Opinião

Análise da renovação da concessão do Sistema Anchieta-Imigrantes

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16 de maio de 2021, 13h16

O governo do estado de São Paulo e a concessionária Ecovias acordaram, através de um termo aditivo modificativo (TAM) preliminar, a prorrogação do contrato de concessão do Sistema Anchieta-Imigrantes, que tinha prazo contratual até 2024 e passará a viger até 2033.

O acordo prevê o encerramento das ações judiciais existentes, propostas pelo governo de São Paulo contra a concessionária, que deverá investir R$ 1,1 bilhão em obras de melhorias para a região da Baixada Santista e, em garantia, depositará ao Estado R$ 613 milhões.

O termo aditivo, ou termo de aditamento, é o instrumento utilizado para incluir no texto de um contrato alterações apropriadas e indispensáveis. No caso, o aditamento prorrogou o prazo para execução do contrato de concessão.

Não é a primeira vez que o estado de São Paulo utiliza o expediente com a concessionária. Em 2006, o governo celebrou o TAM nº 10 do Contrato de Concessão CR/07/1998. Trata-se do contrato de concessão que tinha por objeto o Lote 22, Sistema Rodoviário Anchieta/Imigrantes, sendo a duração da concessão de 240 meses, ou seja, 20 anos.

Naquela época, o termo aditivo tinha a finalidade de reestabelecer o reequilíbrio econômico-financeiro, por extensão de prazo, prorrogando o contrato de concessão por mais 70 meses, alterando o prazo do contrato para 310 meses, passando de 20 para 25 anos a concessão, devido aos seguintes fatores:

a) Alteração das leis relativas ao Imposto Sobre Serviços (ISS) nos municípios por onde atravessam essas rodovias, o que modificou a cobrança de ISS às concessões;

b) Majoração das alíquotas e bases de cálculo das contribuições relativas ao Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep) e ao Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); e

c) Perda de receita decorrente de parcelamento do reajuste tarifário (reajuste menor do que o índice contratado por alguns meses).

Após a celebração do termo aditivo com a concessionária, a fim de verificar a correção dos cálculos, em 2011 a Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp) contratou a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, concluindo que o cálculo do montante do desequilíbrio foi diferente daquele realizado nos anos contratuais anteriores a 2006 e a concessionária teria sido beneficiada indevidamente, com reequilíbrio maiores do que o devido  segundo os estudos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os prejuízos ao erário se aproximaram aos R$ 2 bilhões e, consequentemente, os contratos foram prorrogados sem necessidade.

Por isso, a Artesp instaurou contra a concessionária processo administrativo de invalidação do TAM nº 10 de 2006, do Contrato de Concessão CR/07/1998, posteriormente judicializado, requerendo a sua anulação e que o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão fosse feito:

a) Tomando por base a receita efetiva, nos termos da lei e do contrato; e 

b) Aplicando-se, no tocante à compensação ambiental, o devido deflacionamento indicado pela Fipe.

Desde então, o estado e a Artesp lutavam para que fosse aplicado a correção apontada pela Fipe, sobre a receita real, entendimento uníssono do Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme Apelações nº 1014902-54.2015.8.26.0053, 12ª  C.,  relator Souza  Nery, j.  05.02.2020,  v.m. 027267-77.2014.8.26.0053, 12ª C., relator Osvaldo de Oliveira, j. 13.11.2019, v.m.;1013617-60.2014.8.26.0053, 2ª C., relator Claudio Augusto Pedrassi, j. 25.06.2019, v.u.; 1017316-54.2017.8.26.0053, 13ª C, Rel. Djalma Lofrano Filho, j. 27.03.2019, v.u.; 1040986-29.2014.8.26.0053, 3ª C., relator Camargo Pereira, j. 17.04.2018, v.m.;1014891-25.2015.8.26.0053, 10ª C., relator Marcelo Semer, j. 21.05.2018, v.u., e a Ecovias defendia a manutenção da aplicação sobre a receita projetada.

Como se denota dos precedentes, razão assiste o pedido da Artesp e do governo de São Paulo, ademais, nota-se o evidente prejuízo causado ao erário, uma vez que as concessões foram prorrogadas indevidamente.

O tema ganha relevo, pois a Administração Pública pode utilizar seu poder de autotutela para anular ou revogar os seus atos, nos termos das Súmulas nº 346 ("A Administração Pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos") e 473 ("A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial") do Supremo Tribunal Federal e, em prestígio ao princípio da segurança jurídica, deve fazê-lo no prazo de dez anos contados de sua produção, conforme artigo10, inciso I, da Lei Estadual 10.177/98.

Ainda, a desnecessária prorrogação de 2006 revelada pela Fipe é passível de anulação no âmbito judicial, ante o prejuízo aos cofres públicos, com fundamento no princípio basilar do Direito Administrativo, supremacia do interesse público sobre o interesse privado, uma vez que critério adotado em 2006 para o reajuste do contrato não o reequilibrou, apenas prejudicou a Administração em benefício da concessionária.

