Opinião

O sistema de registro de preços e a nova Lei de Licitações

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6 de maio de 2021, 6h05

A licitação é um conjunto de atos praticados pela Administração Pública que visa à melhor contratação perante o interesse público, a fim de contratar para prestação de serviços, fornecimento de bens, realização de obras e etc. Ao lado da licitação temos os procedimentos auxiliares que não são entendidos como licitação, de acordo com o termo propriamente dito, mas, sim, ferramentas que viabilizam escolher um fornecedor para uma futura contratação.

Diferentemente das licitações que visam a selecionar um fornecedor para contratação, o sistema de registro de preços, nos termos do Decreto nº 7.892/2013, é um "conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens, para contratações futuras".

O sistema de registro de preços atualmente está previsto no Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) Lei 12.462/2011, na Lei 8.666/1993, na Lei 10.520/2002 e a na Lei 13.302/2016.

A Lei 12.462/2011 estabelece que existem cinco procedimentos auxiliares nas licitações públicas e estes visam a selecionar um potencial fornecedor, no caso do registro de preços que será abordado neste artigo, selecionará o potencial fornecedor ou prestador de serviços que será contratado, se necessário, através da ata de registro de preços.

A Lei n° 14.133, de 1º de abril deste ano, a nova Lei de Licitações, sancionada pelo presidente e que entrou em vigor a partir da sua publicação, irá revogar os dispositivos da Lei nº 12.462/2011 (RDC) e as Leis 8.666/1993 e 10.520/2002 no prazo de dois anos após a sua vigência.

A nova legislação trará no Capítulo X os instrumentos auxiliares, incluirá a modalidade de diálogo competitivo, presente em legislações internacionais, que permitirá que o gestor converse com os possíveis fornecedores, para buscar a melhor solução para suas necessidades. Por outro lado, excluirá o convite e a tomada de preços, que eram modalidades pouco utilizadas, mas irá manter o sistema de registro de preços, agora presente no artigo 78, inciso IV da nova Lei de Licitações.

Tecendo comentários iniciais sobre a nova legislação, vamos começar falando sobre o alcance e abrangência do sistema de registro de preços previsto na nova Lei de Licitações e, na sequência, apontaremos as principais inovações da nova lei,

A Lei 12.462/2011 do RDC estabelece no artigo 32 que o "Sistema de Registro de Preços poderá ser aderido qualquer órgão ou entidade responsável pela execução das atividades contempladas no artigo 1º da respectiva lei".

Com o advento da nova Lei de Licitações, a redação foi mais detalhista e extensa, mas em sua essência não mudará a abrangência da norma, senão vejamos:

"Artigo 1º  Esta lei estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e abrange:
I – os órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal e os órgãos do Poder Legislativo dos Municípios, quando no desempenho de função administrativa;
II – os fundos especiais e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela Administração Pública".

Podemos observar que o artigo 1º, §1º, da nova Lei de Licitações dá destaque à exclusão expressa da abrangência da lei para as sociedades de economia mista, que continuarão sendo regidas por legislação própria. Portanto, o texto legal reitera o que estava previsto na lei do RDC, não alterando a abrangência da norma.

O artigo 18, inciso IV, da nova Lei de Licitações estabelece que na fase preparatória do processo licitatório deverá seguir as leis orçamentárias e deverá haver o orçamento estimado, com as composições dos preços utilizados para sua formação.

Já no artigo 24 da nova Lei de Licitações há possibilidade de haver orçamento estimado sigiloso, desde que haja justificativa, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas, no entanto, para licitação em que for adotado o critério de julgamento por maior desconto, o preço estimado ou o máximo aceitável constará no edital da licitação.

Mas tivemos uma mudança significativa no que tange à formação do valor previamente estimado da contratação no sistema de registro de preços. A nova Lei de Licitações inova ao detalhar no artigo 23 a forma de apurar o valor estimado da contratação, o que em tese irá impedir que a Administração Pública injustificadamente deixe de apurar a efetiva realidade do mercado.

