Opinião

A criminalidade agrava ou atenua a pobreza?

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11 de maio de 2021, 13h49

A resposta ao título parece óbvia. Os ambientes criminosos produzem insegurança, que desestimula os empreendimentos, que geram empregos e renda. Além disso, a violência destrói famílias, obriga jovens a abandonarem os estudos para proverem o seu sustento e traz maus exemplos de fortuna rápida e sem esforço, que enfraquecem ainda mais o ambiente escolar, já contaminado pela própria violência que o cerca.

É evidente, portanto, que a criminalidade agrava a pobreza ao produzir um círculo vicioso de destruição familiar e inviabilização da atividade econômica, que gera mais pobreza e criminalidade.

Contudo, as discussões sobre os sistemas penal e presidiário no Brasil são pautadas pelo debate sobre a origem da criminalidade, desconsiderando suas consequências. A tendência majoritária nos meios acadêmico e jornalístico é vitimizar os criminosos, considerando-os um mero produto da pobreza. Por isso, as leis penais devem ser cada vez mais frouxas, pois os criminosos não tem culpa por terem tomado esse caminho.

A falsidade desse argumento é facilmente constatável por duas comparações:

— A primeira é com os índices de violência em países muito mais pobres do que o Brasil. Enquanto o nosso, em 2020, foi de 31,1 mortes violentas por cem mil habitantes, o da África é de dez por cem mil [1].

A leitura dos gráficos demonstra que a média mundial é pouco superior a seis mortes por cem mil habitantes, estando os altos índices de violência no mundo concentrados nas Américas do Sul e Central, áreas onde prevalece a impunidade [2].

 A segunda comparação é entre a trajetória de redução da pobreza no Brasil desde a década de 1980, com o consistente aumento da criminalidade no mesmo período. 

Em 1980, o índice de mortes violentas por cem mil habitantes era de 10,69 [3]. Subiu para 15,32 a partir de 1984, exatamente o ano da aprovação da nova Lei de Execuções Penais e da nova Parte Geral do Código Penal. Essas leis aumentaram enormemente a impunidade por meio de medidas como a ampliação do livramento condicional e a criação do regime aberto de cumprimento de pena, entre outras. Desde então, o índice de mortes violentas vem aumentando, estimulado por diversas leis e uma jurisprudência que proporcionam crescente impunidade, tendo alcançado 31,1 mortes violentas por cem mil habitantes em 2018 [4].

Em sentido oposto, a pobreza no Brasil vem caindo lentamente desde 1980, mesmo com as recessões da década de 1980, de 2009/2010 e de 2015/2016. O índice de desenvolvimento humano (IDH) em 1980 era 0,545, tendo subido consistentemente até 2010, quando alcançou 0,739 [5]. A partir daí, a subida foi mais lenta, mas ainda assim chegou a 0,765 em 2020 [6].

O principal fator de redução da pobreza, apesar das mencionadas recessões e da grande desindustrialização ocorrida entre 2003 e 2018 [7], é a constante queda na natalidade. O índice era de 4,04 filhos por mulher em 1980, tendo caído para 1,73 em 2018 [8]. Quanto menor a prole, mas recursos os pais têm para ajudar os filhos e menor o impacto econômico das separações e da perda de genitores.

Voltando à discussão inicial, a pacificação e o desenvolvimento do país depende da evolução na análise das políticas públicas, o que inclui a legislação penal e o sistema presidiário. São os resultados que interessam, não as intenções ou os fundamentos alegados quando da elaboração das normas.

Em matéria penal, os números demonstram que o Brasil colheu um incontestável fracasso das alterações nas leis penais a partir da década de 1980. Esse penoso insucesso, que já ceifou a vida de milhões de brasileiros, foi alimentado por algumas lendas urbanas como a pretensa transformação de pequenos delinquentes em grandes bandidos em razão do convívio presidiário.

Essa ingênua afirmação desconsidera que, mesmo soltos, bandidos convivem com bandidos e evoluem diariamente enquanto não são presos. Também não leva em conta que ninguém fica preso no Brasil antes de cometer muitos crimes, o que já ocorria, em menor escala, antes das desastrosas mudanças penais das décadas de 80 e 90.

Precisamos interromper o ciclo vicioso de aumento da criminalidade, o que depende de uma mudança efetiva na legislação penal, associada ao investimento na estrutura presidiária. Ainda que jamais alcancemos um consenso sobre as causas da criminalidade, é inegável que suas consequências são desastrosas, especialmente para os mais pobres, e precisam ser prontamente enfrentadas.

 


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