Opinião

As atividades do auditor independente no mercado de valores mobiliários

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16 de maio de 2021, 6h34

Os auditores independentes possuem um importantíssimo papel na fiscalização das companhias brasileiras, sobretudo nas companhias de capital aberto. Pode-se afirmar, resumidamente, que as principais atividades de um auditor independente ao conduzir uma auditoria são: 1) analisar as demonstrações contábeis de uma companhia para obter uma segurança razoável de que tais demonstrações, como um todo, estejam livres de distorções relevantes, independentemente se causadas por fraude ou erro, possibilitando, assim, que ele expresse sua opinião sobre se as demonstrações contábeis da companhia, em todos os aspectos relevantes, em conformidade com a estrutura de relatório financeiro aplicável; e 2) apresente relatório sobre as demonstrações contábeis, bem como as suas constatações, de acordo com as regras regulamentadoras da sua atividade. 

Conforme as disposições sobre a nova hierarquia normativa da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), as resoluções serão utilizadas para consubstanciar os atos editados pelo colegiado para regulamentação das matérias previstas na Lei nº 6.385/76 e na Lei nº 6.404/76, conforme disposto no inciso I do artigo 8º da Lei nº 6.385/76, assim como no exercício de outras competências normativas. Já as instruções normativas serão utilizadas para consubstanciar os atos que, sem inovar, orientem a execução das normas vigentes e cujo não atendimento implique aos destinatários consequências jurídicas, efetivas ou potenciais.

Diante disso, no dia 1º de abril entrou em vigor a Resolução CVM nº 23/2021 (nova resolução), a qual revogou a Instrução CVM nº 308/99 e atualizou a atividade de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, incorporando mudanças propostas na Audiência Pública SDM 07/20.

A nova resolução trouxe alterações quanto ao tipo societário a ser adotado pelas sociedades de auditores independentes registrados na CVM, considerando a regra anterior onde apenas era possível que as sociedades de auditores independentes fossem constituídas sob a forma de sociedade simples pura. A nova resolução reafirmou a natureza simples e não empresária dessas sociedades uniprofissionais, todavia possibilitou a adoção por tais sociedades, de uma das formas das sociedades empresárias, na esteira do artigo 983 do Código Civil.

Além disso, a nova resolução eliminou a obrigatoriedade de responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios de sociedades de auditores independentes registradas perante a CVM. Segundo o superintendente de normas contábeis e de auditoria da CVM, a mudança atende a uma demanda antiga dos auditores independentes e a CVM espera que a maior flexibilidade permitida se traduza em uma maior oferta de serviços de auditoria, sem prejuízo aos padrões de qualidade de que o mercado de capitais precisa para se desenvolver

Importante ressaltar que não há a obrigatoriedade de alteração dos contratos sociais das sociedades de auditorias para adequação às regras da nova resolução. A autarquia assegurou a validade dos atuais documentos societários e eventuais alterações a serem realizadas pelas sociedades de auditoria poderão ser realizadas a qualquer tempo. De toda forma, as alterações na responsabilidade dos sócios de tais sociedades entram em vigor desde já. No entanto, na eventualidade dos contratos sociais preverem a responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios, recomenda-se a realização de alteração contratual para fazer constar as disposições da nova resolução quanto a esse quesito.

No dia 7 deste mês, cerca de um mês após o início da vigência da nova resolução, a CVM publicou o Ofício Circular nº 01/2021 — CVN/SNC/GNA — (ofício), com o objetivo de apresentar esclarecimentos relacionados à atuação do auditor contábil independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, uma vez que a figura do auditor independente é elemento imprescindível para a credibilidade do mercado e para a proteção dos investidores, visto que sua função é zelar pela veracidade das demonstrações contábeis da entidade auditada.

O primeiro assunto abordado pelo ofício é em relação ao registro do auditor independente, a atividade de auditoria independente é prerrogativa do contador legalmente habilitado e registrado em Conselho Regional de Contabilidade (CRC), a nova resolução mantém as duas formas de registro já existentes, quais sejam: auditor independente pessoa natural (AIPN) e auditor independente pessoa jurídica (AIPJ). Quanto à AIPJ, é necessário que pelo menos a metade dos sócios da AIPJ seja cadastrada como responsável técnico da sociedade na CVM para exercer a atividade de auditoria no âmbito de mercado de valores mobiliários, em nome da sociedade.

Outro requisito para o registro de auditor independente é a comprovação do exercício da atividade de auditoria pelo prazo mínimo de cinco anos, consecutivos ou não. A comprovação poderá ocorrer mediante apresentação de relatórios de auditoria emitidos e assinados pelo contador interessado, publicados em jornal ou revista especializada ou disponibilizados na rede mundial de computadores, bastando uma publicação para cada ano, ou alternativamente, mediante comprovação de que o contador interessado exerceu a atividade de auditoria como empregado de sociedade de auditoria registrada na CVM, a qual será realizada por meio da entrega de cópia da Carteira de Trabalho e Previdência Social e do registro do contador na sociedade de auditoria empregadora.

