Opinião

Arbitragem institucional ou ad hoc: a melhor opção para a Administração

Autor

  • Gustavo da Rocha Schmidt

    é professor da FGV Direito Rio presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR) doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio master of laws pela New York University of Law mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio advogado sócio fundador de Schmidt Lourenço & Kingston — Advogados Associados procurador do município do Rio de Janeiro e ex-presidente da Comissão de Arbitragem dos Brics da OAB Federal.

9 de maio de 2021, 11h14

A teor do artigo 5º da Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem), "reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem".

A esse propósito, esclarece Joaquim de Paiva Muniz que "as arbitragens podem ser processadas perante uma entidade administradora pré-constituída (rectius, arbitragem institucional ou administrada) ou por um árbitro ou painel de árbitros nomeados exclusivamente para aquele fim, sem a administração de qualquer entidade (i.e, arbitragem ad hoc ou avulsa)" [1].

A arbitragem institucional é flagrantemente mais apropriada para dirimir os conflitos que tenham o poder público como parte. Não é sem razão que o artigo 4º da Lei Mineira de Arbitragem (Lei nº 19.477/2011, do Estado de Minas Gerais) já há muito estabelece que "o juízo arbitral, para os fins desta Lei, instituir-se-á exclusivamente por meio de órgão arbitral institucional". Em termos idênticos, o artigo 2º do Decreto nº 46.245/2018, do Estado do Rio de Janeiro informa que a "arbitragem instituir-se-á exclusivamente por meio de órgão arbitral institucional". Ao passo que o artigo 3º, V, do Decreto federal nº 10.025/2019 dispõe que "a arbitragem será, preferencialmente, institucional" e, na mesma linha, o artigo 3º do Decreto nº 64.356/2019, do estado de São Paulo, prescreve que a "arbitragem será preferencialmente institucional, podendo, justificadamente, ser constituída arbitragem ad hoc".

Ana Lucia Pereira enumera alguns dos problemas que podem surgir em função da opção pela arbitragem ad hoc [2]: 1) a necessidade de se ter um "secretário", selecionado de comum acordo pelas partes, que ficará responsável "pelo encaminhamento das comunicações, pelo arquivo do procedimento, pelo saneamento da arbitragem, de modo que esta possa se desenvolver normalmente, sem nenhum incidente de percurso"; 2) a negociação dos honorários dos árbitros diretamente pelas partes, sem o órgão institucional arbitral para intermediá-la e sem os parâmetros estabelecidos pelas respectivas tabelas de honorários; 3) a definição da forma como serão custeadas e pagas as despesas com a arbitragem, como a locação de espaços e equipamentos para a audiência, estenotipia, gravação dos depoimentos etc.; 4) a importância de se inserir, no contrato administrativo, cláusula compromissória cheia, com a indicação detalhada dos procedimentos a serem seguidos para a instauração da arbitragem, com a indicação de prazos e os critérios para a nomeação de árbitros, dentre outros; e 5) a ausência de procedimento disciplinando a forma de substituição dos árbitros, em caso de impedimento, incapacidade ou morte.

Tudo isso resulta em um procedimento bem mais moroso, juridicamente inseguro e com risco real e efetivo de desafogar no Judiciário, a fim de que possam ser resolvidas eventuais divergências a respeito da instauração da arbitragem ad hoc e da formação do tribunal arbitral. Basta pensar em um caso em que o requerido, para protelar o procedimento arbitral, recuse-se a indicar o seu coárbitro, ou ainda que se negue a pagar as despesas com a arbitragem e os honorários dos árbitros. É possível vislumbrar, também, situação hipotética (mas realista) em que os coárbitros não consigam chegar a um consenso a respeito do presidente do tribunal arbitral. A solução de tais questões vai exigir o ajuizamento da ação de cumprimento prevista no artigo 7º da Lei de Arbitragem, recaindo sobre o Poder Judiciário a responsabilidade por dirimir o conflito. Com isso, desaparecem (ao menos em parte) os benefícios inerentes à adoção da via arbitral.

O modelo institucional minimiza as chances de o procedimento arbitral desaguar na esfera judicial. Nele, compete às câmaras (órgãos arbitrais institucionais), na forma dos respectivos regulamentos, a tomada de tais decisões (e tantas outras indispensáveis ao salutar desenrolar da arbitragem quanto a: nomeação, confirmação, impugnação e substituição dos árbitros; fixação do valor dos honorários correspondentes; verificação quanto a existência prima facie de jurisdição arbitral; e, até mesmo, extensão subjetiva da cláusula compromissória a partes não indicadas e/ou terceiros etc.) [3].

