Opinião

Arbitragem tributária no Brasil: origem e aplicabilidade

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11 de maio de 2021, 17h10

Quando examinamos a arbitragem no Direito, imediatamente remetemos a sua aplicabilidade à resolução de conflitos na esfera privada como forma alternativa à via do Judiciário, como uma forma rápida, objetiva, técnica e com efeitos de decisão judicial, trazendo às partes segurança jurídica.

Assim, devido aos resultados práticos obtidos por meio da arbitragem na resolução de conflitos entre particulares, tem surgido no Brasil discussões teóricas e ainda proposta legislativa para instituir a arbitragem como forma de solução de conflitos na seara tributária [1].

Aos olhos da arrecadação, para ratificar a necessidade de tal aproximação, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio da "Justiça em Números", do Conselho Nacional de Justiça, vem trazendo de forma clara e exemplificativa dados que demonstram que as execuções fiscais não são uma opção efetiva de recuperação dos créditos tributários, face a inúmeros fatores, como por exemplo, custos necessários para sua manutenção frente à quantidade de créditos recuperados, morosidade etc.

A título de curiosidade, em 2019 as execuções fiscais representavam 39% dos casos pendentes de julgamento no Brasil, ou seja, de um total de 77,1 milhões de processos que estavam pendentes no final daquele ano, 30,2 milhões eram execuções fiscais [2]. Além disso, o tempo médio de tramitação de uma execução fiscal do início ao fim é de seis anos e sete meses, números realmente preocupantes, que mostram a recorrência da litigiosidade no país.

Nesse viés, a partir da conclusão da ineficiência do método de recuperação de crédito tributário utilizado hoje, deu-se início a um estudo a respeito dos modelos que outros países vêm adotando para tanto, e um bem interessante, que está despertando o interesse, é a arbitragem, sendo Portugal um caso que podemos adotar como parâmetro de estudo.

Similarmente ao Brasil, Portugal enfrentou gargalos bem parecidos nessa temática, como o severo congestionamento do Judiciário com questões tributárias muitas vezes simples ou com alto grau de irrecuperabilidade do crédito, de modo que se mostrou necessária a introdução de alternativa que mudasse esse cenário. Foi assim que, tendo como exemplo a arbitragem administrativa, a arbitragem tributária foi introduzida no ordenamento jurídico português por meio do Decreto-Lei nº 10/2011, de 20 de janeiro de 2011 [3], regulamentado pela Portaria nº 112-A, de 22 de março de 2011.

Com a introdução da arbitragem tributária, o governo português pretendia reforçar a tutela eficaz dos direitos e interesses legalmente protegidos dos sujeitos passivos, conferir maior celeridade na resolução dos litígios tributários e reduzir a pendência de processos nos tribunais administrativos e fiscais.

Cabe ressaltar que, paralelamente a isso, o procedimento para cobrança de créditos tributários portugueses ocorre de forma administrativa, ou seja, o contribuinte é citado para ciência do suposto débito existente perante o Fisco para que, querendo, apresente a reclamação graciosa, que nada mais é do que uma impugnação administrativa em que se averigua a liquidação do crédito, isto é, não existe a presunção de verdade pelo Fisco, sendo o crédito liquidado apenas após a apuração a respeito da sua legalidade, formalidade e quantidade.

A referida reclamação é apreciada e julgada pelo tribunal administrativo e, caso seja julgada improcedente, o contribuinte tem duas opções para prosseguir com sua contestação à liquidação: 1) apresentar impugnação judicial remetendo o processo de liquidação do crédito ao Judiciário; ou 2) invocar seu direito potestativo de discutir a liquidação perante a Câmara Arbitral.

Atualmente, a utilização da arbitragem tem se mostrado eficiente na resolução de conflitos tributários em Portugal, de acordo com números divulgados pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais que exaltam a funcionalidade do referido instrumento ao reduzir drasticamente o tempo de litígio, haja vista que, segundo o prazo estipulado por lei, a arbitragem deve durar no máximo seis meses [4], podendo ser prorrogada por igual prazo, em casos de alta complexidade. No entanto, verifica-se que a média de tempo para resolução arbitral é de quatro meses e meio.

