Opinião

Uma decisão sobre o país que seremos

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12 de maio de 2021, 15h48

Enquanto o mundo discute temas como inovação, sustentabilidade, bioeconomia, transparência e governança, com um olhar para o futuro, no Brasil temos o hábito de remoer e reinventar o passado, gerando incertezas jurídicas, burocracia, complexidade e insegurança para investimentos.

Poderia citar vários exemplos que ilustram essa cultura de instabilidade, mas me detenho hoje ao caso da exclusão do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) da base de cálculo do Programa de Integração Social (PIS)/ Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), cujo julgamento o Supremo Tribunal Federal pautou para o próximo dia 29. Uma questão que já está superada pelo próprio Supremo, mas que, por uma dessas idiossincrasias no nosso sistema processual, ainda não teve um desfecho e agora pode sofrer uma reviravolta.

Explico melhor. Numa discussão que já dura mais de 20 anos (desde 1998), o STF foi provocado a se manifestar sobre a constitucionalidade da cobrança de tributo sobre tributo. Em 2014, a suprema corte considerou, acertadamente, que não se pode tributar o próprio tributo, algo que parece um tanto quanto óbvio mesmo para os leigos. Com isso, os ministros determinaram a exclusão total do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins. Em 2017, em um novo processo sobre essa questão, o STF decidiu no mesmo sentido.

Para adiar os efeitos da decisão que reconheceu, há pelo menos quatro anos, que é inconstitucional a inclusão do ICMS na base das contribuições, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), sem entrar no mérito da questão — até porque sobre ele não cabe mais questionamento —, requereu, por meio de embargos declaratórios, a modulação dos efeitos da decisão, o que não tem outro objetivo, senão, tentar impedir o seu cumprimento. A PGFN, com essa estratégia, pretende que o STF reconheça que a decisão de 2017 tenha efeitos apenas após o julgamento dos embargos que interpôs, valendo-se do frágil argumento de que o seu cumprimento acarretaria grave prejuízo aos cofres públicos.

Ora, da mesma forma, a revisão da decisão de inconstitucionalidade ou sua modulação, além de gerar insegurança jurídica, provoca também enorme prejuízo para as empresas brasileiras, já fragilizadas pelas diversas crises pelas quais passou recentemente nosso país e agora pela crise provocada pelo Covid-19. Estamos falando, antes de tudo, de uma questão jurídica, do respeito ao princípios constitucionais e aos direitos dos contribuintes que foram por décadas forçados a pagar um tributo exigido ilegal e inconstitucionalmente.

Com base na decisão proferida pelo STF em 2017 e nas decisões transitadas em julgado que a seguiram, proferidas em processos individuais, parcela representativa das empresas registrou em seus balanços, de modo legítimo e em linha com as regras contábeis aplicáveis, os tributos pagos indevidamente como créditos a receber, o que que permitiu a liberação de recursos para investimentos ou, para algumas, algum fôlego para enfrentar as crises.

A modulação da decisão do STF, pela legislação brasileira, é possível para alcançar dois fins: proteger o interesse social e garantir a segurança jurídica. Nesse caso, a pretendida modulação gera efeitos exatamente contrários aos preconizados pela legislação. O entendimento sobre a matéria tem sido o mesmo há mais de 15 anos. Há quatro esperava-se que tivesse ele sido resolvido em definitivo. Insegurança jurídica haverá se se resolver limitar, agora, através da modulação, os efeitos da decisão do STF, frustrando-se o interesse legítimo dos contribuintes que por décadas lutaram contra a arbitrariedade de uma cobrança sabidamente inconstitucional de tributos.

Fica cada vez mais difícil explicar para um empresário ou um fundo internacional que pretende investir no país que, além de todos os problemas que já temos como uma educação ineficiente, infraestrutura deficiente e alta carga tributária, ainda temos de conviver com tamanha instabilidade e incerteza em decisões já proferidas por nossa Suprema Corte, ultima instância decisória deste país.

Espera-se que o Supremo não se renda ao frágil argumento do suposto prejuízo dos cofres públicos, em prejuízo da segurança jurídica e da garantia de justiça àqueles que buscaram o judiciário para reparar a inconstitucionalidade da cobrança indevida de tributos. No fundo, a decisão que o Supremo irá tomar no próximo dia 29 é sobre o país que queremos construir: uma nação que respeita as leis, entende que o desenvolvimento econômico e social tem íntima relação com o crescimento e amadurecimento das empresas. Uma nação que cumpre as decisões judiciais legitimamente proferidas baseadas no devido processo legal. Caso contrário, estamos construindo um país onde tudo é permitido, tudo é incerto e nenhuma arbitrariedade é coibida.

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