O artigo 23, inciso II, da nova Lei de Licitações estabelece que para apuração do valor estimado poderão serem utilizadas "contratações similares feitas pela Administração Pública, em execução ou concluídas no período de 1 (um) ano anterior à data da pesquisa de preços, inclusive mediante sistema de registro de preços, observado o índice de atualização de preços correspondente".

Houve uma lacuna no que se refere ao índice de atualização de preços correspondente, pois abre margem para que a Administração Pública aplique um índice menor, que fuja da realidade dos contratados e da indústria para itens de maior complexidade de fabricação e tenhamos uma sequência de editais impugnados e medidas judiciais, o que poderia gerar um atraso nas contratações, tendo em vista que a tendência de seguir a economicidade está enraizada na Administração Pública.

Em um breve exercício, podemos usar como exemplo o registro de preços que busque a compra de refrigeradores para armazenamento de vacinas. Esse item é vendido no território nacional, mas o valor muda drasticamente de um ano para o outro sob influência do mercado, com a escassez ou disponibilidade de peças importadas, o preço do aço e outros itens. Caso fosse aplicado em 2020, o índice do INPC sobre o valor de um produto adquirido registrado em 2019, teríamos um valor defasado que não refletiria a realidade do mercado, pois a crise econômica mundial causada pela Covid-19 atingiu diversos mercados, inclusive do aço e da importação.

A expectativa é que, com a utilização da nova legislação e os problemas advindos das lacunas, estes sejam superados com jurisprudência ou pareceres técnicos, assim aconteceu com a Lei 8.666/1993.

No artigo 82, §5º, da nova Lei de Licitações existe uma nova previsão, fixando que o sistema de registro de preços poderá ser usado para a contratação de bens e serviços, inclusive de obras e serviços de engenharia, desde que siga algumas condições fixadas em lei.

"Artigo 82  O edital de licitação para registro de preços observará as regras gerais desta Lei e deverá dispor sobre:
(…)
I – realização prévia de ampla pesquisa de mercado;
II – seleção de acordo com os procedimentos previstos em regulamento;
III – desenvolvimento obrigatório de rotina de controle;
IV – atualização periódica dos preços registrados;
V – definição do período de validade do registro de preços;
VI – inclusão, em ata de registro de preços, do licitante que aceitar cotar os bens ou serviços em preços iguais aos do licitante vencedor na sequência de classificação da licitação e inclusão do licitante que mantiver sua proposta original".

Esta é uma alteração significativa, tendo em vista que a Lei 12.462/2011 (RDC) não possuía previsão expressa da aplicação do sistema de registro de preços para obras e serviços de engenharia e não havia um posicionamento jurisprudencial pacífico para utilização do sistema de para essa finalidade.

Vejamos que o TCU já decidiu no Acórdão 296/07 no sentido de que não há amparo legal para adoção do sistema de registro de preços para contratação de obras. Já no Acórdão 3605/2014 o TCU decidiu que somente serviços comuns, mais simples e rotineiros relacionados, por exemplo aqueles de manutenção e a conservação de instalações prediais, serão passíveis de contratação por meio do sistema de registro de preços.

Além disso, foi publicado em dezembro de 2020 o Acórdão nº 3143/2020 do TCU, referente ao registro de preços para contratação de obras e serviços de engenharia, que decidiu que não pode ser utilizado apenas para contratações do tipo guarda-chuva, com objeto incerto e indefinido, sem a prévia realização dos projetos básicos e executivos das intervenções a serem realizadas, ratificando, assim, o posicionamento mais recente do Tribunal de Contas da União.

Já o STJ, no ROMS 15647, decidiu que "o regime de licitações por registro de preços foi ampliado pelos Decretos Regulamentadores 3.931/2001 e 4.342/2002, sendo extensivo não só a compras, mas a serviços e obras".

