Opinião

Alesp e Conanda flertam com usurpação autoritária da educação das crianças

Autor

  • Marco Antônio Sabino

    é membro do Conselho da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral) head de Mídia e Internet do Mannrich e Vasconcelos Advogados professor da FIA e do IBMEC e autor de "Publicidade e Liberdade de Expressão: a defesa do direito de anunciar".

4 de maio de 2021, 12h08

Não teve vida longa na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a rapidez de pauta do Projeto de Lei 504, de 2020, que proibia no Estado de São Paulo qualquer publicidade que contivesse alusão a orientações sexuais e movimentos sobre diversidade sexual relacionados a crianças. Após a ruidosa manifestação de empresas, entidades civis e acadêmicos, de urgente o PL passou a integrar uma das pautas das comissões temáticas da casa. Na prática isso significa que não há previsão de quando retornará à votação no Plenário.

Com isso, de alguma forma quebra-se a tese contida no PL de que, supostamente, defendia os interesses da família e das crianças, transferindo para o Estado a condição de tutela e de educador.

Engana-se, contudo, quem acredita que a guerra está ganha. Essa foi a vitória em uma batalha representativa para quem, entre outras causas, defende a igualdade e a liberdade de expressão. Mesmo derrotada, a tese do PL ainda convive com seus filhotes que causam arrepios à Constituição Federal.

Um desses cacarecos é a inconstitucional Resolução nº 163/14, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), que teve mote similar ao do PL paulista: cuidar dos interesses da família e das crianças, transferindo para o Estado a condição de tutela e de educador, com, na prática, a proibição de publicidade de bens consumidos por crianças. A velha e altiva ideia das propostas é a mesma: preservar os os filhos das mensagens a respeito do "imperfeito" mundo que está à volta — e dentro — delas.

A iniciativa do Projeto de Lei 504 era parcial e havia alguns recortes. Já a resolução, contra tudo e contra todos, proíbe totalmente a publicidade de produtos e serviços consumidos por crianças. O pior é que, turbinada pelos seus defensores, gera até hoje desvios incalculáveis no mercado, prejudicando consideravelmente os produtores de conteúdo para esse público.

Sem dúvida ambas atacam a liberdade de expressão e, portanto, são instrumentos de censura. Sem tirar nem por. Querem controlar conteúdo e, em última análise, é censura. Sem justa causa sequer, frise-se: a propaganda não é um milionésimo das causas dos males do mundo.

Soma-se à tese da censura a incompetência do Conanda para regular o tema. O Conanda é um órgão consultivo que integra a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Não tem competência autorizada pela Constituição, já que só o Congresso pode dispor sobre propaganda, tampouco pela lei que o instituiu. 

Na sua resolução, o Conanda chega ao ponto de proibir a participação de crianças — e muito menos cores — em comunicação mercadológica. Para o órgão federal, não existem crianças nas famílias hétero e homoafetivas.

Divergindo do Conanda, com razão, defensores da liberdade com responsabilidade, como o Conselho Nacional Autorregulamentação Publicitária (Conar), há anos vêm melhorando a publicidade brasileira, tornando-a mais ética e adequada à tutela de crianças e adolescentes.

A Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral) se manifestou no caso do projeto de lei e entende que também no posicionamento do Conanda, além de qualquer iniciativa no sentido de proibir a propaganda, já que tal é capaz de ferir o dispositivo constitucional que trata da liberdade de expressão das comunicações. No caso do PL ainda havia o agravante de seu anacronismo, já que a diversidade hoje é regra.

Alesp e Conanda flertam com uma perigosa usurpação autoritária da autodeterminação de pais na educação de seus filhos e na liberdade de educação e de direção da família. O que aconteceu na Alesp é uma vitória, mas ainda há uma longa jornada de que não podemos descuidar.

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    é membro do Conselho da Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens (Abral), head de Mídia e Internet do Mannrich e Vasconcelos Advogados, professor da FIA e do IBMEC e autor de "Publicidade e Liberdade de Expressão: a defesa do direito de anunciar".

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