Opinião

O fim da imunidade do IPTU e o impacto no orçamento da União

Autor

  • André Silveira

    é sócio do escritório Sergio Bermudes Advogados Associados em Brasília mestre em Direito Constitucional e pós-graduado em Direito Público pelo IDP.

12 de maio de 2021, 7h13

Em 2017, o Supremo Tribunal Federal relativizou o entendimento, antes pacífico, de que a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, "a", da Constituição, relacionada ao Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), abrangia os cessionários de áreas de propriedade do Estado. Naquela oportunidade, a corte julgou dois recursos conjuntamente e fixou as seguintes teses:

"Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo" (Recurso Extraordinário 601.720 — Tema 437); "A imunidade recíproca, prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo município" (Recurso Extraordinário 594.015 — Tema 385).

A leitura superficial da primeira tese acabou por difundir a ideia de que, a partir daquele julgado, quaisquer cessionários de áreas de propriedade do Estado teriam de pagar IPTU. Em consequência, municípios Brasil afora começaram a pleitear o pagamento do tributo, de forma indiscriminada e retroativa, de particulares que estavam nessa condição.

Contudo, ao se examinar o inteiro teor do acórdão, percebe-se que o objeto da discussão dos ministros restringiu-se à situação em que particulares exerciam atividades com finalidade exclusivamente lucrativa. É dizer, a corte entendeu que não fazia sentido que uma locadora de veículos, situada em área de propriedade da União, não pagasse IPTU enquanto outra, situada do outro lado da mesma avenida, em propriedade particular, o fizesse.

Da mesma maneira, assentou-se que empresas públicas e sociedades de economia mista cujas atividades fossem direcionadas à conquista de lucro e ao pagamento dos seus acionistas, em um mercado de livre concorrência, não poderiam gozar desse privilégio, sob pena de violação da isonomia tributária.

Dessa forma, o STF não afastou, de forma absoluta, a extensão da imunidade do IPTU relativa aos cessionários de áreas estatais. Nos casos das concessionárias de serviço público, quando de sua atuação para execução desse serviço público, a imunidade se mantém. É que essas empresas privadas, a despeito de sua natureza, não atuam com finalidade exclusiva de obter lucro. Elas atuam para efetivar serviços públicos, imprescindíveis à sociedade.

Não por coincidência, a 1° Turma do STF, em caso relatado pelo ministro Dias Toffoli, em abril deste ano, definiu que "a imunidade tributária prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, alcança o imóvel em questão, o qual pertence à União, se encontra em posse precária de concessionária de serviço público e é utilizado por ela em sua atividade-fim" (Recurso Extraordinário 1.272.751).

O ministro invocou precedente relatado pelo ministro Gilmar Mendes, de 2019, para fundamentar a decisão (Agravo em Recurso Extraordinário nº 1.112.414). Assim, dois precedentes, posteriores à alteração de entendimento ocorrida em 2017, enxergaram uma situação específica sobre a qual ainda incide a imunidade relativa ao IPTU: concessionárias de serviço público na execução desse serviço.

Na mesma linha, a Corte Especial do STJ encaminhou, em fevereiro deste ano e à unanimidade de votos, recurso com esse mesmo objeto ao STF, por entender que "o Supremo Tribunal Federal possui entendimento no sentido da existência de imunidade tributária a recair sobre imóvel que se encontra em posse de concessionária de serviço público para ser utilizado na atividade fim a qual essa se destina" (AREsp 658.517). O recurso extraordinário foi autuado no STF sob o número 1.315.581 e ainda não tem relator.

Um aspecto de extrema relevância na discussão é o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, matéria que tem previsão expressa na Constituição. As concessionárias de serviços públicos não têm liberdade para alterar unilateralmente o valor de sua remuneração. Os valores das tarifas que serão cobradas da população são previamente fixados quando da celebração do contrato. Paralelamente, esses serviços são intensamente regulados e não podem ser exercidos por quem não tem autorização do Estado. No que diz respeito às concessionárias, a concorrência está restrita à fase de licitação. Uma vez encerrada essa etapa, a empresa vencedora fará as vezes do próprio Estado, sem concorrer com ninguém, enquanto durar o contrato.

Dessa maneira, a incidência de um custo tributário não previsto no momento do acordo quebra o equilíbrio econômico-financeiro da avença, rompimento esse que não pode ser suportado pela concessionária.

Assim, na eventualidade de se definir que as concessionárias, mesmo que na execução de serviço público, são devedoras de IPTU quando ocupam áreas de propriedade do Estado, esse custo haverá de ser redirecionado ao próprio ente federativo que contratou aquele serviço; ou então à população, a partir da alteração da tarifa por parte do poder concedente.

Diante de tudo o que se apresentou, é possível concluir que o STF deve decidir, de uma vez por todas, se as concessionárias de serviço público têm direito à imunidade tributária do IPTU quando ocupam área de propriedade do Estado com a finalidade de executar serviço público. É que quando a corte relativizou, em 2017, a abrangência da imunidade, tratou apenas de sociedades de economia mista, empresas públicas e pessoas jurídicas de direito privado com atividade meramente econômica. Assim, foi criada situação de significativa insegurança jurídica para as empresas delegatárias de serviços públicos, que passaram a receber cobranças de IPTU.

É verdade que em decisões monocráticas e das turmas a corte vem reconhecendo — com acerto, acredita-se — a manutenção da imunidade das concessionárias quando atuando em prol da sociedade. Contudo, faz-se imprescindível uma posição do Plenário do Tribunal, para ceifar qualquer resquício de dúvida e de insegurança. E o recurso submetido pelo STJ ao supremo, isto é, o Recurso Extraordinário 1.315.581, apresenta-se como uma ótima oportunidade para que se o faça.

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