Opinião

A ênfase no planejamento na nova Lei de Licitações

Autor

  • Alcindo Antonio Amorim B. Belo

    é advogado pós-graduado em Administração Pública e em Controle Externo pela Faculdade de Ciências da Administração e Direito da Universidade de Pernambuco (Fcap/UPE) e auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE).

11 de maio de 2021, 7h13

O recente marco legal para licitações e contratos preconiza uma série de preceitos visando a aprimorar o planejamento na consecução de políticas públicas. Destacou-se, inclusive, como um dos princípios elementares que os gestores devem observar. Assim, comenta-se brevemente essas profícuas proposições advindas da Lei 14.133, de 1/4/2021.

De salientar haver fundadas críticas ao novel diploma legal, a exemplo de disciplinar com maior foco licitações e contratos de grande vulto e complexidade, de provável incidência no âmbito da Administração Pública federal, que dispõe de pessoal qualificado, orçamento estimado sigiloso, entre outras, conforme com propriedade discorre Adilson de Abreu Dallari.

A licitação, anota-se, representa um conjunto de procedimentos que, respeitando a isonomia, visa a uma melhor contratação para o atendimento do interesse público. No entanto, o histórico do país, no quesito administração e numa das funções básicas, planejar, revela que a precariedade nesse imprescindível aspecto gera elevados desperdícios de recursos públicos, inalterando o patamar de desenvolvimento sócio econômico, um dos objetivos fundamentais do país. Interessante notar, assim, que a precária gestão no poder público constitui a principal causa do deficiente planejamento e perda de recursos.

Por esse espectro, pode-se mencionar como exemplo emblemático as obras públicas. Uma auditoria operacional do TCU, Acórdão 1.079/2019 — Plenário, sobre mais de 30 mil obras com recursos federais constatou como paralisadas ou inacabadas mais de 30%, destacando como fatores preponderantes a contratação com base em projeto básico deficiente, insuficiência de recursos financeiros de contrapartida e dificuldade de gestão dos recursos recebidos.

Nos países com maior grau de desenvolvimento, por outro ângulo, planejar de forma adequada representa a maior parte dos esforços e tempo, o que eleva o nível de precisão do que se planeja e diminui riscos de intercorrências que interfiram e até prejudiquem a execução, bem como de corrupção à medida que se detalham de forma transparente todas as etapas que resultaram no contrato e realização de despesas.

Por conseguinte, há muito se fazem necessárias disposições e a adoção de medidas para que os entes da federação sigam a regra geral de efetuar um efetivo planejamento, que, expressamente pela nova lei, deve contemplar o orçamento — que o legislador ordinário buscou efetivar os orçamentos como instrumento de planejamento e controle, e não apenas previsões formais de receitas e despesas —, o Plano Anual de Contratações definido por cada unidade gestora, o edital — a partir de demandas internas e se definindo referências detalhadas do objeto e do orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação —, e haver a contratação do fornecimento de bens e serviços, acompanhando-se devidamente a execução.

Vale se reportar a algumas preceitos desse novo regime jurídico:

"Artigo 12  (…)
VII – a partir de documentos de formalização de demandas, os órgãos responsáveis pelo planejamento de cada ente federativo poderão, na forma de regulamento, elaborar plano de contratações anual, com o objetivo de racionalizar as contratações dos órgãos e entidades sob sua competência, garantir o alinhamento com o seu planejamento estratégico e subsidiar a elaboração das respectivas leis orçamentárias.
§1º. O plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput deste artigo deverá ser divulgado e mantido à disposição do público em sítio eletrônico oficial e será observado pelo ente federativo na realização de licitações e na execução dos contratos.
(…)
Artigo 17 
O processo de licitação observará as seguintes fases, em sequência:
I – preparatória;
II – de divulgação do edital de licitação;
(…)
Artigo 18 
A fase preparatória do processo licitatório é caracterizada pelo planejamento e deve compatibilizar-se com o plano de contratações anual de que trata o inciso VII do caput do art. 12 desta Lei, sempre que elaborado, e com as leis orçamentárias, bem como abordar todas as considerações técnicas, mercadológicas e de gestão que podem interferir na contratação, compreendidos:
I – a descrição da necessidade da contratação fundamentada em estudo técnico preliminar que caracterize o interesse público envolvido;
II – a definição do objeto para o atendimento da necessidade, por meio de termo de referência, anteprojeto, projeto básico ou projeto executivo, conforme o caso;
III – a definição das condições de execução e pagamento, das garantias exigidas e ofertadas e das condições de recebimento;
IV – o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação;
V – a elaboração do edital de licitação;
(…)
Artigo 19
— Os órgãos da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos deverão:
I – instituir instrumentos que permitam, preferencialmente, a centralização dos procedimentos de aquisição e contratação de bens e serviços;
II – criar catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, admitida a adoção do catálogo do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
III – instituir sistema informatizado de acompanhamento de obras, inclusive com recursos de imagem e vídeo;
IV – instituir, com auxílio dos órgãos de assessoramento jurídico e de controle interno, modelos de minutas de editais, de termos de referência, de contratos padronizados e de outros documentos, admitida a adoção das minutas do Poder Executivo federal por todos os entes federativos;
V – promover a adoção gradativa de tecnologias e processos integrados que permitam a criação, a utilização e a atualização de modelos digitais de obras e serviços de engenharia".

