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TJ-SP manda seguir ação de cobrança de garoto de programa contra cliente

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14 de maio de 2021, 13h13

Não se pode negar proteção jurídica àquele que busca amparo do Estado, cobrando de seu cliente o valor ajustado pelos serviços sexuais prestados. Com esse entendimento, a 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo determinou o seguimento de uma ação de cobrança movida por um garoto de programa contra um cliente. 

O juízo de origem indeferiu a inicial e julgou a ação extinta, sem apreciação do mérito, por falta de interesse processual. O autor recorreu ao TJ-SP que, em votação unânime, acolheu o argumento de que a prostituição em si não é crime e, portanto, o contrato verbal de prestação de serviço também não é ilícito, justificando o seguimento da ação.

No voto, o relator, desembargador Morais Pucci afirmou que, embora não exista vedação legal à prostituição no Brasil, a questão apresentada nos autos consiste em saber se tal atividade ofende a moral e os bons costumes, o que invalidaria o negócio jurídico firmado entre as partes. Na ação, o garoto de programa cobra R$ 15 mil do cliente. Ele diz que prestou os serviços sexuais, mas não foi pago.

Pucci fez um histórico da prostituição ao longo da História e disse que, atualmente, a atividade vem se difundido cada vez mais, especialmente em grandes cidades. Apesar disso, para ele, o tema é "controvertido", uma vez que muitas pessoas ainda enxergam a prostituição como uma atividade "pecaminosa".

Por outro lado, o relator destacou a "evolução da mentalidade" de parte da sociedade e citou classificação do Ministério do Trabalho, feita em 2002, que inclui os profissionais do sexo, mesmo sem regulamentação específica. Neste cenário, Pucci disse que permitir o acesso à Justiça é respeitar a dignidade sexual, a soberania sobre o próprio corpo e a livre autonomia no ato de contratar.

"A Justiça, que não deve fechar os olhos à evolução da sociedade, precisa estar atenta a suas transformações. A Constituição tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), constituindo como seu objetivo fundamental a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais (artigo 3º, III), promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, IV)", afirmou.

Diante dessa constante evolução dos costumes e da proteção garantida pela Constituição, afirmou o desembargador, não se pode negar tutela jurídica àquele que busca receber o valor ajustado "de quem se aproveitou de seus serviços de cunho sexual, livremente contratados". Pucci também citou precedente do Superior Tribunal de Justiça de que serviços sexuais são válidos e passíveis de proteção jurídica.

"Por tais motivos, dou provimento ao recurso para afastar a r. sentença, devendo o processo prosseguir com a designação de audiência de conciliação ou de mediação, ou, se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição amigável, com a intimação do réu, na pessoa de seu advogado, para apresentar resposta à ação em 15 dias", concluiu.

1006893-49.2020.8.26.0079

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