Podemos observar que a nova Lei de Licitações passou a regulamentar o posicionamento de parte da doutrina e da jurisprudência do TCU em vários aspectos, inclusive nesse ponto que sanou uma lacuna existente há anos, definindo a abrangência da norma para obras e serviços de engenharia.

A nova Lei de Licitações, no artigo 82, §3º, e seus respectivos incisos, também trouxe a possibilidade da utilização do registro de preços com indicação limitada de unidades de contratação, sem indicação do total a ser adquirido, quando for a primeira licitação para o objeto e o órgão ou entidade não tiver registro de demandas anteriores; no caso de alimento perecível; e no caso em que o serviço estiver integrado ao fornecimento de bens. Em contrapartida, é obrigatória a indicação do valor máximo da despesa e é vedada a participação de outro órgão ou entidade na ata, ou seja, não poderá haver "carona".

Uma das novidades da nova lei é a previsão dos modos de disputa nas licitações: modo aberto e modo fechado. Os dois modos de disputa poderão ser utilizados de forma isolada ou conjuntamente.

A utilização isolada dos modos de disputa possui exceções: para a disputa no modo fechado será vedada caso sejam adotados os critérios de julgamento de menor preço ou de maior desconto, nos termos do artigo 56, §1º, da nova Lei de Licitações; e para a disputa no modo aberto será vedada quando adotado o critério de julgamento de técnica e preço, conforme estabelece o artigo 56, §2º, da nova Lei de Licitações.

O modo aberto nada mais que o é que o randômico, com lances públicos e sucessivos, crescentes ou decrescentes, conhecidos no âmbito da licitação; e no modo fechado a proposta ficará em sigilo até a data e hora designadas para sua divulgação.

Cabe lembrar que a utilização da modalidade de pregão eletrônico, prevista no Decreto nº 10.024/2019, continua sendo obrigatória para os órgãos da Administração Pública federal direta, as autarquias, as fundações e os fundos especiais para a aquisição de bens e para a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e não haverá alteração nesse sentido. Também estão abrangidos pela obrigatoriedade os estados e os municípios que operam convênios com a União ou recebam transferências voluntárias do governo federal.

O artigo 83 da nova Lei de Licitações estabelece apenas que "a existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada".

O dispositivo supracitado exclui o direito de preferência previsto no artigo 15, §4º, da Lei 8.666/1993, assim como o artigo 32, §3º, da Lei 12.462/2011 prevê que ainda que não fossem obrigatórias contratações decorrentes de preços registrados, podendo serem utilizados outros meios previstos na Lei 8.666/1993, é assegurado ao beneficiário do registro preferência em igualdade de condições perante demais interessados.

Na prática, havia a recomendação de que a Administração Pública, caso seja realizada uma licitação para a aquisição do mesmo bem com preço registrado e que esta resultasse em preço inferior, caberia à Administração consultar o beneficiário do registro de preços, para que este tivesse a oportunidade de reduzir o seu preço, tendo em vista a preferência no fornecimento.

A mudança na legislação exclui o respectivo benefício de preferência para o fornecimento, decorrente do preço registrado na ata de registro de preços.

Com o advento da nova lei foram iniciados os estudos mais aprofundados tanto pelos órgãos e entes públicos quanto pelos administradores do Direito. Sabemos que algumas mudanças geram dúvidas sobre a interpretação da norma e que torcemos para que sejam sanadas através de pareceres dos órgãos de controle.

O que podemos concluir é que, assim como um bom contrato não pode prever todas as possibilidades, mesmo com a melhor redação possível, a legislação não poderá abranger todos os temas e situações existentes durante a aplicação da lei. O que caberá a todos é serenidade e consciência de que embora as mudanças causem temor, estas são parentes do Direito e suas visitas são essenciais para a boa administração da Justiça.

Autores

  • Brave

    é advogada do setor automobilístico, com atuação no Consultivo e Contencioso Estratégico Cível e Administrativo, graduada em Direito pela Universidade São Judas Tadeu e pós-graduada em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Damásio.

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