Opinião

O mindset brasileiro e os negócios de M&A

Autor

  • Paulo Henrique Berehulka

    é advogado sócio fundador do escritório Berehulka & Agostini Sociedade de Advogados MBA em Capital Markets especializado em Administração Gestão Empresarial e Geral especializado em Direito Aplicado pela EMAP.

13 de maio de 2021, 7h13

É inegável que o mercado brasileiro de mergers and acquisitions (M&A) teve uma evolução significativa. Já se tem clara percepção, por exemplo, de que o M&A é uma solução que deve vir antes da recuperação judicial ou de phase-out, pois não se perde tanto valor. Os ativos tendem a migrar para melhores administradores, o que naturalmente gera mais eficiência. O velho Gordon Gekko já dizia: "Greed is good".

O Brasil, até os anos 90, estava fora do mercado de capitais, sendo raras as transações de fusões e aquisições. Bancas internacionais que atuavam em nosso ambiente buscavam o shadow negotiation, e o no seller indemnity deal. Não existiam dados compilados sobre as empresas, a due dilligence era "na unha", portanto estes eram os modelos aplicáveis.

Não tardou para essa sistemática enfrentar problemas com o desafio da aplicação da lei cogente. A jurisprudência de então decalcava regras da compra e venda de bens, inclusive com relação aos vícios redibitórios, para julgar casos de fusões e aquisições. Passivos ocultos foram entendidos como defeitos da coisa, e as regras da simples teoria contratual foram utilizadas para solucionar questões muito mais complexas do que a tradição de um bem contra pagamento de preço. Em um ambiente onde existia a falta de conhecimento e transparência, era difícil criar valor através do lawyering.

A então incipiente indústria de transações no Brasil passou a enfrentar longas disputas judiciais, que, para além da demora, produziam decisões que deixavam de atacar o mérito, atendo-se muitas vezes ao Direito processual.

As dinâmicas negociais foram se implementando, e logo o mercado compreendeu as antigas lições de Ascarelli de que as participações societárias são bens de segundo grau, pois representam controle sobre uma "outra" universalidade, que é a empresa em si. Embora a boa-fé sempre tenha sido desejável, a complexidade das negociações não era alcançada por contratos, legislação e jurisprudência.

Para suprir a deficiência legislativa e jurisdicional, os advogados brasileiros passaram a buscar inspiração nos modelos contratuais internacionais. Em conjunto com esse movimento, surgiu nos anos 2000 o Novo Mercado, que desencadeou a busca pela arbitragem como método de solução de conflitos. As regras mais exigentes de autoregulação culminaram, inclusive, com a criação da Câmara de Arbitragem do Novo Mercado.

O jeito era melhorar os contratos e estruturar as câmaras com árbitros realmente talhados pela experiência no mercado de transações. Foi assim que começaram a entrar as cláusulas de representação, declarações e garantias nos instrumentos. Negociar a redação tornou-se um esforço da melhor adaptação dos termos alienígenas, especialmente quando ausente de dados e informações consistentes das targets e com partes inexperientes.

Porém, esse composé criou uma celeuma no mercado jurídico brasileiro. Por um lado, os escritórios passaram a selar seus bancos de cláusulas e contratos. Por outro, a confidencialidade das transações foi estendida às controvérsias administradas no âmbito das câmaras arbitrais.

O acervo das transações foi protegido como verdadeiro ativo nas bancas, que, advindo das traduções e pesquisas internacionais, representava grandes investimentos em cursos e parcerias. Já as decisões arbitrais, por confidencialidade restrita, não são divulgadas ao mercado, restringindo o acesso às análises práticas do que realmente funciona.

O resultado dessa situação é que, no Brasil, não se desenvolveu uma ortodoxia contratual para fusões e aquisições. Os termos são menos claros do que se tem no estrangeiro e, pior, não se criaram padrões. Não se sabe, assim, o que é mercado e isso impacta significativamente na multiplicidade de design de transações e contratos.