A instituição arbitral nada mais é do que um prestador de serviços, numa relação envolvendo a Administração Pública. Ainda assim, não há que se falar em prévia licitação para a contratação dos serviços a serem executados. A dificuldade, aqui, reside em definir critérios que permitam medir a competitividade entre os eventuais interessados em prestar os serviços de gestão de procedimentos arbitrais. O preço é um fator importante, sem sombra de dúvida. Assim como o é a qualidade técnica dos serviços a serem prestados. Poder-se-ia supor, à vista disso, que o melhor modelo, para a contratação de instituição arbitral, seria a realização de licitação do tipo "técnica e preço", na forma do artigo 33, III, da Lei de Licitações.

Ocorre que é virtualmente impossível definir critérios objetivos que sirvam para medir, tecnicamente, a melhor proposta. A atuação das instituições arbitrais engloba não apenas a prestação de serviços de secretaria, semelhantes (em termos, evidentemente) aos de um cartório judicial, mas em especial  e o que é mais importante  a tomada de decisões nos procedimentos arbitrais, com a assessoria de arbitralistas altamente qualificados, especialistas no Direito Arbitral e conhecedores das melhores práticas nacionais e internacionais, de sorte a assegurar que a arbitragem tenha regular processamento. Nesse sentido, incide na hipótese a regra do artigo 74, caput e inciso III, da Lei nº 14.133/2021 [4], ficando autorizada a contratação direta, por inexigibilidade de licitação, de entidade com notória especialização na gestão de procedimentos arbitrais, comprovada pela anterior e adequada prestação dos serviços respectivos, conforme exigência contida no §3º do referido dispositivo legal [5].

Nada obstante, ainda que seja aqui inviável medir a competitividade, o fato é que existem no Brasil algumas (ainda que poucas) instituições arbitrais com notória experiência e especialização na gestão de procedimentos arbitrais. Assim, uma alternativa interessante para fomentar a "competição" entre elas na prestação de tais serviços é a utilização da figura do credenciamento, prevista no artigo 79 da nova Lei de Licitações. Todas as entidades que atendam às exigências mínimas estabelecidas pelo Poder Executivo, em ato regulamentar, podem postular o seu credenciamento [6]. A escolha da instituição arbitral, entretanto, não poderá ficar a critério da Administração Pública. A indicação da câmara de arbitragem, entre aquelas que obtiverem o credenciamento, deve ficar a cargo do particular [7].

Evidentemente, as exigências impostas para o credenciamento têm de se limitar ao mínimo absolutamente necessário para salvaguardar a qualidade dos serviços a serem prestados e a idoneidade da instituição arbitral. Exigências excessivas e desarrazoadas são incompatíveis com os princípios administrativos da impessoalidade e da competividade. Podem servir, muito ao contrário, para indevidamente direcionar a contratação de determinada entidade, em prejuízo dos legítimos interesses dos litigantes, que, em tais circunstâncias, têm usurpada a prerrogativa de escolher a instituição arbitral que melhor lhes convêm, levando em consideração as taxas cobradas e a qualidade dos serviços prestados.

De mais a mais, os requisitos e condições para o credenciamento devem estar previstos em regulamento editado pela Administração Pública. A Lei Mineira de Arbitragem, por exemplo, exige que a entidade arbitral atenda às seguintes exigências, para que possa funcionar nos litígios envolvendo a Administração Pública estadual: 1) que tenha sede, preferencialmente, no estado de Minas Gerais; 2) que esteja regularmente constituída há pelo menos três anos; 3) que esteja em funcionamento como instituição arbitral; 4) que tenha como fundadora, associada ou mantenedora entidade que exerça atividade de interesse coletivo; e 5) que tenha reconhecida idoneidade, competência e experiência na administração de procedimentos arbitrais [8].

Muito equilibrada, outrossim, é a disciplina contida no artigo 14 do Decreto nº 46.245/2018 do estado do Rio de Janeiro, cujo teor é o seguinte:

"Artigo 14  O órgão arbitral institucional, nacional ou estrangeiro, deverá ser previamente cadastrado junto ao Estado do Rio de Janeiro e atender aos seguintes requisitos:
I
 disponibilidade de representação no Estado do Rio de Janeiro;
II
 estar regularmente constituído há, pelo menos, cinco anos;
III
 estar em regular funcionamento como instituição arbitral;
IV
 ter reconhecida idoneidade, competência e experiência na administração de procedimentos arbitrais, com a comprovação na condução de, no mínimo, quinze arbitragens no ano calendário anterior ao cadastramento.
§1º  Caberá à Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro cadastrar os órgãos arbitrais institucionais, observados os requisitos previstos neste artigo.
§2º  O cadastramento a que se refere o caput não se sujeita a prazo certo e determinado, podendo qualquer órgão arbitral institucional, a qualquer tempo, postular o seu cadastramento perante o Estado do Rio de Janeiro.
§3º
 Considera-se representação a existência de local apropriado, que funcione como protocolo para recebimento de peças e documentos da arbitragem.
§4º
 A disponibilidade da representação compreende o oferecimento, sem custo adicional para as partes, dos serviços operacionais necessários para o regular desenvolvimento da arbitragem, tais como local para realização de audiências, e secretariado".

