Escritos de Mulher

Considerações sobre o Tribunal do Júri

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5 de maio de 2021, 8h01

Já dizia Roberto Lyra, proeminente jurista pátrio, atuante no Rio de Janeiro como promotor público (era assim que se chamavam os membros do Ministério Público anteriormente à Constituição de 1988), que "o júri não é instituição de caridade, mas de Justiça. Não enxuga lágrimas integradas ao passivo do crime, mas o sangue derramado da sociedade".

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A instituição do júri tem adeptos e opositores. Sua extinção já foi defendida tempos atrás, porém, atualmente não se fala mais nisso, senão em aperfeiçoar o seu funcionamento, com o que havemos de concordar, pois se trata de uma forma democrática de julgamento.

O berço da instituição, em seu formato atual, foi a Inglaterra, em 1215, mas a nomeação de jurados já existia anteriormente no direito processual romano. Nos Estados Unidos, os julgamentos considerados de maior relevância são sempre levados a júri popular, não importando se a esfera é criminal ou cível.

No Brasil, o júri somente se presta a julgar os crimes dolosos contra a vida (homicídio doloso, feminicídio, infanticídio, participação em suicídio e aborto) consumados ou tentados, sendo que os demais delitos previstos no Código Penal e no restante da legislação criminal são julgados em primeiro grau por juiz(a) singular togado(a).

A última modificação que ocorreu no país sobre o rito do júri foi em 2008, tendo sido eliminada a apresentação do libelo crime acusatório, mas mantendo-se as duas fases processuais que até o momento vigoram, a judicium acusationis (admissibilidade da acusação) e a judicium causae (decisão sobre a causa). Após a primeira fase, o(a) magistrado(a) decide sobre a pronúncia ou a impronúncia ou a absolvição sumária ou, ainda, sobre a desclassificação do delito. O novo procedimento também inverteu a ordem de oitiva do réu, que passou a ser ouvido por último.

No presente momento, temos novas mudanças à vista. Tramita no Congresso Nacional projeto de lei que altera as disposições relativas aos crimes dolosos contra a vida, tendo em vista a grande insatisfação da população com as incríveis demoras e "chicanas" que tumultuam o andamento dos processos afetos ao júri. Há feitos que chegam a levar 15 anos à espera de julgamento final pelo júri. A reforma em curso deve trazer também a simplificação dos quesitos aos quais os jurados respondem. Tratando-se de juízes leigos, deverão se manifestar dizendo "condeno" ou "absolvo" (sem ter de se justificar), após confirmarem a autoria e a materialidade do crime.

Outro problema a ser enfrentado e solucionado de vez é o abandono do plenário do júri pelo acusador ou pelo defensor, a fim de postergar uma possível decisão desfavorável aos respectivos interesses. Tal expediente vem sendo utilizado, no mais das vezes, pelos defensores que buscam protelar a decisão final, uma vez que o acusado apresente grandes chances de terminar condenado. No entanto, o combate à mencionada situação "inesperada" pela Justiça exigirá a presença de outro defensor, familiarizado com a causa a ser discutida no plenário, pronto a substituir o advogado que abandonar o cliente de modo injustificável. Da mesma forma, serão necessários dois representantes do Ministério Público no local, a fim de que, se um deles ficar impossibilitado de realizar a sessão, outro o substituirá.

Importa lembrar que o Ministério Público não é obrigado a pedir a condenação sempre. Se houver dúvida relevante sobre a autoria do delito ou mesmo sobre a ocorrência do crime, o representante do Parquet pode e deve pedir absolvição, sem prejuízo para a sociedade. Da mesma forma, já observava Roberto Lyra, em seus julgamentos: "Não sou máquina de acusar. Sob esta beca, palpita um coração" (A paixão no banco dos réus, pg. 201, LNE, Saraiva, 9ª Ed). Sobre o mesmo assunto, Flávio Tribuzy afirmou que "o Ministério Público é, sim, o fiscal da Lei, defensor da sociedade e, por isso, deve e pode, por dever de consciência e também funcional, pedir a absolvição do acusado, sempre que a isso levem as provas dos autos" ("Tribunal do Júri em linguagem popular", Manaus, Imprensa Oficial, 1987). E podemos acrescentar que, no momento político, social e jurídico em que vivemos no país, muito necessário se faz relembrar tais preciosos conceitos. Tanto no júri como em qualquer outra atividade jurisdicional sobre a qual se debrucem os membros de nossas instituições, o que importa é agir com equilíbrio, responsabilidade e imparcialidade, nunca sob a prevalência da vaidade ou da busca pelo estrelismo.

Por fim, releva observar que nosso sistema de Justiça referente ao Tribunal do Júri, em vários aspectos, diverge do rito americano. Não raramente, testemunhas, réus ou curiosos(as) indagam da necessidade de fazer um juramento sobre a Bíblia antes de prestar depoimento. Tais questionamentos apenas comprovam quão distantes estão os/as brasileiros/as da realização da Justiça em nosso país. Da mesma forma, filmes e novelas nacionais imitam o ritual americano nas telas, no intuito de mostrar um julgamento, quando a nossa realidade é completamente outra. Assim, vamos perpetuando a imitação do inexistente em nosso universo jurídico, bem como aumentando o desconhecimento do que é a nossa Justiça.

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