"Onda midiática"

MPs e DPU processam fundação por propaganda enganosa sobre desastre de Mariana

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13 de maio de 2021, 20h10

Em 2020, cinco anos após o rompimento da Barragem do Fundão em Mariana (MG), que ocasionou o maior desastre ambiental brasileiro, a Fundação Renova, criada pelas empresas mineradoras responsáveis para reparar os danos socioambientais, teria resolvido desviar recursos milionários para financiar campanhas publicitárias com informações duvidosas com o objetivo de limpar a própria imagem e camuflar a realidade.

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Desastre de Mariana foi causado pelo rompimento da Barragem do Fundão
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Com essa alegação, órgãos de Justiça envolvidos no caso ajuizaram, no começo do mês, uma ação civil pública com o objetivo de impedir a veiculação de novas propagandas, além de obter a condenação da entidade a pagar indenização por danos morais no valor de, pelo menos, R$ 56,3 milhões.

O montante é o dobro do que a Fundação Renova gastou em 2020 com publicidade, de acordo com o Ministério Público Federal, o Ministério Público de Minas Gerais, a Defensoria Pública da União e as Defensorias Públicas de Minas e do Espírito Santo, responsáveis pela ação. Eles apontam que a verba deveria ser usada na efetiva reparação dos danos.

O valor de R$ 17,4 milhões, no entanto, foi empregado pela entidade entre 6 de setembro a 11 de outubro de 2020 para financiar 861 inserções pagas em emissoras de TV de alto alcance nacional e outras 756 em emissoras de rádio, no que as autoras da ação ironicamente chamam de "onda midiática".

Segundo MPs e Defensorias, as propagandas enaltecem os resultados da reparação promovida pela Fundação Renova ao veicular "informações imprecisas, dúbias, incompletas ou equivocadas acerca do restabelecimento de uma normalidade inexistente" acerca de vários temas. Esse conteúdo contrariaria estudos e laudos periciais produzidos ao longo do processo de reparação.

Fred Loureiro/ Secom ES
Após desastre ambiental, Fundação Renova foi criada para gerir processo de reparação
Fred Loureiro/ Secom ES

O pedido de tutela de urgência é para cessar a divulgação das propagandas, abster de efetuar gastos com as mesmas e obrigar a Fundação Renova a produzir contrapropaganda: divulgação de nota oficial em seus canais de redes sociais, promover campanhas de informação e alterar sua política interna de divulgação de informações.

Para embasar a condenação na ação civil pública, os autores pedem a equiparação dos atingidos pelo desastre ambiental a consumidores, o que permitiria a aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor que garantem direito à informação, na vedação à propaganda tida por abusiva e enganosa e no respectivo dano moral.

A ideia é reconhecer que a condição jurídica dos atingidos seja de consumidores por equiparação (bystander), por conta da vulnerabilidade econômica, jurídica e social. Assim, o rompimento da barragem em Mariana (MG) seria acidente de consumo.

O posicionamento da Fundação Renova é que "a relação existente entre Fundação Renova e as pessoas atingidas não pode ser caracterizada como de consumo".

Recomendação rejeitada
A Fundação Renova, inclusive, já refutou expressamente as alegações dos MPs e Defensorias. Em outubro, os órgãos enviaram à entidade uma
Recomendação Conjunta em que fazem pedidos muito semelhantes aos da ação civil pública: retirada das propagandas, retificação de informações e fim dos gastos publicitários.

Na resposta, a fundação destacou que o artigo 220 da Constituição confere proteção à atividade publicitária como instrumento legítimo a serviço da comunicação social. Também refutou o uso de informações dúbias ou incorretas e explicou que os investimentos são oriundos de recursos das mineradoras "e, portanto, não utilizam do orçamento dos programas socioeconômicos e socioambientais executados pela Fundação Renova".

Fred Loureiro/Secom ES
Em pouco mais de cinco anos do desastre, atuação da Fundação Renova tem sido altamente contestada judicialmente
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Blitz judicial
A ação civil pública faz parte de um grupo de ações promovidas em conjunto pelo MPF, MP-MG, DPU e Defensorias de MG e ES contra a Fundação Renova. A entidade foi criada por um
Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC) com as empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil do qual esses órgãos não participaram.

O resultado foi o estabelecimento de 42 programas de reparação socioeconômicos e socioambientais, que seriam geridos pela Fundação Renova, entidade de Direito Privado com autonomia em relação a suas fundadoras.

A atuação da Renova é contestada desde sempre. No âmbito da reparação civil dos atingidos, as ações evoluíram para a criação de um sistema simplificado de indenização pela 12ª Vara Federal de Minas Gerais, o qual também ocorreu à revelia de MPs e Defensorias, já foi contestado, porém referendado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

O magistrado responsável, Mário de Paula Franco Júnior, é agora alvo de arguição de suspeição pelos órgãos, com o objetivo de anular todas suas decisões. Ele já refutou as alegações, e o TRF-1 definirá o caso. Esse mesmo juiz recentemente determinou perícia na Fundação Renova, diante dos problemas de gestão evidenciados.

Paralelamente, corre na Justiça Estadual de Minas Gerais outra ação ajuizada pelo Ministério Público mineiro que pede a extinção da Fundação Renova. Neste, a DPU e as Defensorias de MG e ES atuam como custos vulnerabilis (guardiões dos vulneráveis).

A atuação da Fundação Renova já foi, também, alvo de processo internacional, movido na Inglaterra em nome de 202 mil atingidos, entre pessoas físicas, jurídicas e até um município. A ação foi extinta sumariamente em novembro de 2020, e em março de 2021 a Corte de Apelação britânica se recusou a apreciar o recurso. Nesta ação, MPs e Defensorias não eram parte.

Clique aqui para ler a petição inicial
ACP
1023835-46.2021.4.01.3800

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