Opinião

'Voucher saúde' é realmente necessário?

Autor

  • José Roberto Covac

    é sócio da Covac Sociedade de Advogados e da Expertise Educação diretor jurídico do Semesp e conselheiro do Ela Instituto Educadoras do Brasil.

17 de maio de 2021, 11h46

O ministro Paulo Guedes sugeriu recentemente a distribuição pelo governo federal de um "voucher saúde", possibilitando que o cidadão utilizasse um cupom para atendimento hospitalar na rede privada.

O tema é polêmico e tem sido muito criticado por especialistas na área de gestão da saúde por não resolver o problema da população e, principalmente, não atender ao público-alvo almejado: o econômico e socialmente mais vulnerável.

Umas das principais críticas foi que essa medida seria mais uma das formas de privatização do Sistema Único de Saúde (SUS), como cogitado em outubro, com o decreto solicitando para que se avaliasse a possibilidade de conceder à iniciativa privada as Unidades Básicas de Saúde (UBSs). Contudo, é necessário esclarecer que hoje o SUS já é atendido em sua grande maioria por entidades privadas, em especial hospitais filantrópicos  que recebem verbas do orçamento público. E, ressalte-se, ainda bem que funciona dessa forma, pois não são iniciativas que apostam no setor público como solução para os problemas da saúde pública, que comprovadamente são ineficazes com a gestão de recursos, mas, sim, na melhora da relação com o terceiro setor que atua durante muitos anos nessa área.

Veja, em quase mil municípios, Santas Casas e hospitais filantrópicos são os únicos estabelecimentos de saúde, sendo responsáveis no Brasil por 47% do total de internações hospitalares do SUS e 59% da assistência de alta complexidade. Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Nacional das Entidades Filantrópicas (Fonif), ao ser avaliada a distribuição dos leitos por tipo, em cada estado identificam-se situações em que as instituições filantrópicas respondem por mais de três quartos do total, quando não quase a totalidade de determinado tipo de leito disponível para a população.

Levantamento da Federação das Santas Casas do Espírito Santo mostra que a diária paga pelo SUS tem um valor médio de R$ 4 para cada paciente, insuficiente para cobrir os custos. Fica evidente, portanto, que, quando se analisa a situação geral das entidades filantrópicas, diga-se novamente, as grandes parceiras do SUS, expõe-se uma situação de grave crise financeira, o que prejudica, por óbvio, o atendimento final da população.

Ou seja, a discussão sobre voucher ou cupom perpassa sobre a privatização da saúde ou não, pois de fato a saúde pública já é atendida por hospitais da iniciativa privada, em especial do terceiro setor, mas, sim, da sua ineficácia como medida. Existem outras e melhores formas, menos paliativas, da gestão do orçamento, como por exemplo o próprio reajuste da tabela de pagamento do SUS, que em parte dos procedimentos não ocorre há 20 anos.

Hoje, a remuneração por meio do SUS não se mostra atrativa em razão da defasagem da tabela, cuja tendência natural é a diminuição da oferta do SUS e potencialização do ingresso dessas entidades no atendimento privado. Havendo o reajuste de repasse em valores justos, os hospitais continuariam a atender ao SUS, não haveria prejuízo à sociedade e, mais, na medida em que tivessem mais receita, poderiam investir e atender a mais pessoas e áreas de saúde, fazendo com que a população de maneira geral fosse beneficiada.

Lembrem-se, os hospitais filantrópicos não distribuem lucros, então necessariamente toda receita é revertida para as suas próprias atividades, ou seja, a saúde. Comparando, de certa forma seria como a mais recente discussão sobre renda mínima ou Imposto de Renda negativo. Ao promover um valor mínimo para uma maior quantidade de pessoas no país, teríamos, para além da diminuição da desigualdade de renda, uma geração na economia local, que, em geral, é de cidades mais pobres, propiciando o crescimento da economia. Nessa lógica, caso o SUS tivesse um repasse adequado, contaríamos com melhores hospitais e uma saúde pública mais efetiva no país, sem que precisássemos de alternativas mirabolantes e sem eficácia comprovada.

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