Importante frisar ainda que se previu no artigo 19, antes exposto, o catálogo eletrônico de compras, obras e serviços, o que permite, por meio de sistema central em ambiente informatizado, padronizar e simplificar aquisições a partir da definição dos itens que se adquire.

Portanto, esses desideratos da lei no plano deontológico, ideal, definem balizas para que os gestores públicos implementem uma administração dos recursos do povo de modo racional e mais econômico e, assim, apenas realizar a contratação que resultará em despesas quando houver prévia dotação orçamentária, compatibilidade com plano anual de contratações, bem como apropriada fase preparatória do certame, com os elementos necessários e fidedignos do objeto e modo de execução.

Recomendável, entretanto, precaução quanto à eficácia das inovações legais, porquanto constituem um desafio e se precisa de capacitação de pessoal e adesão de todos que integram a Administração Pública.

Vale se referir às reflexões de Tatiana Camarão sobre aspectos da lei:

"(…) O fato das contratações serem marcadas pela patente falta de planejamento, acabando por gerar uma desordem na arquitetura das demandas, prejudicando a efetividade das ações governamentais e o interesse público, anseio último das contratações.
O estímulo ao planejamento como alicerce das contratações exige que os órgãos identifiquem a necessidade da contratação e como ela se adequa ao mercado, às novas tecnologias e ao ciclo orçamentário. São vários os procedimentos que podem ser implementados nesta etapa das contratações públicas. (…)
O Plano Anual de Contratações é um documento que consolida todas as contratações que o órgão ou entidade pretende realizar ou prorrogar no exercício financeiro subsequente, inclusive renovações. Sua produção se dá pela observação e encaminhamento, pelas unidades administrativas, das suas demandas de contratações para o setor de compras devido, o qual consolidará as informações e enviará para aprovação da autoridade competente da organização. A divulgação do plano na internet (…) permitirá o acompanhamento da sua execução para correção de desvios. (…)
O plano anual permite, ainda, que os órgãos e entidades públicas planejem suas ações, conectando-as às diretrizes do seu planejamento estratégico. Aliás, grande parte das organizações públicas não consegue fazer com que a gestão estratégica aconteça como instrumento efetivo para geração de resultados. Como já salientou o ministro Bruno Dantas do TCU, no Acórdão nº 588/2018-Plenário, "tem-se o risco de que a estratégia não passe de 'pedaços de papel'".

Desse modo, com o advento do novo código dos certames e contratações, pode-se de modo progressivo aprimorar o poder público por meio, entre outras medidas, de um planejamento adequado, o que aumenta a probabilidade da aplicação dos recursos públicos efetivamente suprir as demandas coletivas.

 

Referências bibliográficas
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1998. Brasil, Congresso Nacional, [1988]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso 5/5/21.

BRASIL, Lei 14.133, de 01 de abril 2020. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14133.htm>. Acesso em 30/4/21

DALLARI, Adilson de Abreu. Análise crítica das licitações na Lei 14.133/21. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2021-abr-29/interesse-publico-analise-critica-licitacoes-lei-1413321>. Acesso em 30/4/21.

TCU. AUDITORIA OPERACIONAL. Acórdão 1079/2019 – Plenário. Disponível: <https://portal.tcu.gov.br/imprensa/noticias/obras-paralisadas-no-pais-causas-e-solucoes.htm>. Acesso em 5/5/21

CAMARÃO, Tatiana. O PL nº 1292/95 e a importância do planejamento das contratações. Disponível em: <http://www.novaleilicitacao.com.br/2019/11/04/o-pl-no-1292-95-e-a-importancia-do-planejamento-das-contratacoes/>. Acesso em 30/4/21

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