Reflexões Trabalhistas

A noção de categoria profissional diferenciada

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7 de maio de 2021, 8h01

Nesta semana decidi publicar novamente um artigo que publiquei no dia 25/9/2015, há quase seis anos.

E assim deliberei porque se trata de um tema que foi objeto de acórdão da lavra do saudoso amigo e colega ministro Walmir Oliveira da Costa, que há poucos dias faleceu precocemente, vítima da Covid-19.

A tristeza que provoca em todos nós a morte do amigo Walmir é enorme. Pessoa bondosa, dedicada à família e aos amigos, não descuidava um instante de seus compromissos profissionais, desempenhando o cargo de ministro do Tribunal Superior do Trabalho com toda competência e afinco, assim como atuava no magistério e nas letras jurídicas.

Certa vez, quando minha filha mais nova, Ruth, tinha sete anos, ocorreu a morte trágica, por acidente de automóvel, de um amigo de meu filho mais velho, Paulo José, que tinha 17.

Uma tarde, estando no carro só minha filha e eu, ela, do alto de seus sete anos, disse: "Morrer não é coisa pra velho?".

Eu respondi que sim, pois o normal é que as pessoas mais velhas morram antes dos mais novos.

Então, disse ela: "Por que o José Paulo, amigo do meu irmão, morreu?".

A única resposta que me veio à cabeça naquele difícil instante, diante da pergunta séria de uma menina de sete anos, foi:

"As pessoas quando morrem vão para o céu, certo? Pois imagine que no céu só houvesse velhinhos e velhinhas… Iria ser muito desanimado, né? Então, de vez em quando Deus convoca uma criança, um jovem, ou um moço para ir mais cedo ao céu, para animar a convivência por lá…".

Foi o suficiente para ela dar-se por satisfeita e mudar de assunto.

Pois é, para mim essa é a explicação para a morte precoce do Walmir. Ir para o céu alegrar o pessoal de lá e fazer companhia para o ministro José Luciano, que chegou lá faz pouco tempo e está precisando de boas companhias.

Que Deus continue a cuidar bem deles.  

E lá vai o artigo, como singela homenagem ao ministro Walmir:

"A 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, em recente acórdão cujo relator foi o ministro Walmir Oliveira da Costa, rejeitou agravo de instrumento da empresa reclamada, considerando os engenheiros da Petrobrás integrantes de categoria profissional diferenciada, mantendo decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, que determinou à empresa o recolhimento da contribuição sindical em favor do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Espírito Santo (Senge/ES). 

De acordo com o ministro Walmir Oliveira, segundo o sítio do Tribunal Superior do Trabalho, 'a decisão do TRT está em conformidade com a legislação pertinente (artigos 511, parágrafo 3º, e 579 da CLT e 1º da Lei 7.316/85). O ministro explicou que o critério para o enquadramento sindical é a atividade preponderante da empresa — exploração e distribuição de petróleo, no caso da Petrobras. A exceção é feita aos integrantes de categorias diferenciadas, por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares'.

Asseverou o relator que o quadro de atividades e profissões (artigo 577 da CLT) não enquadra os engenheiros como categoria profissional diferenciada, mas como profissionais liberais, integrantes da Confederação Nacional das Profissões Liberais. Contudo, os engenheiros, regidos por estatuto profissional especial (Lei 4.950-A/66), equiparam-se à categoria profissional diferenciada, conforme a Lei 7.316/85. 'Logo, a contribuição sindical ser recolhida em favor da entidade sindical representativa da respectiva categoria profissional — no caso, o Sindicato dos Engenheiros do Estado'.

Trata-se de importante decisão do Tribunal Superior do Trabalho, pois decorre da melhor interpretação da vocação primeira da estrutura sindical brasileira. Com efeito, não obstante a Consolidação das Leis do Trabalho em seu artigo 511, §4º, reconheça a associação em sindicato de atividades idênticas, similares e conexas, o objetivo maior é a constituição de sindicatos  fundados na identidade de condições de vida profissional, pois aí a representação sindical é mais autêntica.

