melhores do que você, te dá a oportunidade de fazer também o melhor.

Dentro desta lógica, o objetivo é cumprir essa missão com amor. Sim, amor, pois "o amor é lealdade, o amor é trabalho em equipe, o amor respeita a dignidade e a individualidade" [Vince Lombardi].

A academia, por intermédio dos próceres que a compõem, se perfaz por uma ampla cadeia de diversidade de pensamentos e posicionamentos, o que a torna democrática, grande e influente.

Logo, há de se espraiar essa luz e vida acadêmicas à sociedade por intermédio de ideias. Um ideal de ideias, para uma melhoria constante. "As ideias que defendo não são minhas. Eu as tomei emprestadas de Sócrates, roubei-as de Chesterfield, furtei-as de Jesus. E se você não gostar das ideias deles, quais seriam as ideias que você usaria?" [Dale Carnegie].

Para isso, conferências, colóquios, seminários, entrevistas, artigos, livros, convênios com escolas da advocacia, magistratura, universidades, parcerias com outras academias no Brasil e no exterior estão no radar dessa tarefa.

ConJur — A Covid-19 vem dificultando muito a atuação da APDT? Como o senhor pretende conciliar os obstáculos impostos pelo coronavírus e o desenvolvimento dos trabalhos?
Aguiar — 
A resposta a essa pergunta poderia ser, de imediato, sim. Afinal, a pandemia mudou as nossas vidas. Nos isolou e nos furtou da presença amável e confortável dos amigos. Todavia, prefiro o equilíbrio provocativo de Emerson, no seu grandioso "ensaio marcha fúnebre", intitulado "Destino", publicado em "A Conduta da Vida":

"Tampouco ele pode dispensar o livre-arbítrio. Arriscando uma contradição — a liberdade necessária. Se alguém preferir se posicionar do lado do destino, e disser, o Destino é tudo, então, dizemos, uma parte do destino é a liberdade do homem. O impulso da escolha e da ação sempre jorra da alma. O intelecto anula o destino. Na medida em que o homem pensa, é livre".

Foi exatamente assim que a academia se portou e obteve bons e proveitosos resultados. As reuniões se deram de modo virtual, quando, então foi possível convidar ilustres pensadores e professores para que repassassem aos acadêmicos seus ensinamentos. Foram vários os encontros, com audiência sempre grande. Por meio da tecnologia igualmente foi possível dar velocidade e efetividade à resolução de questões internas de gestão e formalização estatutária.

Aprende-se muito com a dificuldade. Cresce-se também, quando se enxerga a oportunidade, em vez de apenas a dificuldade. "Uma chave, uma solução para os mistérios da condição humana, uma solução para os velhos nós do destino, da liberdade e da previsão existe: a proposição da consciência dupla", nos ensina o pensador afro-americano W. E. B. Du Bois.

Pode-se, assim, resumir que academicamente o resultado foi positivo.

ConJur — De que forma o senhor acredita que pode aprimorar as medidas desenvolvidas pela diretoria anterior? Como promover debates, estudos e reflexões cada vez mais relevantes sobre o Direito do Trabalho?
Aguiar — 
A diretoria anterior fez um trabalho primoroso. E o melhor: continua praticamente intacta nesta nova composição.

Portanto, é seguir em frente. Dar continuidade àquilo que vem dando certo. Ser o porta-voz do que já é bom.

Como dito inicialmente, vamos nos fazer presentes em vários eventos e formas de exposição de ideias, para que possamos dar-lhes luz acadêmicas, de acordo com os desafios e oportunidades reais do mundo do trabalho. Não à toa, a posse da nova diretoria se fará apresentando um colóquio que discute "As transformações estruturais do Direito do Trabalho na Pandemia", com a participação e ensinamentos do seu primeiro presidente, doutor Almir Pazzianotto, do ministro do TST doutor Alexandre Agra Belmonte e de um professor e juiz da Suprema Corte de Portugal doutor Júlio Gomes

ConJur — A análise sobre Direito e Justiça do Trabalho nos últimos anos está diretamente relacionada à reforma trabalhista. Afinal, a Lei 13.467/2017 conseguiu modernizar a CLT?
Aguiar — 
Essa pergunta me traz à mente as palavras do saudoso professor Roberto Lyra Filho, quando convidado a fazer uma palestra (que virou livro: "Direito do Capital e Direito do Trabalho"): "Preparando essa conferência, meditei muito sobre o que lhes poderia oferecer o velho pensador iconoclasta. Vocês representam um setor importante do pensamento jurídico, no Rio Grande do Sul, e creio que detestam, como eu, os realejos ideológicos. Portanto, se me convidaram para rever estes pagos e falar aqui sobre o Direito do Trabalho, imagino que desejam, agora ouvir as dissonâncias críticas, no lugar das harmonias cúmplices".

