"Tô nem aí pra isso"

Defesa diz que juiz afastado não quis minimizar Lei Maria da Penha

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5 de maio de 2021, 16h47

Na sessão em que o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu, por unanimidade, pela instauração de um procedimento administrativo disciplinar contra o juiz Rodrigo de Azevedo Costa por ter minimizado a Lei Maria da Penha durante uma audiência, a defesa do magistrado apresentou, pela primeira vez, sua versão dos fatos.

Jorge Rozenberg
TJ-SPTJ-SP instaurou PAD contra juiz que disse "não estar nem aí para Maria da Penha"

O advogado Júlio César de Macedo afirmou que não houve misoginia nem desrespeito à lei por parte do juiz, que disse "não estar nem aí para Maria da Penha". Segundo Macedo, a fala foi tirada de contexto e se deu em uma audiência delicada, que durou mais três horas, envolvendo as visitas de um pai às duas filhas menores. 

"O magistrado procurava deixar claro para as partes que, ali, o que se discutiria era apenas a visita regular do pai às filhas. Ele buscou delimitar o campo da discussão, que seria apenas as visitas, e não eventuais medidas protetivas a favor da mãe. Essa manifestação mais contundente é porque ele estava sensível a todo o bojo processual produzido", afirmou o advogado.

De acordo com Macedo, a expressão do magistrado foi dita em um momento de muita discussão na audiência, em que o membro do Ministério Público sequer conseguia se manifestar: "Ele usou dessa expressão, talvez equivocada, mas não suficiente para instaurar um processo administrativo disciplinar." Porém, em votação unânime, a defesa prévia foi rejeitada e o PAD foi instaurado.

Voto do relator
O corregedor-geral da Justiça de São Paulo, desembargador Ricardo Anafe, proferiu um longo voto e detalhou todas as falas do juiz que foram consideradas "desproporcionais" em três audiências. Anafe destacou, entre outros, o comportamento agressivo e destemperado, emprego de linguajar inadequado para um juiz em audiência, expressões chulas, incapacidade de ouvir as partes, e tendência de expressar juízo pessoal de valor como se fossem verdades absolutas.

"Do juiz se espera uma conduta muito reta, serena, prudente, sendo esse um dos ônus da nobre função por ele exercida. São elementos essenciais para preservar o decoro da instituição", afirmou. Ele disse que as referências de Costa a seu próprio divórcio e a relação com os filhos menores foram "absolutamente surreais", além de criticar a declaração do juiz de que seu salário seria o mesmo se proferisse "10, 100 ou nenhuma sentença por mês".

Anafe também falou em "falta de serenidade" e destacou o tratamento mais severo do juiz com relação às mulheres, sejam partes ou advogadas. "Embora se reconheça o esforço do magistrado em obter a conciliação, também se observa posturas inadequadas e que não condizem com a carreira da magistratura", completou o corregedor.

Afastamento cautelar
Ao propor o afastamento cautelar do magistrado, o presidente da Corte, desembargador Geraldo Pinheiro Franco, citou a falta de cortesia, as reações agressivas e desproporcionais, a falta de paciência e o uso de linguagem baixa para um magistrado em ato público. "Em quase 41 anos de magistratura, nunca tinha presenciado um fato dessa gravidade", disse.

Para o presidente, o magistrado não tem condições de seguir atuando, mesmo que já tenha sido removido da Vara da Família: "Ele destrata a todos, tem uma postura inadequada, para dizer o mínimo, destrói a imagem do Judiciário e tem uma conduta repreensível em suas ações. Esse magistrado não pode permanecer na jurisdição."

A proposta de Pinheiro Franco foi aprovada por maioria de votos, com duras críticas à conduta de Costa. "Esse processo causou um desconforto terrível. A falta de equilíbrio do magistrado para conduzir a audiência é gritante. Foi um show de horror comportamental", afirmou o desembargador Luís Soares de Mello, vice-presidente do TJ-SP.

O desembargador Ferraz de Arruda disse que o Órgão Especial deve dar uma resposta à "conduta autoritária" do juiz não só às partes envolvidas nas audiências, como à sociedade em geral. O desembargador Moreira Viegas classificou a situação de absurda: "É inaceitável que um magistrado adote esse tipo de postura."

O desembargador Aguilar Cortez, que já foi juiz de Vara de Família, se disse envergonhado com a conduta de Costa. "Quem buscou justiça, encontrou injustiça, falta de educação, arrogância", disse. Para o desembargador Alex Zilenovski, o juiz se colocou diante das pessoas "como se lembrasse Luís XIV".

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