Durante muito tempo, qualquer processo judicial que tramitasse no Brasil, muitos com temas idênticos ou relevância limitada ao caso concreto, poderia chegar ao Supremo Tribunal Federal. Mas a partir do instituto da repercussão geral (RG), delimitou-se ao STF o julgamento de temas em recursos extraordinários com questões relevantes sob o aspecto econômico, político, social ou jurídico e que ultrapassem os interesses subjetivos da causa. Isso gerou uma diminuição gradual do acervo recursal e permitiu que a corte se dedicasse cada vez mais a atuar na vocação constitucional.
O RG foi criado na chamada Reforma do Judiciário e instituído em 2007, na gestão da ministra Ellen Gracie. Com ele, estabeleceu-se o efeito multiplicador, que permitiu que os ministros formulassem teses para serem aplicadas em casos semelhantes nas instâncias de origem.
Atualmente, 1.146 teses foram ou estão sendo analisadas. Em 370 delas, o reconhecimento de repercussão geral foi negado, o que torna os demais tribunais competentes para decidirem a questão.
"O Supremo hoje é um Tribunal diferente de antes da RG, quando ocupava seu tempo com a repetição de milhares de decisões. Agora, quando os ministros julgam um tema, fica estabelecida uma complementação no próprio ordenamento jurídico, que deve passar a seguir o entendimento da corte", diz Marcelo Marchiori, secretário de Gestão de Precedentes (SPR) do STF.
A repercussão geral é um procedimento de admissibilidade, ou seja, o recurso é avaliado quanto ao reconhecimento ou não desse requisito, e caso reconhecido há a possibilidade de todos os processos em trâmite nos tribunais do país com temas semelhantes ficarem suspensos, aguardando o julgamento do mérito no STF. Os ministros analisam e votam sobre a tese a ser fixada, que é aplicada nas demais instâncias.
Com a implementação da RG em 2007, os processos em tramitação na corte diminuíram cerca de 80%. A quantidade de processos recursais era próxima de 120 mil naquele ano e chegou a pouco mais de 13 mil no final de 2020 — pela primeira vez, uma tramitação menor em relação de processos recursais em relação aos originários.
Dentre os casos de maior impacto estão o Tema 810 da RG, sobre a validade da correção monetária e dos juros de mora em condenações impostas à Fazenda Pública, no qual o ministro Luiz Fux unificou o referencial de correção para processos contra a União
Houve também o Tema 203, no qual o ministro Ricardo Lewandowski julgou constitucional o uso de ações afirmativas e o sistema de reserva de vagas por cotas por critério étnico-racial na seleção para ingresso no ensino superior.
Mais recentemente, no Tema 1.103, o ministro Luís Roberto Barroso relatou caso sobre a obrigatoriedade de vacinação em crianças sem violação à liberdade de consciência ou convicção filosófica dos pais ou responsáveis.
A RG vem se aperfeiçoando constantemente, com alterações Regimento Interno do STF e no Código de Processo Civil. Marcelo lembra da possibilidade de reafirmação de julgamento, quando uma tese é adotada com base na jurisprudência da Corte sobre o tema, permitindo aplicação imediata no tribunal de origem, além da permissão para julgamento de mérito de RG em sessões virtuais.
O Plenário virtual para análise do requisito da repercussão geral debate semanalmente questões importantes para a sociedade e permite que os ministros registrem seu posicionamento sobre a admissibilidade de recursos e assim desloquem para outra etapa o julgamento dos processos que tenham repercussão geral reconhecida. Com ele, o STF também pôde organizar processos
"As decisões do STF em processos com potencial de aplicação a centenas ou a milhares de casos exigem iniciativas administrativas para a ampla e específica divulgação desses precedentes para que a informação chegue a todos da forma mais clara possível", destaca Marcelo. Com informações da assessoria do STF.