Opinião

A insegurança jurídica na incidência tributária retroativa sobre terço de férias

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8 de maio de 2021, 11h09

O Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual encerrada em 31/8/2020, surpreendentemente concluiu a apreciação do Tema nº 985 da repercussão geral para considerar "legítima a incidência da contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias", contrariando, assim, a jurisprudência pacificada há mais de dez anos pelo Superior Tribunal de Justiça e pelos Tribunais Regionais Federais.

Os rumos começaram a mudar quando, de forma inesperada, o STF, por apertada maioria (cinco a quatro), entendeu que a discussão relativa à incidência da contribuição previdenciária sobre o terço constitucional de férias possuía controvérsia constitucional a ser enfrentada mediante deliberação pelo Plenário.

Logo de início, a afetação da matéria causou enorme estranheza perante os contribuintes, pois, em casos análogos, o próprio Supremo Tribunal Federal entendeu pela inexistência de repercussão geral da questão constitucional quanto a não incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos nos 15 primeiros dias que antecedem o auxílio-doença (RE nº 611.505/SC) e, ainda, que a análise da natureza jurídica (indenizatória e/ou remuneratória) da verba recebida pelo empregado para aferição da incidência da referida contribuição também não ostentava repercussão geral (ARE nº 1.260.750/RJ).

Igualmente, também no âmbito do STF, inúmeras decisões monocráticas foram proferidas por diversos ministros [1], os quais, reiteradamente, deixaram de enfrentar a controvérsia constitucional acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos empregados a título de terço constitucional de férias, sob o argumento de que a incompatibilidade com o texto constitucional demandaria a análise da legislação infraconstitucional, de modo a prevalecer o entendimento do STJ.

A submissão do tema à sistemática da repercussão geral (22/2/2018) alterou, de forma efetiva, o andamento de inúmeros processos nos cinco Tribunais Regionais Federais, os quais possuíam decisões judiciais favoráveis a não incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de terço constitucional de férias, pois, em cumprimento ao artigo 1.030, inciso III, do CPC/2015, passaram a ficar sobrestados até pronunciamento final sobre a matéria no STF.

Nesse contexto, ao iniciar o julgamento sobre o mérito da matéria, o sucinto voto do ministro Marco Aurélio (de apenas quatro laudas), alterou abruptamente a jurisprudência de todos os tribunais pátrios e do STJ para admitir a incidência da contribuição previdenciária em questão sob o fundamento, em síntese, de que "ante a habitualidade e o caráter remuneratório da totalidade do que percebido no mês de gozo das férias, é devida a contribuição".

Ora, em nenhum momento o STF poderia ter desconsiderado o fato de que de que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça [2] havia pacificado o entendimento, sob a sistemática do artigo 543-C do CPC/1973, no sentido de ser descabida a incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos empregados a título de terço constitucional de férias (REsp nº 1.230.957/RS, julgado em 26/2/2014, DJe 18/3/2014), ou seja, prevalecia a jurisprudência firmada sobre a matéria há mais de dez anos, que foi abruptamente alterada pelo STF, em flagrante ofensa à segurança jurídica e ao dever se estabilidade das decisões dos tribunais.

Não se pode olvidar que a inesperada alteração da jurisprudência acerca da incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos empregados a título de terço constitucional de férias poderá ensejar a "modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica" (artigo 927, § 3º do CPC/2015), com a finalidade para que a decisão somente opere efeitos "partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado" (artigo 27, da Lei nº 9.868/1999), motivo pelo qual foram opostos embargos de declaração pelas partes (e inclusive pelo próprio MPF) para apreciação dessa relevante questão.

Os embargos de declaração em questão foram incluídos em pauta virtual do último dia 26 de março, com o voto do relator ministro Marco Aurélio pela rejeição do recurso. Em seguida, o ministro Roberto Barroso, o qual, em outro caso, sinalizou que "em matéria tributária, mudança de jurisprudência consolidada equivale à criação de um novo tributo" (RE nº 593.849/MG), abriu divergência para acolher os embargos de declaração dos contribuintes, com o objetivo de atribuir efeitos "ex nunc ao acórdão de mérito, a contar da publicação de sua ata de julgamento, ressalvadas as contribuições já pagas e não impugnadas judicialmente até essa mesma data, que não serão devolvidas pela União", contudo, o julgamento foi estranhamente interrompido pelo pedido de vista do ministro Luiz Fux e, por enquanto, não há previsão de prosseguimento do julgamento.

Na hipótese de não prevalecer o voto do ministro Roberto Barroso (favorável à modulação), inúmeros contribuintes que, amparados em decisões judiciais, deixaram de computar na base de cálculo da contribuição previdenciária os valores pagos a título de terço constitucional de férias, deverão pagar ou depositar judicialmente os montantes não recolhidos das referidas contribuições para afastar os efeitos da multa de mora ou, caso contrário, a cobrança certamente seguirá para a via da execução fiscal, aumentando ainda mais a litigiosidade existente no âmbito do Poder Judiciário.

Neste momento de grave crise econômica nacional, decorrente da retração da atividade empresarial, o Supremo Tribunal Federal contribuirá para amenizar os nefastos impactos econômicos decorrentes da pandemia da Covid-19 se, evidentemente, modular os efeitos da decisão quanto à incidência da contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de terço constitucional de férias, nos termos do acertado voto divergente do ministro Roberto Barroso.

 


[1] Neste exato sentido, as decisões proferidas pelos ministros Edson Fachin: ARE nº 954.317, DJe 21.03.2016; ARE nº 962.270, DJe 04.05.2016; ARE nº 969.461, DJe 27.05.2016; ARE nº 972.062, DJe 15.06.2016; ARE nº 972.432, DJe 23.06.2016; ARE nº 973.762, DJe 23.06.2016; ARE nº 981.778, DJe 05.08.2016; ARE nº 1.073.802, DJe 25.10.2017; RE nº 944.020, Dje 04.02.2016; RE nº 949.275, DJe 03.03.2016; RE nº 960.556, DJe 21.06.2016; RE nº 967.314, DJe 06.05.2016; RE nº 1.011.020, DJe 20.02.2017; RE nº 1.01.3951, DJe 01.02.2017; RE nº 1.020.275, DJe 20.02.2017; e ARE nº 1.017.500, DJe 20/02/2017; Roberto Barroso: ARE nº 927.918, DJe 30.11.2015; ARE nº 968.110, DJe 01.08.2016; RE nº 822.762, DJe 17.11.2014; RE nº 862.855, DJe 26.03.2015; RE nº 869.484, DJe 25.03.2015; RE nº 908.812, DJe 11.09.2015; RE nº 908.949, DJe 02.09-.2016; RE nº 927.760, DJe 23.11.2015; RE nº 956.964, DJe 14.04.2016; e RE nº 1.093.388, DJe 01.02.2018; ALEXANDRE DE MORAES: RE nº 1.007.212, DJe 30/11/2017; e RE nº 1.011.818, DJe 30/11/2017 e da ministroa ROSA WEBER: RE nº 1.040.122, DJe 31.05.2017.

[2] Reiterando a jurisprudência de ambas as Turmas de Direito Público – AgRg no AI nº 1.239.115/DF, publicado em 30.03.2010; AgRg nos EDcl no AgRg no Res p nº 1.156.962/SP, publicado em 16.08.2010; AgRg nos EDcl no REsp nº 1.095.831/PR, publicado em 01.07.2010, dentre outros.

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