Consoante já afirmamos: '…Em nosso ordenamento, a regra primeira para o reconhecimento de um sindicato profissional é a identidade de funções, e, não se verificando o requisito da especificidade de categoria, supletivamente o legislador permite a formação do sindicato por atividades similares ou conexas, como decorre do texto expresso do artigo 570 e parágrafo único, da CLT. Vemos, pois, que a similaridade e conexidade de atividades sempre serviram como formas alternativas à identidade, como critérios para a formação primeira de sindicatos.
Tanto assim é que o artigo seguinte da CLT, artigo 571, prevê expressamente que qualquer das atividades ou profissões, concentradas na formado parágrafo único do artigo anterior, poderá dissociar-se do sindicato principal, formando um sindicato específico.  É válido então afirmar que a vocação da organização sindical entre nós, compartimentada pelo Estado, é a de que tal organização evolua, formando-se tantos sindicatos quanto sejam as atividades idênticas, na medida em que vão se tornando atividades profissionais diferenciadas, desmembrando-se do sindicato de origem.
Isto significa, como já afirmamos, que o sindicato profissional no Brasil constitui-se a partir da identidade de funções de seus integrantes e, em consequência, quando determinada porção dos associados desejar desvincular-se do sindicato originário, buscando uma representação mais eficiente, tal fato poderá ocorrer, desde que o novo grupo seja constituído de exercentes de atividades específicas entre si, ou, no caso de categoria diferenciada, quando a atividade vier a ser regulada por lei, ensejando criação de sindicato próprio'.

Com efeito, a categoria profissional diferenciada decorre da existência de estatuto profissional próprio ou de condições de vida profissional singulares, que resultam na especificidade da atividade desenvolvida por aqueles que desempenham determinado mister.

Assim, reconhece o Poder Judiciário tanto a legitimidade do sindicato profissional que representa atividades similares ou conexas, quanto a legalidade do desmembramento de sindicato pré-existente, para a formação de nova entidade sindical representativa de categoria única, que se apresenta como categoria diferenciada, a fim de aperfeiçoar a representação dos integrantes da nova entidade.

Amauri Mascaro Nascimento, a propósito do tema da especificidade das categorias profissionais e sua representação, afirma: 'No Brasil, denominam-se sindicatos de categoria diferenciada. Os exercentes da profissão formam, com a criação do sindicato, uma categoria própria. Farão parte não do sindicato representativo de todos os trabalhadores do setor econômico da empresa, mas do sindicato da profissão que agrupa todos os que a exercem, independentemente da natureza do setor produtivo em que o façam. Assim, para fins de sindicalização, prepondera a profissão e não a atividade econômica da empresa'. (Amauri Mascaro Nascimento, Compêndio de Direito Sindical, LTR, SP, 4ª ed., 2005, p.181 e segs.).

Trata-se da evolução da estrutura sindical no Brasil, passando do sindicato de categorias idênticas, similares ou conexas, para o sindicato de profissão, regulamentada legalmente, em muitos casos. Prossegue afirmando o autor: 'Inúmeras profissões no Brasil organizaram-se em sindicatos de categorias diferenciadas: atividades técnicas, intelectuais, artísticas, de saúde, das quais são exemplos: aeronautas, aeroviários, agenciadores de publicidade, artistas…'. E adiante complementa: 'Os convênios coletivos dos sindicatos por profissão prevalecem sobre os gerais da empresa, e, estes, a menos que recebam adesão do sindicato por profissão, não se aplicam aos empregados, na empresa, da profissão organizada em sindicato'.

Nessa mesma situação jurídica, a guisa de exemplo, enquadram-se os delegados de Polícia Civil, que constituem uma categoria profissional diferenciada, a exemplo das categorias acima referidas.

E assim podemos afirmar com base no artigo 144, §4º, da Constituição Federal, no artigo 4º do Código de Processo Penal, que atribuem ao delegado de Polícia a direção da Polícia Civil, distinguindo-os dos demais policiais civis, que a eles se subordinam hierarquicamente.

Ademais, a categoria tem lei própria a regular sua atividade — Lei 12.830/13 — que constitui seu estatuto profissional. Reafirmam a especificidade da carreira as leis nº 11.340/06 (Lei Maria da Penha); nº 11.343 (Sistema Nacional de Política Públicas sobre Drogas) e 12.850/13, (organização criminosa), que compõem o arcabouço da atuação funcional da categoria dos Delegados de Polícia Civil.

Toda esta fundamentação legal está a demonstrar a especificidade das atribuições do delegado de Polícia, o que significa constituírem uma categoria profissional diferenciada, quer diante da singularidade das atividades desenvolvidas, quer diante da existência de estatuto legal próprio.

Eis a demonstração do acerto da decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região, reconhecendo a condição de categoria diferenciada dos engenheiros da empresa Petrobrás, mantida pelo acórdão do ministro Walmir Oliveira da Costa, da 1ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, no sentido da prevalência da representação sindical de categoria diferenciada sobre os sindicatos que congregam atividades idênticas, similares e conexas".

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