Opinião

A prejudicialidade da decisão vinculante no julgamento quanto ao processo fiscal

Autores

  • Thiago Abiatar Lopes Amaral

    é advogado da área tributária do Demarest Advogados e mestre pela Northwestern Pritzker School of Law Chicago (EUA).

  • Samuel Vigiano

    é advogado da área tributária do escritório Demarest Advogados mestrando em Direito Tributário na Escola de Direito da FGV-SP e membro do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da mesma instituição.

14 de maio de 2021, 9h13

Com a chegada do novo Código de Processo Civil, em vigor desde o início de 2016, finalmente superamos a discussão quanto à sua aplicação ao processo administrativo fiscal. Como sabemos, o seu artigo 15 passou a determinar que, na ausência de normas reguladora dos processos administrativos, inclusive o de natureza tributária, as disposições do Código de Processo Civil lhe serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.

Nesse contexto, como bem explicam Paulo Cesar Conrado e Rodrigo Dalla Pria [1], o Código de Processo Civil exerce funções normativo-substitutiva e normativo-integrativa em relação ao processo administrativo, motivo pelo qual deve ser aplicado ao processo administrativo fiscal não apenas em caso de lacuna normativa, mas também para complementar a norma existente.

Entre os relevantes avanços trazidos pelo novo Codex à legislação processual brasileira, merece destaque o seu artigo 927, que impõe aos juízes e tribunais o dever de observar: 1) as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; 2) os enunciados de súmula vinculante; 3) os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; 4) os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; e 5) a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados. Com esse dispositivo, o legislador teve a intenção de conferir efetiva segurança jurídica e igualdade ao ambiente jurisdicional.

É inegável, portanto, que os tribunais administrativos — como o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e o Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP) — devem valorizar os precedentes judiciais vinculantes de modo a tornar real a noção de segurança jurídica e concreta a isonomia em relação a situações semelhantes (casos análogos com resultados uniformes), evitando-se, ao fim e ao cabo, a judicialização de demandas pro-forma.

Aliás, o fato de o processo administrativo tributário também ter a natureza de uma jurisdição civil (como destacam Paulo Cesar Conrado e Rodrigo Dalla Pria no mencionado estudo) já seria, por si só, suficiente justificar a sujeição dos tribunais administrativos brasileiros aos precedentes judiciais vinculantes.

Não é, entretanto, o que vem ocorrendo atualmente. É o que se verifica, por exemplo, de recentes decisões nas quais o Carf deixou de aplicar as teses firmadas pelo Supremo Tribunal Federal nos julgamentos relativos à exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins [2]) e ao direito ao creditamento de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) sobre insumos oriundos da Zona Franca de Manaus [3]. O argumento utilizado pelo Carf foi o de que o processo ainda não teria transitado em julgado e, portanto, não seria uma decisão definitiva.

Entendemos que em situações como essas, ao invés de julgar o mérito da questão e forçar o contribuinte a pleitear o seu direito no Poder Judiciário, implicando prejuízo tanto para o Fisco como também para o contribuinte, o Carf deveria aplicar as teses já definidas pelo STF ou, no mínimo, sobrestar o processo administrativo até que a decisão vinculante do judiciário transite em julgado.

Isso porque, à vista do disposto no artigo 313, inciso V, "a" [4], do Código de Processo Civil, o julgamento do processo administrativo deve ser sobrestado em decorrência do prejudicialidade da decisão judicial sobre a administrativa, principalmente em caso de silêncio do Regimento Interno do Carf.

Aliás, não poderia ser diferente, pois, como sabemos, o "silêncio normativo" não cria normas, ainda mais quando existe disposição expressa em determinando a aplicação das disposições do Código de Processo Civil aos casos de inexistência de norma tratando de determinado assunto em matéria de processo administrativo.

A esse respeito, vale mencionar que, no início deste ano, o Carf reconheceu que o fato de o seu Regimento Interno e o Decreto nº 70.235/72 não contemplam hipóteses de sobrestamento não significa permissão para negar vigência aos artigos 15 e 313, do CPC. Por isso, deu provimento a recurso especial de contribuinte para acolher pedido de sobrestamento (Acórdão nº 9101-004.659).

De qualquer modo, o fato é que, ainda que o Regimento Interno do tribunal administrativo expressamente proibisse o referido sobrestamento, esse tema é de competência privativa da União (CF, artigo 22, inciso I), de modo apenas uma lei federal poderia dispor sobre o sobrestamento para os processos administrativos.

Existe, ainda, mais uma razão para sobrestamento do processo administrativo em razão de prejudicialidade em relação ao judicial. Como sabemos, é bastante comum que integrantes dos tribunais administrativos aleguem que o processo administrativo é movido por impulso oficial e que, por isso, não poderia ser sobrestado. Esse argumento, no entanto, não se sustenta à vista do artigo 2º do CPC, assim redigido: "O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei".

Logo, se a regra do impulso oficial do processo comporta exceção e o próprio Código de Processo determina o sobrestamento do processo em razão de prejudicialidade, resta claro que não faz nenhum sentido afirmar que o processo administrativo não poderia ser suspenso ou sobrestado.

Portanto, nos termos do artigo 313, inciso V, "a", do CPC, a prolação de decisões de mérito no processo administrativo deve ser suspensa sempre que a demanda estiver na dependência de solução de uma questão prejudicial objeto de outro processo, como é justamente o precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça.

Até porque, caso tal providência não seja adotada pelo Carf, o contribuinte será obrigado a submeter o seu direito à apreciação do Poder Judiciário, o que, além de desnaturar um dos principais objetivos do processo administrativo fiscal (o de evitar a judicialização de demandas pró-formas) também representará um risco à Fazenda Pública, porquanto certamente haverá o reconhecimento judicial do direito pleiteado pelo contribuinte com fundamento no precedente vinculante, com a condenação da União em honorários sucumbenciais.


[1] "Aplicação do Código de Processo Civil ao processo administrativo tributário" in 'O novo CPC e seu impacto no direito tributário' / coordenado por Paulo Cesar Conrado e Juliana Furtado Costa Araujo. São Paulo: Fiscosoft, 2015, pp. 249/255.

[2] "O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins" (RE 574706)

[3] "Há direito ao creditamento de IPI na entrada de insumos, matéria-prima e material de embalagem adquiridos junto à Zona Franca de Manaus sob o regime da isenção, considerada a previsão de incentivos regionais constante do artigo 43, § 2º, III, da Constituição Federal, combinada com o comando do artigo 40 do ADCT" (RE 596614 e RE 592891)

[4] "Artigo 313 – Suspende-se o processo: (…) V – quando a sentença de mérito: a) depender do julgamento de outra causa ou da declaração de existência ou de inexistência de relação jurídica que constitua o objeto principal de outro processo pendente; (…)"

Autores

  • é advogado Tributarista, especialista em tributos indiretos. Cursa LLM em Direito Tributário no Instituto de Ensino em Pesquisa (Insper). Especializou-se em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2010). É formado pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (2006).

  • é advogado da área tributária do escritório Demarest Advogados, mestrando em Direito Tributário na Escola de Direito da FGV-SP e membro do Núcleo de Direito Tributário do Mestrado Profissional da mesma instituição.

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