Miranda Warnings, ou "aviso de Miranda", é um clássico do processo penal no mundo inteiro. Diz respeito a um caso concreto julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos. Na ocasião, ficou decidido que nenhuma validade pode ser conferida às declarações do preso à polícia se não houve prévia advertência. Ele deve ser informado de seus direitos de: 1) não responder às perguntas formuladas; 2) tudo que disser poderá ser usado contra ele; e 3) assistência de defensor. Em suma: é o direito ao silêncio ou direito de não produzir provas contra si mesmo.
A matriz constitucional do direito ao silêncio é o inciso LVIII do artigo 5º, segundo o qual o preso será informado de seus direitos. Entre eles, o direito de permanecer calado.
Embora a Constituição Federal assente que "o preso" tem o direito de permanecer calado, é consenso na doutrina e jurisprudência que a interpretação gramatical, como quase sempre acontece, é insuficiente para dar vazão à proteção do indivíduo contra a atuação do Estado. Desde sempre, não apenas o preso, mas qualquer acusado, investigado ou indiciado pode se valer do direito ao silêncio no bojo do processo penal.
O artigo 186 do Código de Processo Penal (CPP) assegura que, após sua qualificação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e não responder perguntas que lhe sejam formuladas.
Naturalmente, se permanecer em silêncio é um direito, quem o exerce não pode ser punido. O artigo 198, também do Código de Processo Penal, garante que o silêncio do acusado não importará em confissão.
Não existe qualquer dúvida sobre o referido direito no âmbito do processo penal. O caminhar da humanidade, que traz a reboque a evolução epistemológica do Direito, passa a fazer novas exigências de utilização de garantias pensadas, não em benefício do processo ou do procedimento, mas com foco no acusado.
Uma das exigências que despontam em tal contexto é a utilização de toda a estrutura de garantias formatadas para proteção do indivíduo no processo penal em processos de outra natureza. É o caso, por exemplo, do processo de improbidade administrativa.
A razão de ser é simplória: o processo de improbidade administrativa, como é anunciado na própria Lei nº 8.429/1992, apresenta como consequência da condenação a imposição de pena, exatamente como o processo criminal. A pena, nesse caso, não é a prisão.
Em verdade, o chamado direito administrativo sancionador deve assegurar ao acusado da prática de ato ímprobo todos os direitos e garantias pensados para o processo penal. Assim, é efetivo o direito ao silêncio na ação civil pública de improbidade administrativa.
A Convenção Americana de Direitos Humanos, o mais importante tratado internacional sobre direitos humanos assinado pelo Brasil e que foi integrado ao ordenamento jurídico nacional por força do Decreto nº 678/1992, assegura, expressa a didaticamente como sendo garantia judicial, na alínea "g" do item 2 do artigo 8, que toda pessoa acusada de um delito, durante o processo, tem a garantia do direito de não ser obrigado a depor contra si mesma.
Ora, o tratado internacional não diz que o direito ali expresso seja exclusivo para um processo criminal. Ele pode ser invocado, com naturalidade, em qualquer processo capaz de gerar uma condenação com imposição de pena, como, de fato, se verifica no processo por ato de improbidade administrativa.
Sendo o direito ao silêncio uma garantia processual, o acusado ou representado, portanto, pode, na esteira do que decidiu recentemente o STJ (HC 628.224/MG), responder às perguntas que quiser de modo livre, desimpedido e voluntário — ainda que o nome dado ao ato no âmbito do processo de improbidade administrativa não seja interrogatório.
Alguém poderia dizer que o direito ao silêncio, conforme previsto na Constituição Federal, assenta que "o preso" tem tal direito e nas ações de improbidade não há pena de prisão. Isso poderia gerar equivocada conclusão no sentido de que o representado ou acusado em ação de improbidade não teria tal direito.
Com todo respeito às opiniões divergentes, toda a estrutura de garantias voltadas ao processo penal deve ser utilizada também no processo de improbidade administrativa. Primeiro, pelo fato de que as garantias são atinentes ao indivíduo contra o Estado e não propriamente garantias do processo.
Em segundo lugar, não há dúvida quanto à natureza punitiva do processo de improbidade administrativa. Muitas vezes, pode representar punição mais danosa que a de uma ação criminal — por óbvio quando a pena imposta não representa prisão.
E, por último, pelo fato de que a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), adotada no âmbito da Organização dos Estados Americanos, que tem o Brasil como um de seus signatários, traz garantias judiciais para o indivíduo acusado de um ilícito e não para o processo penal.
Portanto, sequer é necessário buscar previsão legal na Lei de Improbidade Administrativa para que se possa encontrar ali o direito ao silêncio. Afinal de contas, o §2º do artigo 5º da Constituição Federal é claro ao assentar que os direitos e garantias ali expressos não excluem outros decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil.
Assim, finalmente tem-se como consectário da hipertrofia das garantias individuais contra o poder punitivo estatal que, além de outros, é direito do representado em ação de improbidade administrativa permanecer em silêncio. E mais: decidir quais perguntas prefere responder na audiência de instrução.