Ou, ainda, em outro trecho, quando destaca que: "As contradições econômicas do sistema, em si mesmas, impedem que o trabalhador adormeça, tão grande é o barulho dos roncos da barriga vazia, do desemprego e da espoliação".

Ressaltando, ainda que: "É claro que não aceito a tese de um protecionismo idílico, assim como se o Estado fosse um poder sobrepairando aos conflitos da sociedade civil".

São palavras exteriorizadas e grafadas em livro escrito há 40 anos.

Discutir, estudar e aplicar o Direito do Trabalho, portanto, vai muito além de se falar naquilo que se acostumou chamar de "reforma trabalhista"…

O Direito e a Justiça do Trabalho são instituições em movimento contínuo. Toda e qualquer análise passa pela visão de um filme e não de uma fotografia isolada. Sua importância é inconteste, ainda mais, num país de tanta desigualdade social como o nosso.

E essa importância, por vezes, não é plenamente reconhecida, tendo, por vezes, como agora, sua visão borrada em razão de um movimento mais brusco.

Todavia, seu passo a passo não para, como um peão num jogo de xadrez. 

O Direito e a Justiça do Trabalho funcionam como uma espécie de peão no tabuleiro do xadrez. Neste tabuleiro do mundo do trabalho existem aqueles que têm movimentos privilegiados com vantagens, saltos, atalhos e poderes excepcionais de oficiais. Eles aparecem como símbolo de poderes especiais detentores de uma nobreza invejável. "O peão, no entanto, como seu movimento gradual e constante, dispõe de um predicado intrínseco. É inerente à sua condição vulnerável e de movimentos limitados uma fantástica capacidade de elevação. Os méritos colhidos dessa mesma natureza, que é vista como frágil e modesta, auferem essa nobreza tão distinta. O peão pode chegar ao máximo das qualificações dentro de um tabuleiro, movendo-se livre e pleno em toda a realidade daquela plataforma. Ele pode se fazer 'rainha' quando investido por sua trajetória simples e pessoal, conquistada quadrado a quadrado. O mérito do caminho lhe consagra essa glória máxima" (Nilton Bonder).

O Direito e a Justiça do trabalho não param.

ConJur — Apesar de a reforma trabalhista ser recente, o surgimento e a adoção de novas tecnologias na Justiça do Trabalho apontam alguma necessidade de mais alterações na legislação?
Aguiar — 
Tempos atrás, escrevi um livro intitulado "Direito do Trabalho 2.0: Digital e Disruptivo", que se mostrava aberto a um pensar e agir alternativos, próprios das mudanças profundas, de natureza tecnológica, que estão impactando as relações do trabalho, pelo acesso a uma infinidade de informações e dados via internet, que sobremaneira alteram relacionamentos, desde os afetivos até os profissionais.

Fiz provocações, que passavam pela fruição e apresentação de conceitos próprios de um mundo virtual, tais como: eu não sou um robô, para testemunhar e criticar a "coisificação" instalada em nossas vidas. Eu sou um robô, a fim de dar foco a conceitos relacionados à ação robótica da sociedade, com reflexos no comportamento humano (por vezes autômato). Trouxe à mesa de discussão diferentes conceitos, como "roborrevolução": a Quarta Revolução Industrial, uberização, Gig Economic e darwinismo digital.

Numa análise preditiva do futuro, ao final, por meio do que denominei de "uma representação circular: disruptiva e criativa dos trabalhadores", instalou-se um olhar interpretativo de fora para dentro deste círculo de acontecimentos. Possíveis formas de composição e enfrentamento da realidade foram engendradas, por intermédio de novos elementos de (para) composição do Direito do Trabalho 2.0, elegendo-se, dentre outros, a negociação coletiva como viés de atuação. Um vetor de direção foi apontado para os círculos internos do círculo social-laboral, para se encontrar um caminho de observação e interpretação desta questão "digital". Neste itinerário, um primeiro círculo relacionado à substituição da mão de obra humana por robôs foi trazido à baila. Noutro, um passar d'olhos sobre o convívio sócio laboral entre novas tecnologias com empresas, robôs e trabalhadores (formação transversal). E, por último, um terceiro de fechamento: a travessia da era das relações de trabalho zoé para a era do trabalho bios digital.

