Opinião

Uma nova perspectiva da impossibilidade de cobrança do complemento do ICMS-ST

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14 de maio de 2021, 19h20

Com o julgamento das ADIs nº 2.675 e nº 2.777 e do Recurso Extraordinário 593.849, surgiu um questionamento natural: se os estados devem restituir o ICMS-ST pago a maior pelo fato de a venda ao consumidor final ter sido realizada por valor menor do que o de retenção, haverá direito aos estados de cobrar o complemento do imposto no caso inverso, isto é, de venda por valor maior ao de retenção?

Os estados se prontificam em responder positivamente à indagação, pois sustentam que sim, que há o direito de se cobrar o complemento do imposto. Inclusive, em 15/10/2020 o estado de São Paulo editou a Lei nº 17.293/2020, que, entre outras medidas, acresceu o artigo 66-H à Lei nº 6.374/89, que disciplina o ICMS paulista. Referido dispositivo foi regulamentado em 15/1/2021 pelo Decreto nº 65.471/2021, que, ao modificar a redação do artigo 265 do RICMS/SP, fez constar que "o complemento do imposto retido antecipadamente deverá ser pago pelo contribuinte substituído (….) quando o valor da operação ou prestação final com a mercadoria ou serviço for maior que a base de cálculo da retenção".

Penso, entretanto, que a resposta ao questionamento deve ser negativa, porque não há tal direito de complemento.

O fundamento à negativa de se cobrar o complemento está na própria Constituição Federal. De acordo com o seu artigo 150, §7º, "a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido" (grifo do autor).

Nada é dito no texto constitucional a respeito do complemento do imposto. Ora, se o complemento não está instituído no mencionado artigo 150, §7º, então ele (o complemento) não faz parte da estrutura da substituição tributária, do que se conclui que a ausência de previsão quer significar, em verdade, em sua proibição.

Ou seja, o primeiro fundamento que justifica a impossibilidade de cobrança do ICMS-ST na hipótese de venda ao consumidor por valor maior ao de retenção é a ausência de previsão constitucional para tanto.

O segundo fundamento é a lógica imbuída na referida ausência: toda e qualquer cobrança de tributos mediante presunção tem resultados imediatos favoráveis aos entes que o instituem, logo, permitir a cobrança presumida agregada de eventual diferença seria dar excessivos benefícios aos Fiscos.

Tenhamos como exemplo o IRPJ e a CSLL cobrados pelo regime do lucro presumido. Segundo o artigo 587 do RIR atualmente em vigor (Decreto nº 9.580/18), a pessoa jurídica cuja receita bruta total no ano-calendário anterior tenha sido igual ou inferior a R$ 78 milhões ou a R$ 6,5 milhões multiplicado pelo número de meses de atividade do ano-calendário anterior, quando inferior a 12 meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido. Nesses casos, as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL são apuradas pela aplicação dos percentuais previstos nos artigos 591 e 592 sobre o faturamento e, sobre esses resultados, recaem as alíquotas dos tributos. A tributação presumida nesses termos é definitiva: não há devolução, caso o lucro efetivo seja menor do que o lucro presumido (dado pelos percentuais dos artigos 591 e 592); tampouco complemento devido ao Fisco, caso o lucro efetivo seja maior do que o lucro presumido. Isso se deve ao fato de que a tributação com base no lucro presumido permite o ingresso de recursos no erário sem a necessidade de a Receita Federal movimentar grandes esforços à fiscalização, tanto assim que o artigo 600, parágrafo único, do RIR desobriga o contribuinte do lucro presumido a manter toda a escrituração contábil se mantiver apenas o livro-caixa com toda a movimentação financeira, inclusive bancária.

A mesma lógica deve ser aplicada ao ICMS-ST. Na medida em que os Estados instituem a cobrança do imposto por presunção, recebem antecipadamente em caixa o imposto devido por toda a cadeia mercantil mediante concentração da fiscalização apenas no substituto tributário (o fabricante, o importador). Muitas dessas cadeias são finalizadas por pequenos varejistas nas pontas finais, tais como padarias, bares, pequenas revendedoras de autopeças, pequenas lojas de alimentação, chocolates (bombonieres), pequenas lojas de material de construção, elétrica, entre outras. A fiscalização de cada um desses vários estabelecimentos passa por gigantesca movimentação da máquina pública. Não é impossível fazê-lo, já que a prática demonstra que os Fiscos conseguem averiguar a ocorrência de ilícitos fiscais mesmo em relação a esse grupo de contribuintes (por exemplo, imposição de penalidades por recebimento de mercadorias de fornecedores inidôneos). Entretanto, pelo regime da substituição tributária o Fisco se livra da obrigação de fiscalizar, dia a dia, todos os contribuintes de uma determinada cadeia para se centrar apenas no substituto tributário.

O ganho do ICMS-ST é duplo, portanto. A cobrança do imposto por presunção permite ao Fisco maximizar seus resultados ao antecipar o ingresso de recursos relativos à carga tributária de toda uma cadeia e, paralelamente, centrar esforços de fiscalização apenas no substituto tributário, não nos vários substituídos da cadeia. Nessa perspectiva, autorizar que os Fiscos estaduais, além desses dois benefícios, ainda possam cobrar o complemento do ICMS-ST seria dar a eles tripla benesse.

A cobrança do complemento do ICMS-ST não conta com previsão constitucional e, por isso mesmo, não tem lugar no figurino da metodologia da própria substituição tributária. E isso se deve ao fato de que a cobrança complementar extrapola a lógica que rege tributos cobrados mediante presunção. Eis a razão para o artigo 150, §7º, da Constituição Federal, ao instituir o regime de substituição tributária, prever apenas o ressarcimento do imposto, não o complemento. Eis, por último, o motivo para os Fiscos terem frustrados seus interesses na cobrança do tal complemento.

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