Opinião

O STJ e a ação coletiva que pode afetar os custos de planos de celular pós-pagos

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14 de maio de 2021, 20h35

Em julgamento realizado em março deste ano, a Corte Especial do STJ definiu a competência da 3ª Turma do Órgão, integrante da seção especializada em Direito Privado — em detrimento da Seção de Direito Público —, como órgão competente para julgamento de recurso em ação civil pública ajuizada em 2005 que tramitou no TJ-RJ (CC 165.221/DF). O entendimento foi baseado na relação jurídica objeto da ACP em questão, a qual não trata especificamente do serviço público de telefonia concedido às concessionárias e prestados aos seus clientes, eis que envolve, no caso, "relação de natureza puramente consumerista, travada entre clientes e concessionárias do serviço de telefonia celular"

Sob esse aspecto, será, então, examinado pela 3ª Turma do STJ recurso especial interposto contra acórdão do TJ-RJ que decidiu pela impossibilidade de duas operadoras de telefonia celular cobrarem multa por quebra do prazo de fidelização, quando a rescisão do contrato tiver sido motivada por furto ou roubo de aparelho, devidamente documentado em boletim de ocorrência, bem como limitar o valor da multa em casos de rompimento do contrato no prazo de fidelização a três meses de franquia.

Cabe ser lembrado que, a esse respeito, já há inclusive precedente da própria 3ª Turma do STJ, o que pode dar uma indicação do resultado dessa demanda coletiva. Por ocasião do julgamento do REsp 1.087.783/RJ, foi definido que, nessas situações envolvendo resolução sob alegação de caso fortuito ou força maior decorrente de furto ou roubo do aparelho telefônico celular, a multa por quebra do contrato deve ser reduzida pela metade — e não afastada —, ou a prestadora deve oferecer um aparelho em comodato, até o final do prazo de fidelização.

Refletindo-se sobre a pertinência dessa intervenção estatal em contratos entre entes privados, primeiramente é necessário observar que a cobrança em questão é regulamentada pelas normas da Anatel, mais especificamente os artigos 57 ao 59 do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, que prevê, como única hipótese de isenção da multa, a "rescisão em razão de descumprimento de obrigação contratual ou legal por parte da prestadora", o que, evidentemente, não é o caso em discussão na mencionada ACP, já que as operadoras não possuem obrigações relacionadas à segurança pública. 

Ademais, o prazo de fidelização dos contratos de telefonia, que são objeto do pleito de resolução antecipada, muitas vezes não é vinculado a eventual desconto na aquisição de aparelho, mas, sim, sobre o próprio plano de telefonia, com definição de serviços abrangidos e valores por determinado período, sem que tenha sido observada tal diferenciação por ocasião do julgamento do REsp 1.087.783. De qualquer modo, como reconhecido pelo próprio STJ naquela ocasião, o extravio do aparelho celular não interrompe o fornecimento dos serviços do pacote de telefonia, os quais são fornecidos via chip, sendo necessária apenas a aquisição de um novo equipamento com inserção de novo chip para sua utilização. Aliás, é inimaginável admitir-se que, nos dias de hoje, alguém que utiliza serviços de telefonia no seu dia a dia vá deixar de fazê-lo em razão do extravio do aparelho.

Há de se ponderar também que se está diante de um bem de guarda pessoal, sujeito naturalmente a perda, quedas, extravio, furtos e roubos, e o boletim de ocorrência como documento exigido para fins de comprovação do furto ou roubo em ação de terceiros não é dotado de fé-pública, mas se trata de um mero relato unilateral do comunicante do fato, colocando as operadoras em nítida desvantagem com relação a eventuais fraudes praticadas por consumidores, já que não possuem condições de apurar a veracidade do relato registrado perante a autoridade policial. 

Quanto à alternativa apresentada pela corte, de fornecimento de um equipamento em comodato até o final do prazo de fidelização, novamente se está onerando a operadora — que incorre em custos para aquisição do aparelho cedido — por falhas e crimes praticados por terceiros. Também não é esclarecido se o aparelho deve ser de características semelhantes às do extraviado, o qual, enquanto bem pessoal, é escolhido conforme o gosto do usuário e valor disposto a investir no produto.

Sobre a limitação do valor da multa ao equivalente a três meses de franquia, é evidente que tal medida demandaria um aprofundamento do juízo nas características particulares de cada contrato, com seus interesses disponíveis e heterógenos, como determina o artigo 413 do Código Civil, descabendo seja feita em caráter de ação coletiva. Aliás, inexistindo legislação ou norma prevendo tal limite de valor, qualquer decisão proferida de forma genérica, sem vinculação a um contrato específico, esbarra na limitação do artigo 140, §único, do CPC ("o juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei").

Do ponto de vista econômico e social, considerando que as proposições constantes da aludida ACP desbordam dos limites das regras claras e específicas do setor definidas pelo ente regulador, a ineficiente compensação da operadora pelo rompimento antecipado do fluxo financeiro previsto para cobrir os custos dos serviços telefônicos e de dados oferecidos em pacote anual contratado pode implicar na redução no número de ofertas disponíveis no mercado acerca dessa modalidade de serviço de telefonia móvel pós-pago, e, ainda, no aumento do valor dos serviços e multas.

Portanto, de qualquer ângulo que se observe, verifica-se que, por melhores que sejam as intenções dos julgadores que já analisaram a questão, não é lógica e nem eficiente a transferência dos custos de eventual furto ou roubo de aparelho celular para as operadoras, colocando-as ainda em posição de evidente desvantagem para a apuração da veracidade dos fatos. Ainda que eventualmente se entenda que o consumidor estaria isento de responsabilidade pela perda de um bem que estava sob sua guarda em decorrência de alguma atividade criminosa, os ônus daí decorrentes não podem recair sobre as operadoras de telefonia, eis que é o Estado o único responsável pela prevenção e apuração de crimes em território nacional.

Tal preocupação ganha ainda mais relevância quando se observa o recente julgado do Supremo Tribunal Federal, consumado no último dia 7 de abril (RE 1.101.937, objeto do Tema 1.075 afetado por repercussão geral), que declarou a inconstitucionalidade do artigo 16 da Lei 7.347/85, com a redação que havia sido dada pela Lei 9.494/1997, e que havia estabelecido que a eficácia erga omnes (ultra partes) das sentenças proferidas em ações coletivas, se daria dentro dos limites da competência territorial do órgão que a julgou.

A posição alcançada por maioria no STF foi de repristinar a redação original do mencionado artigo 16 da Lei da ACP, de modo a reconhecer abrangência nacional aos efeitos das sentenças proferidas nessas demandas coletivas, desconsiderando o critério de vínculo territorial domiciliar do indivíduo frente ao do órgão julgador, para se beneficiar de sentença. Entretanto, o ajuizamento da ACP deve respeitar as regras de competência do artigo 93, II, do código consumerista.

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