Licitações e Contratos

A Lei 14.133/2021 e a prioridade judicial das licitações

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

7 de maio de 2021, 8h01

Com o advento da Lei nº 14.133/2021, no mês passado, entrou em vigor a nova redação conferida pelo artigo 177 daquele diploma legal ao artigo 1.048 do Código de Processo Civil, que passou a contar com a seguinte regra em seu inciso IV:

"Artigo 1.048. Terão prioridade de tramitação, em qualquer juízo ou tribunal, os procedimentos judiciais:
(…)
IV – em que se discuta a aplicação do disposto nas normas gerais de licitação e contratação a que se refere o inciso XXVII do caput do art. 22 da Constituição Federal"

Spacca
Note-se que, ao contrário dos incisos de prioridades para idoso, criança e adolescente e pessoa vítima de violência doméstica, agora surgiu uma regra vinculada, especificamente, à matéria, não à pessoa.

E hoje as petições dos advogados da área privada, pelos licitantes e contratados, bem como as petições dos procuradores dos entes federais, estaduais, distritais e municipais, em temas ligados à Lei nº 8.666/93 (Lei Geral de Licitações), à Lei nº 10.520/2002 (Pregão), à Lei nº 12.462/2011 (RDC), à Lei nº 8.987/95 (Concessões e Permissões), à Lei nº 11.079/2004 (PPP), à própria Lei nº 14/133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos) e todas as demais ligadas a normas gerais de licitações e contratos, já podem conter pedidos de prioridade aos magistrados.

Deve-se lembrar que todos os tribunais do Brasil, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, há anos firmaram entendimento, pelas regras processuais, no sentido de que cada parte deve requerer em suas petições a referida prioridade, sendo essa, dentro de sistemas como p PJe, lançada nos campos específicos, que precisam assim ser selecionados, até para a classificação por ordem cronológica de processos nos gabinetes dos magistrados.

Agora surge um desafio urgente ao Conselho Nacional de Justiça, que trabalhou na organização de métodos para que aquelas preferências ligadas a idosos, crianças, adolescentes e pessoas vítimas de violência doméstica fossem viáveis dentro dos mecanismos de processo eletrônico.

Desafio porque a lei, cuja tramitação parlamentar estava lenta, mas passou a se destravar com rapidez ao apagar das luzes de 2020, agora chegou de forma um tanto inesperada, sem que os tribunais brasileiros estivessem preparados para essa mudança em massa nos sistemas e até nas listas atuais dos processos, da ordem cronológica de cada magistrado.

Resumindo: lei processual civil já aplicável, mas sistemas não adaptados, o que demandará uma urgente mobilização para os ajustes necessários, que começam, como de outras vezes, por uma resolução do Conselho Nacional de Justiça para padronização nos sistemas.

Ocorre que, independentemente da adaptação dos sistemas, de fato e de direito, já existe a regra com vigência para dar prioridade aos processos judiciais e cabe a cada advogado, desde logo, fazer seus pleitos, em processos antigos ou novos, porque esses pedidos são justificados até pelas razões de edição da norma:

1) a grande maioria de processos judiciais em licitações tem vida útil limitada às liminares ou tutelas de urgência, com base nas quais licitantes chegam a executar até 60 meses de contrato original e seus aditivos de prorrogação, enquanto os processos judiciais que tratam das licitações não alcançam solução em tempo hábil;
2) no caso de mandado de segurança, uma parte considerável chega a um ponto que tem decisão de arquivamento por perda de objeto, em especial, porque os contratos já foram até concluídos por outras empresas, sendo que uma parte delas nem poderia ter alçado determinadas posições, enquanto outras teriam direito legítimo ao contrato mas caem em situação de pregão travado na Justiça por 8 anos, o que leva, posteriormente, à revogação administrativa por circunstâncias supervenientes, porque a Administração foi forçada a pensar em novos processos licitatórios para não ficar sem determinado serviço ou produto (uma forma reflexa de terminar afastando a garantia do acesso ao Judiciário, do artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal);

3) causas de complexas e com danosas repercussões envolvem paralisação de obras públicas, que depois não podem ser mais retomadas até por questões de abandono e deterioração de estruturas essenciais, além dos prejuízos de ordem financeira e orçamentária;

4) contratos para fins de serviços e bens essenciais, para suprir saúde e vida de pessoas, ficam alguns cerca de 10 (dez) anos em litígio judicial, se considerados todos os recursos possíveis, sendo de atentar para as repercussões em situações como de uma licitação de marcapasso ou de solução utilizada para o transplante de órgãos humanos ou para hemoderivados esperando quase uma década para solução em via judicial;

5) ainda a ilustrar são ações populares e ações civis públicas ligadas a licitações e contratos que, pelo decurso do tempo, acabam com solução quase impossível, valendo isso para ambos os lados;

6) não se pode esquecer, ainda, dos casos de empresas sancionadas até como inidôneas para licitar e contratar com a Administração Pública, mas que permanecem por anos e anos ainda nas licitações, ocorrendo também o inverso, de uma empresa banida injustamente, que fica anos em litígio para restabelecer sua condição de apta a licitar e contratar; e

7) também, milhares de empresas fornecedoras de entes públicos fecham as portas por não recebimento de valores altíssimos de pagamentos de faturas pelos entes públicos, enquanto suas causas ligadas a “cobrança” recebem decisão interlocutória que se vincula ao artigo 100 da Constituição Federal, que trata de precatório, enquanto nem mesmo suportam chegar ao momento de inclusão em precatório, o que será a confirmação de sua sentença de morte, sendo esse um dos mais significativos riscos, com atraso antes e depois do ponto de entrar uma demanda em precatório.

Enfim, para o real exercício da garantia da inafastabilidade do Judiciário, para todas as partes, sejam de área privada, sejam de entes públicos, dentro da avaliação dos efeitos práticos dos atos e decisões a serem tomadas, como determina o artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, a nova lei veio estabelecer regra de eficiência e eficácia para que o mundo das licitações e contratos administrativos não continue orbitando em torno de liminares e tutelas de urgência, com situações não resolvidas por anos e anos, até se tornarem sem solução efetiva.

Cabe agora a todos os operadores do direito e tomadores de decisão no Judiciário impulsionarem o destravamento dessa regra, de imediato, vez que é regra vigente dentro do texto do Código de Processo Civil.

Autores

  • Brave

    é advogado, especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público e Compliance Regulatório. Sócio de Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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