Opinião

Medidas exacionais e antiexacionais: muito além das conveniências classificatórias

Autor

  • Paulo Cesar Conrado

    é juiz federal em São Paulo professor do Curso de Especialização do Ibet professor e coordenador do curso e do grupo de estudos do "Processo tributário analítico" do Ibet e professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito-SP.

4 de maio de 2021, 9h13

A compreensão da dicotomia "medidas processuais exacionais" e "medidas processuais antiexacionais" vai muito além das categorizações academicistas. Ousaríamos dizer, aliás, que nem mesmo a ideia de que "classificações não são certas nem erradas, senão úteis ou inúteis" nos seria de interesse.

O reconhecimento de que o processo tributário, em inafastável perspectiva instrumental, serve à composição de dissídios em torno da exigibilidade de obrigações daquele timbre (o tributário) nos dá conta de que duas seriam, em suma, as manifestações litigiosas nesse campo. Nada relacionado a classificações de conveniência, mas, sim, um retrato do efetivo campo de possibilidades que a processualidade tributária desafia.

As manifestações exacionais, primeira dessas possibilidades, são as demandadas por provocação do Fisco, partindo da premissa de que crédito posto não foi adimplido. Falamos de dissídio fincado na ideia de inadimplemento (usássemos o vocabulário da processualística comum, diríamos: a causa de pedir próxima nessas medidas seria o estado de inadimplemento afirmado pelo Fisco). E, se assim as coisas andam, não se há de duvidar que a tutela jurisdicional daí projetada tem um destino bem demarcado: promover o cumprimento, ainda que pelo uso da força estatal, da obrigação pendente.

As medidas antiexacionais, segunda (e derradeira) daquelas possibilidades, são as demandadas por iniciativa do sujeito passivo, operando em sentido bem diverso: tomam o tributo (posto, pressuposto ou pago) como algo juridicamente eivado de vício — a tal causa de pedir próxima, nessa hipótese, situar-se-ia justamente nesse ponto, a mácula afirmada pelo sujeito passivo, sendo a tutela respectiva afinada com o propósito de reconhecer, em síntese, a inexigibilidade da obrigação, posta (constituída), pressuposta (por constituir) ou já exaurida (extinta por pagamento, impondo-se a reversão financeira correlata).

Não estamos falando, vale repetir, de classificação marcada por conveniência ou utilitarismo teórico, senão do reconhecimento pragmático, estabelecido a partir do racional inerente ao sistema processual tributário, do campo de possibilidades que ele alcança. Um campo dicotômico, em que os dissídios tributários se revelam ou como "litígios de inadimplemento" ou como "litígios de inexigibilidade" — expressões que usamos para sintetizar as ideias há pouco expostas.

Paralelamente a tudo isso, lembremos que jurisdição, atividade desempenhada privativamente pelo Estado, tende, no campo tributário, a neutralizar as mencionadas patologias, sendo igualmente bidimensional: a jurisdição exacional, primeira possibilidade, serve para "corrigir" o estado inadimplemento; a jurisdição antiexacional, segunda possibilidade, cuida, a seu turno, da pretensa inexigibilidade, confirmando-a ou recusando-a.

O resultado material do exercício da jurisdição, todos sabem, não é suscetível de antecipada afirmação: se o adimplemento vai ser efetivamente alcançado na execução fiscal não se pode falar no presente; se o tributo combatido na medida antiexacional vai ser de fato degredado, da mesma forma, não se sabe de antemão. O esgotamento do ciclo processual e apenas ele nos dará conta do que ocorrerá, no fim do dia, com a obrigação tornada litigiosa por um daqueles meios.

A par disso, insistamos: os caminhos da processualidade tributária são aqueles — e apenas aqueles.

Pois é justamente esse racional que, mantido na memória, nos permite compreender o potencial alcance das hoje tão comentadas medidas alternativas de composição de litígios tributários, caso eloquente da transação de que trata a Lei nº 13.988/2020.

Se nos afastarmos da jurisdição e passarmos a perseguir caminho alternativo como o da transação, afastamos, por derivação, a incerteza do resultado da via jurisdicional — as próprias partes, Fisco e sujeito passivo assumem a definição do enredo que reescreverá a história do litígio. Usando outros termos: da divergência a priori estabelecida, passam as partes, por seu próprio esforço, a caminhar na direção do consenso.

Seja como for, no entanto, as premissas sobre as quais nos dedicamos seguem intactas: o litígio tributário de que falamos ou será exacional ou será antiexacional, excluída uma terceira possibilidade.

É exatamente por isso que a Lei nº 13.988/2020 — usemos esse interessantíssimo exemplo de via alternativa — desdobra a transação por ela disciplinada em dois grandes escaninhos: o da denominada "transação na cobrança", modelo vinculado aos conflitos derivados do inadimplemento, e o da designada "transação no contencioso", modelo que se atrela aos litígios postos pelas mãos do contribuinte e que se inspiram na "suspeita" de inexigibilidade.

Percebamos quão interessante foi (e é) o caminhado percorrido pelo produtor do diploma referido: sensível às possibilidades racional e logicamente retiráveis do campo tributário, estabeleceu, de forma clara, o que e como transacionar questões suscitadas no plano exacional (da cobrança) — fazendo-o mediante a introdução de regras de pagamento consensualmente construídas (nada mais óbvio, pois se o litígio é exacional, o que se transaciona é a solução do inadimplemento, buscando o estado avesso, do adimplemento).

E o mesmo quanto às questões suscitadas no plano antiexacional (na lei identificado pela expressão "transação no contencioso"): atuou a lei, aqui, mediante a introdução de regras de detecção das teses, fáticas e/ou jurídicas, reconhecidas como disseminadas e relevantes e que, observadas certas premissas, podem vir a ser acertadas por via consensual, descartada, portanto, a produção da tutela jurisdicional inicialmente suscitada.

Não é nosso desejo, nesse momento, detalhar o modo de articulação desses instrumentos — pretensão que, levada a sério, demandaria o espaço de um livro —, mas chamar a atenção dos que nos acompanham nessa série de textos sobre a relevância do pressuposto que orienta nosso "processo tributário analítico", segundo o qual a processualidade tributária pode e deve ser identificada, antes de tudo, pelos efeitos materiais que tende a gerar — o que vale, está provado, tanto no plano jurisdicional como no plano das vias alternativas eventualmente reconhecidas pela legislação (caso da transação tributária federal recentemente inaugurada em nosso direito positivo).

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    é juiz Federal em São Paulo, professor do programa de mestrado profissional da FGV Direito SP, professor e coordenador do curso "Processo tributário analítico" do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET).

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