Não há  reconheça-se  uma fórmula aprioristicamente correta para tratamento do tema. É possível, todavia, indicar desde logo alguns parâmetros mínimos a serem observados nos atos que regulamentem o credenciamento de instituições arbitrais para a gestão de conflitos envolvendo o poder público. Com efeito, é indispensável que se exija da entidade a comprovação de prévia e efetiva experiência na gestão de procedimentos arbitrais. Fundamental também é que a instituição arbitral possua a infraestrutura necessária para a gestão de procedimentos arbitrais, como sala de audiência com a tecnologia necessária e salas de apoio para testemunhas e peritos. Não há espaço aqui para aventureiros e nem principiantes. A dimensão econômica dos litígios que desaguam em uma arbitragem e o interesse público envolvido nas causas que envolvem a Administração Pública não permitem que se coloque em risco o bom e regular andamento do procedimento arbitral, com a escolha de uma entidade incapaz de prestar os serviços correlatos.


[1] MUNIZ, Joaquim de Paiva. Curso de direito arbitral: aspectos práticos do procedimento, 2ª ed. (rev. e amp.), Curitiba: CRV, 2014, p. 64.

[2] PEREIRA, Ana Lucia. A função das entidades arbitrais. In: Manual de arbitragem para advogados, CEMCA/CFOAB, 2015, p. 88.

[3] MUNIZ, Joaquim de Paiva, op. cit., p. 64.

[4] "artigo 74. É inexigível a licitação quando inviável a competição, em especial nos casos de: (…) III – contratação dos seguintes serviços técnicos especializados de natureza predominantemente intelectual com profissionais ou empresas de notória especialização".

[5] "§3º Para fins do disposto no inciso III do caput deste artigo, considera-se de notória especialização o profissional ou a empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato".

[6] Foi a solução adotada pelo artigo 10 do Decreto Federal nº 10.025/2019: "artigo 10. O credenciamento da câmara arbitral será realizado pela Advocacia-Geral da União e dependerá do atendimento aos seguintes requisitos mínimos: I – estar em funcionamento regular como câmara arbitral há, no mínimo, três anos; II – ter reconhecidas idoneidade, competência e experiência na condução de procedimentos arbitrais; e III – possuir regulamento próprio, disponível em língua portuguesa. §1º O credenciamento de que trata o caput consiste em cadastro das câmaras arbitrais para eventual indicação futura em convenções de arbitragem e não caracteriza vínculo contratual entre o Poder Público e as câmaras arbitrais credenciadas. §2º A Advocacia-Geral da União disciplinará a forma de comprovação dos requisitos estabelecidos no caput e poderá estabelecer outros para o credenciamento das câmaras arbitrais."

[7] A propósito da figura do credenciamento, leciona Marçal Justen Filho o seguinte: "Note-se que a Administração não impõe aos particulares a escolha do profissional a ser consultado. Nada impede que um profissional credenciado seja o único escolhido por todos os beneficiários e que outros não sejam procurados por quem quer que seja. Nas situações de credenciamento, verifica-se inexigibilidade de licitação, em virtude de inviabilidade de competição, que se verifica por dois fundamentos. Por um lado, há ausência de excludência entre os possíveis interessados. Por outro, a escolha do particular a ser contratado depende de critérios variáveis e insuscetíveis de uma comparação objetiva" (JUSTEN FILHO. Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 15ª ed., São Paulo: Dialética, 2012, p. 49).

[8] "artigo 10. A câmara arbitral escolhida para compor litígio será preferencialmente a que tenha sede no Estado e deverá atender ao seguinte: I – estar regularmente constituída por, pelo menos, três anos; II – estar em regular funcionamento como instituição arbitral; III – ter como fundadora, associada ou mantenedora entidade que exerça atividade de interesse coletivo; IV – ter reconhecida idoneidade, competência e experiência na administração de procedimentos arbitrais.
§1° As intimações relativas à sentença arbitral e aos demais atos do processo serão feitas na forma estabelecida pelas partes ou no regulamento da instituição arbitral responsável pela administração do procedimento
."

Autores

  • é advogado, presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) e da Revista Brasileira de Alternative Dispute Resolution (RBADR), professor da FGV Direito Rio, doutorando em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, master of laws pela New York University of Law, mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, sócio fundador de Schmidt, Lourenço & Kingston - Advogados Associados, procurador do Município do Rio de Janeiro e presidente da Comissão de Arbitragem dos Brics da OAB Federal.

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