A CVM também abordou no ofício a obrigação, pelos auditores independentes, de envio de informações periódicas à CVM, conforme o Anexo D à nova resolução. Referido envio deve ser realizado pelos auditores independentes até o último dia do mês de abril de cada ano, sendo que o atraso no envio enseja a cobrança de multa cominatória diária de R$ 200. Além disso, no mesmo prazo deve ser apresentada declaração eletrônica de conformidade, sob pena de multa diária de R$ 200 para o AIPJ e de R$ 100 para o AIPN.

Em relação ao programa de revisão externa de qualidade, a CVM apontou que tem observado movimentos no sentido de tentativa de infringência ao referido programa, e ressaltou que uma vez aplicada a suspensão de registro de auditor independente por descumprimento do programa, a reativação do auditor junto à CVM somente ocorrerá se o processo de revisão externa de qualidade for aprovado pelo Comitê de Revisão Externa de Qualidade e desde que o relatório de revisão externa não contenha qualquer ressalva.

Ainda, a CVM ressaltou no ofício que os auditores independentes registrados na CVM deverão manter, para si e para seu quadro técnico, um programa de educação continuada consoante com as diretrizes aprovadas pelo CFC, sendo que o descumprimento ao programa enseja a aplicação de sanções administrativos.

No tocante à emissão de relatório circunstanciado, a CVM esclarece que o previsto no artigo 25, II, da nova resolução, estabelece a obrigatoriedade de emissão de relatório circunstanciado ao final dos trabalhos do auditor independente, em qualquer hipótese, independentemente de terem sido, ou não, identificadas deficiências ou ineficácias no ambiente examinado. A CVM esclarece que o relatório deve segregar as deficiências significativas e não significativas, e ainda, caso não seja identificada deficiência deve haver previsão expressa quanto a ausência de deficiências.

Quanto à auditoria das demonstrações financeiras de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), certificados de recebíveis imobiliários (CRI) e certificados de recebíveis do agronegócio (CRA), a CVM informou que o Ofício-Circular CVM/SIN/SNC 01/2012, o qual orienta os auditores independentes que atuam em fundos FIDC, também deve ser observado nos procedimentos de auditoria a serem realizados para as demonstrações financeiras dos patrimônios separados de CRI e CRA.

Acerca das informações constantes nas demonstrações contábeis em pedidos de registro de companhia aberta, a CVM apontou que, conforme informado pelas Superintendência de Relações com Empresas (SEP), foram identificadas diversas exigências relacionadas à divulgação de informações financeiras, sendo que as cinco exigências mais frequentes são: 1) divulgação deficiente de políticas contábeis aplicadas à companhia; 2) divulgação deficiente das informações sobre partes relacionadas, em especial no que diz respeito a divulgação de taxas e prazos de mútuos entre partes relacionadas; 3) ausência de divulgação de informações sobre o relacionamento com os auditores independentes no relatório de administração; 4) falhas na divulgação da conciliação de informações de natureza não contábil (EBTIDA ajustado) com as informações contábeis; e 5) divulgação deficiente das premissas em testes de imparment, principalmente no que diz respeito à divulgação de taxas de desconto e taxas e premissas de crescimento.

Nesse sentido, a CVM ressalta que, nos pedidos de registro inicial de companhia aberta, ao auditor será imputada responsabilidade pela opinião emitida no respectivo relatório de auditoria e pela condução dos trabalhos e procedimentos de auditoria que serviram de base para sua opinião, caso existam desvios relacionados à estrutura de relatório financeiro aplicável e suas divulgações relacionadas.

Destarte, sabe-se que a função do auditor independente é de extrema importância para a governança das companhias brasileiras, notadamente as companhias abertas, de modo a apresentar aos investidores brasileiros, uma análise imparcial das demonstrações contábeis elaboradas pelas companhias. O objetivo da nova resolução foi aprimorar as regras atinentes aos auditores independentes para, primeiramente, conceder maior flexibilidade ne escolha da estrutura societária das sociedades de auditores fiscais, atualizar as regras de responsabilização dos auditores independente e, ainda, atualizar as nuances regulatórias da atividade junto à CVM, e o objetivo do ofício foi prestar esclarecimentos e trazer maior clareza aos auditores independentes sobre os pontos trazidos pela nova resolução.

Em conclusão, entendemos que a nova resolução chegou em boa hora. É importante atualizar as regras do mercado de capitais para que os agentes tenham mais segurança jurídica quanto a sua atuação e, consequentemente, exerçam sua atividade de forma mais eficaz, de modo a gerar um círculo virtuoso entre agentes — regulador.

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