Já no âmbito do Poder Judiciário, o tema foi julgado no recurso de apelação interposto pela Artesp e o governo do estado contra a empresa concessionária e o voto vencedor é claro ao decidir pela revisão do aditivo para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, por meio de estudos, não sendo razoável a manutenção do prejuízo ao poder público (Voto nº AC-23.900/20).

O voto vencido, por outro lado, entende que se utilizado o critério da receita real  proposto pela Artesp , a prorrogação da concessão para o reequilíbrio econômico-financeiro seria de 24 meses, contra 31 meses do reequilíbrio pela receita projetada, utilizada no TAM 10/2006. Para a relatora, sete meses não é considerado um prazo extenso quando se trata de concessão de rodovia, mas apenas nesse contrato com a Ecovias, o prejuízo da Administração Pública, calculado até o ano de 2012, era de R$ 58,98 milhões.

Analisando de uma maneira simplória, em 2012 o prejuízo que a concessionária causou ao erário foi de R$ 58,98 milhões, sem atualização.

No entanto, o voto 24696 da Apelação 1045799-02.2014.8.26.0053, sagrando-se vencedor o estado de São Paulo e a Artesp, deixa claro que:

"O cenário econômico atual difere substancialmente daquele existente em 1998, quando realizada a concorrência vencida pela apelada. Naquele cenário garantiu-se contratualmente uma taxa interna de retorno (TIR) de 20,60%a.a., que continua sendo garantida à concessionária em atenção aos princípios constitucionais do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, bem como ao princípio da força obrigatória do contrato e da teoria da imprevisão. Porém, conforme apurado, em especial pelo relatório da Fipe, a base de dados utilizada para apuração do desequilíbrio de 2006 aumentou a TIR do contrato de 20,60% a.a para 20,65% a.a. que, mantida, implicará recebimento de uma vantagem indevida de aproximadamente R$58,98 milhões de reais (valores para 2012). Os mesmos princípios que garantem à concessionária a TIR, aliados ao princípio da supremacia do interesse público, permitem a anulação do aditivo contratual que, a pretexto de reequilibrar a equação econômico-financeira do contrato original (então desfavorável à concessionária), acabou causando novo desequilíbrio, desta vez em face do poder concedente. Rever atos administrativos ilegais é poder/dever do poder público (Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal). Houve erro insanável na celebração do TAM de 2006, consistente na utilização dos dados da receita fictícia e não da receita efetiva para manutenção da equação econômico-financeira do contrato, resultando em prazo de prorrogação contratual muito extenso e superior ao necessário".

Diante disso, desperta interesse a nova prorrogação do contrato com a Ecovias anunciado recentemente pelo governo do estado de São Paulo, no qual o poder público compromete-se com o encerramento da ação judicial que possui acórdão do Tribunal de Justiça bandeirante favorável à tese estatal.

Dessa forma, contrariando o princípio da livre concorrência, a estabilidade jurídica das decisões administrativas e judiciais, bem como o inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, o poder concedente pretende corrigir o erro de 2006 por meio de novo aditivo que inviabilizaria a restituição de valores indevidamente pagos a concessionária.

Tais valores recebidos indevidamente pela concessionária violaram os princípios das contratações públicas, uma vez que a coletividade foi onerada pela ação da concessionária e pelo poder público que errou em 2006 e, tentando corrigir seu erro, comete outro.

Viola, indiscriminadamente, o princípio da livre iniciativa e da livre concorrência, norteadores da ordem econômica, que tem por fundamento que a intervenção estatal nesse âmbito deve ser exclusivamente a fim de prevenir o abuso do poder econômico. Ao contrário, o poder público, celebrando um novo aditivo, privilegia o particular em face da concorrência de mercado, restringindo-a com a prorrogação do contrato de concessão.

Ainda, ao deixar de iniciar novo certame licitatório, visto que a licitação é um processo de competição que tem como premissa a livre iniciativa, o governo, junto com a concessionária, limita e impede a participação e o acesso de outras empresas, que poderiam apresentar propostas mais vantajosas e com melhores técnicas.

A contratação de uma nova empresa ou a manutenção da atual para a gestão de rodovias, através de um novo certame licitatório, nada mais é do que um procedimento que tem por finalidade o exercício da concorrência, para que empresas aptas a esse trabalho apresentem suas propostas, sejam julgadas e habilitadas.

Em que pese a alegação dos investimentos na ordem de R$ 1,1 bilhão que serão feitos pela concessionária até 2033, é certo que outras empresas que poderiam participar de novo certame licitatório, também teriam a possibilidade de fazer esses ou maiores investimentos e o estado ganharia não somente com uma possível melhor oferta, mas com a manutenção das ações judiciais.

A postura do governo do estado fere a Administração Pública e os potenciais concorrentes e viola também os interesses dos consumidores e da sociedade, lesados por não existir, nesse caso, liberdade de escolha, já que a Administração Pública se reservou a privilegiar empresa ou grupo específico, mesmo com uma decisão judicial importante e favorável ao pedido de anulação do TAM de 2006.

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