Em outro diapasão, nos EUA os contratos devem ser publicados quando as empresas detêm capital aberto e o deal é material. As bibliotecas compilam esses dados para pesquisas acadêmicas e profissionais posteriores, auxiliando na depuração das cláusulas que realmente são eficazes e que passam a fazer parte do mainstream dos instrumentos futuros.

No Brasil ainda não temos documentos públicos suficientes, pois são muitos os sigilos. Quando não é a lei, os memorandos proíbem a divulgação. Isso torna os deals mais raros, custosos e lentos, pois há necessidade de se criar e discutir, caso a caso, todas as vezes, os elementos para a tomada de decisão do formato e proteção da transação.

Não nos esqueçamos que o contrato é o destino das convenções hauridas pelas partes. A mudança constante da terminologia, aliada às pseudoinovações importadas nos textos, geram severas dificuldades de o cliente entender com o que está se comprometendo ao assinar o instrumento, por mais experiente que seja.

Isso explica, em parte, porque no Brasil ainda há uma preferência pela cláusula de payment holdback no design contratual. Esse ainda é um resquício da velha forma de negociação, quando praticamente nenhuma informação era disponibilizada antes da transação.

Não se pode olvidar que a transparência é um dos drivers do mercado. Divulgar os contratos das transações ocorridas para a sociedade auxilia o ambiente de negócios como um todo, especialmente para as partes que transacionam.

Um ambiente de forte regulação pode ter um papel propedêutico e ajudar a entender melhor o sistema legal. A divulgação dos instrumentos poderia ajudar na criação de valor, pois gera integridade sistêmica. Além disso, dificulta a existência de negociações que sejam prejudiciais ao mercado e à própria empresa, e ainda gera uma padronização contratual.

É isso que torna claro ao mercado o que seria um comportamento de acordo com a boa-fé objetiva, conceito que hoje ainda é mais discutido na academia do que percebido pela práxis negocial. Essa instabilidade quanto ao conceito do correto desestabiliza inclusive as cortes judiciais e arbitrais, que geralmente acabam por preferir laudos de especialistas para dizer o que deveria ser óbvio, apenas pela percepção do que seria regularmente aceito.

Prova dessa desestabilização é a persistente discussão sobre qual o melhor sistema legal (commom law em substituição ao civil law) em se tratando de solução de controvérsias no âmbito do M&A.

Não é novidade que os usos e costumes fazem lei entre as partes, a não ser que violem regra cogente. Fonte viva do Direito, existe uma seleção natural nos usos e costumes que deveria ser apreciada pelo setor de fusões e aquisições. Por outro lado, o Pacta Sunt Servanda continua a ser um guidance das arbitragens e dos acórdãos judiciais. Porém, a ausência da publicidade de instrumentos e decisões pelo mercado brasileiro tem gerado essa falsa dicotomia, quando, na verdade, o que se vê em fóruns internacionais é a aproximação dos sistemas em prol da funcionalidade.

Já passou a hora de o mercado brasileiro expor suas transações e correspondentes instrumentos. A via tem de ser de mão dupla. As informações precisam ser trocadas para aumentar a produtividade e a acessibilidade ao mercado de transações. Além disso, é necessária uma séria discussão sobre a publicidade das decisões arbitrais e judiciais havidas em razão dos contratos de M&A. É premente a necessidade de se estudar o que ocorre no contencioso para aprimorar a técnica do consultivo, especialmente na composição dos termos e do design dos contratos e transações. O mercado de M&A é proxy da economia e a segurança jurídica deve estar acima da reserva de conhecimento e do academicismo improducente.

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    é advogado, sócio fundador do escritório Berehulka & Agostini Sociedade de Advogados, MBA em Capital Markets, especializado em Administração, Gestão Empresarial e Geral, especializado em Direito Aplicado pela EMAP.

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