Além disso, a partir da utilização da arbitragem como forma de resolução dos conflitos tributários houve um aumento surpreendente das decisões favoráveis aos contribuintes, chegando a impressionantes 64% de todas as decisões proferidas pelas Câmaras Arbitrais, o que se deve em parte à especialização dada às câmaras, ou seja, a depender dos tributos discutidos, os árbitros escolhidos são amplamente capacitados a respeito do assunto, trazendo ainda mais tecnicidade e segurança às decisões proferidas.

Atravessando o Oceano Atlântico e retornando às terras brasileiras, vemos projetos de lei que visam a instituir a arbitragem tributária no Brasil, destacando-se o Projeto de Lei (PL) nº 4.257/2019 [5], o qual dispõe que a cobrança dos débitos inscritos em dívida ativa será realizada extrajudicialmente, ou seja, ocorreria de forma administrativa, podendo o contribuinte optar por discutir a referida cobrança por meio da composição de uma Câmara Arbitral, similar ao que ocorre em Portugal, sendo importante ressaltar que as decisões arbitrais são irrecorríveis.

No entanto, o referido PL prevê essa possibilidade apenas para tributos incidentes sobre propriedade de bens imóveis, propriedade de veículos, dispostos nos artigo 145, incisos II e III, artigo 153, inciso IV, e artigo 156, inciso I, da Constituição Federal. Tais tributos são o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto Territorial Rural (ITR) e Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), além de incluir a cobrança de contribuições de melhoria e de taxas, previstas pelos serviços prestados pela Administração Pública.

Ademais, o referido projeto de lei afirma que caberá aos entes federativos autorizar ou não a possibilidade de resolução do litígio por meio de arbitragem, de modo que, mesmo que o PL seja aprovado e, consequentemente, exista previsão legal em âmbito federal, os demais entes terão a discricionariedade de legislar a respeito e, assim, decidir se os contribuintes poderão ou não se valer do instituto.

Conclui-se, assim, ainda que exista um relevante interesse do Estado em se aproximar e facilitar sua relação com os contribuintes  amplamente justificado por meio do relatório "Justiça em números" —, o PL mantém alguns pontos que não são saudáveis para a relação entre Fisco e contribuintes, citando como exemplo a presunção de veracidade do crédito liquidado e constituído pelo Fisco anteriormente à cobrança, ponto que poderia ser aproveitado da legislação portuguesa, na qual se dá a oportunidade de o contribuinte questionar a liquidação do crédito, participando dessa etapa e reduzindo cobranças indevidas.

Além disso, pode-se citar como sugestão de melhoria ao referido PL a expansão dos tributos discutíveis por meio da arbitragem, haja vista que a restrição imposta inicialmente não trará o almejado descongestionamento do Judiciário. Ainda, como complemento, seria de suma importância a inserção da possibilidade de discutir-se questões administrativas factuais e de simples comprovação documental, a exemplo das compensações tributárias, que poderão ser limitadas pelos seus valores  não ultrapassando cem mil salários mínimos.

Por fim, outro ponto de extrema importância para a aplicabilidade da arbitragem de forma justa e coesa se deve ao fato de ser necessário que todos os entes federativos aceitem e respeitem o direito potestativo do contribuinte de optar pela arbitragem, não podendo agir de forma discricionária, como prevê o referido PL, fato que poderia ser solucionado com a edição de lei complementar que instituísse a arbitragem a nível nacional, trazendo, assim, maior segurança jurídica a um instrumento que, quando bem usado, traz resultados relevantes e necessários para todas as partes envolvidas em países em que o Poder Judiciário está sobrecarregado, como o Brasil.

 

[1] Projeto de Lei (PL) nº 4.257/2019 – Autoria do Senador Antônio Anastasia.

[2] https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/08/WEB-V3-Justi%C3%A7a-em-N%C3%BAmeros-2020-atualizado-em-25-08-2020.pdf.

[3] https://dre.pt/web/guest/pesquisa/-/search/280904/details/normal?q=Decreto-Lei+n.%C2%BA%2010%2F2011.

[4] https://issuu.com/caad.arbitragem/docs/newsletter_caad_n1_2016.

[5] https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137914.

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