Estamos neste estágio de transformação. Muito provavelmente a legislação não terá velocidade e conteúdo suficientes para enfrentamento deste novo, que, relembre-se, vem junto com todos problemas econômicos pelos quais passa o país.

Que desafio!

ConJur — A Justiça do Trabalho tem incentivado o uso de provas digitais para diminuir a dependência de testemunhas, depoimentos e oitivas. A medida é bem-vinda? As provas digitais são de fato preferíveis às testemunhais?
Aguiar — 
Não sei se o correto seria afirmar que a Justiça do Trabalho "tem incentivado" o uso de provas digitais. Contudo, toda e qualquer prova que venha a ser utilizada para a busca da verdade real deve ser bem-vinda. Não há um único caminho de prova. Se abandonarmos um caminho pura e simplesmente por outro, poderemos nos perder, porque daremos mais importância ao caminho do que ao objetivo, que é o encontro da verdade, que gera a justiça.

ConJur — Uma das questões mais polêmicas instituídas pela reforma (questionada em ADI no Supremo e projeto de lei na Câmara) diz respeito à exigência de honorários sucumbenciais nos processos trabalhistas. Esta regra se caracteriza mais como um obstáculo ao trabalhador ou como um mecanismo eficiente para evitar a sobrecarga da Justiça do Trabalho?
Aguiar — Questão extremamente delicada e que, por óbvio, não pode ser respondida de chofre, tampouco lastreada em posicionamento pessoal.

Se, de fato, essa inserção legislativa se mostrar como um óbice estrutural ao alcance da justiça e não como um meio democrático e justo de retribuir o trabalho de um profissional, os peões do tabuleiro do mundo do trabalho encontrarão um caminho alternativo, correto e de justeza para quebra e/ou contestação deste paradigma legal. Esse trabalho investigativo-científico e crítico é inerente ao papel de uma academia.

Eis aqui um ótimo objeto de estudo e análise, que vai muito além de opiniões pessoais.

ConJur — O exemplo mais claro das mudanças atuais nas relações de trabalho é o serviço exercido pelos motoristas de aplicativos, como o Uber. A legislação atual permite reconhecer vínculo de emprego nesta atividade?
Aguiar — 
A legislação atual, no que concerne à caracterização da relação de emprego é bem clara e específica. Primeiro, enfatiza que o contrato de trabalho é um contrato realidade, o que significa dizer que não existem formalidades legais para o seu reconhecimento legal. O que vale é a realidade dos fatos. Além disso é absolutamente informal, não precisa ser escrito (pode ser verbal) e, mais importante, não há a necessidade sequer de que as partes manifestem expressamente sua vontade, para que produza efeitos. É o chamado contrato tácito. Basta, portanto, para que o contrato exista e produza efeitos jurídicos, que cinco elementos estejam presentes, de maneira simultânea, na prestação de serviços, a saber: a) que o prestador seja pessoa natural (física); b) que exista subordinação jurídica do prestador para com o tomador; c) que o prestador receba pelo trabalho realizado; d) que o prestador exerça seu mister de modo pessoal e insubstituível; e e) que realize o trabalho com habitualidade.

Sendo assim, a resposta para a pergunta acima efetuada é outra: existem esses requisitos, de maneira simultânea, na situação posta à análise?

Se a resposta for sim, há vínculo. Se for não, o vínculo não existe.

ConJur — O Tribunal Superior do Trabalho já ressaltou algumas vezes o entendimento de que não há vínculo de emprego entre os motoristas e as empresas de aplicativo. É verossímil uma mudança deste cenário no país nos próximos anos?
Aguiar — 
A efetiva resposta à essa pergunta, para uma segurança jurídica e não mais se ficar à mercê de interpretações, perpassa pelo viés de mudanças legislativas, justamente, para se criar um paradigma diferenciado ou, então, inserir a atual tipificação de prestação de serviços dentro nas condições legais hoje existentes para a figura jurídica do empregado.

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