Opinião

Breve análise do julgamento do Tema 1.010 pelo Superior Tribunal de Justiça

Autores

  • Lucas Dantas Evaristo de Souza

    é advogado e consultor jurídico na área ambiental especialista em Direito e Gestão Ambiental professor de pós-graduação lato sensu do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc) secretário-geral da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SC e sócio do escritório Buzaglo Dantas Advogados.

  • Marcelo Buzaglo Dantas

    é advogado mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo pós-doutor e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Vale do Itajaí e professor visitante da Widener University-Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

3 de maio de 2021, 15h06

Historicamente, o entendimento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJ-SC) sempre foi o de privilegiar o distanciamento de curso d'água previsto na Lei do Parcelamento do Solo (Lei nº 6.766/79, artigo 4º), em detrimento daquele previsto no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65, artigo 2º) em perímetros urbanos, ou seja, 15 metros, e não os 30 da legislação florestal.

Um dos argumentos utilizados até então era de que a antiga legislação ambiental não mencionava o perímetro (urbano ou rural) alcançado pela restrição, de modo que a lei florestal deveria incidir sobre os imóveis rurais e, a urbanística, aplicada aos imóveis urbanos. Ademais, a Lei n° 6.766/79 sofreu uma alteração em 2004 justamente no dispositivo em tela (artigo 4º), o que levava à solução do conflito normativo pelo critério temporal. A aplicação das máximas da razoabilidade e da proporcionalidade era outra vertente pela qual se entendia pela incidência da norma do parcelamento do solo em detrimento da ambiental.

Importante ressaltar que o próprio Ministério Público de Santa Catarina, através de boa parte de seus membros, adotava este entendimento, talvez porque fosse mais consentâneo com a realidade encontrada nas diferentes comarcas do estado.

Com o advento do Novo Código Florestal (Lei n° 12.651/2012), a tendência era que este entendimento não mais prevalecesse, considerando que a novel legislação expressamente fez constar que as áreas de preservação permanente (APPs) se aplicam indistintamente para os imóveis urbanos e rurais.

Não obstante, o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina se manteve, parecendo, inclusive, ter influenciado outras cortes estaduais e federais do país.

Diante da celeuma existente, a matéria chegou ao conhecimento do Superior Tribunal de Justiça por meio de recursos especiais representativos da controvérsia, o que veio a ensejar a edição do Tema 1010, de repercussão nacional.

O debate travado, decidido no último dia 28 de abril, limitou-se basicamente a estabelecer qual a distância que deveria ser respeitada de um curso d'água situado no perímetro urbano: os 15 metros da Lei do Parcelamento do Solo Urbano  entendimento consolidado do TJ-SC  ou os 30 metros do Novo Código Florestal  tese suscitada pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina e já acolhida anteriormente pelo próprio STJ.

Uma simples leitura fria da letra da lei atual já demonstra que dificilmente outra seria a decisão a ser tomada pela 1a Seção do Superior Tribunal de Justiça, qual seja, a de que deve se aplicar o afastamento de 30 metros tanto para os perímetros urbanos quanto rurais.

Portanto, longe de ser uma surpresa, tratava-se de uma conclusão altamente previsível  tanto é que tomada à unanimidade de votos em julgamento não alongado quanto se esperava.

De fato, não parecia haver dúvidas de que, se a discussão se limitasse ao conflito normativo, o entendimento dos ministros seria (como foi) no sentido de aplicar o código florestal para qualquer situação  afinal, isso está expresso no artigo 4º, ao mencionar "zonas urbanas ou rurais".

A questão, do nosso ponto de vista, poderia ter sido examinada sob outra ótica, qual seja, a aplicação da razoabilidade e da proporcionalidade na análise do caso concreto.

Talvez aí se abrisse uma brecha para a aplicação menos inflexível de uma norma que, a toda evidência, padece do vício de desconsiderar a realidade de um país de dimensões continentais como o Brasil, com situações que diferem em cada canto do país.

Com efeito, é no contexto fático de cada caso que se deveria poder decidir qual o distanciamento mais adequado a ser exigido e não de forma fria, objetiva e matemática, que, embora calcada na norma legal aplicável, desconsidera a realidade das cidades brasileiras.

É difícil prever com precisão qual o destino dos casos relacionados ao tema daqui em diante. A tendência é que, tratando-se de curso natural e não havendo processo de regularização fundiária urbana (Reurb) na área  ressalva expressamente realizada pelo representante do Ministério Público da tribuna virtual do STJ , aplicar-se-ão os 30 metros indistintamente para toda e qualquer situação (pretérita, presente ou futura), o que, a nosso ver, é bastante temerário, até por conta de ter a modulação dos efeitos do aresto sido rejeitada pela corte.

De todo modo, parece-nos que, apesar do julgamento, a questão deva sempre ser apreciada sob a ótica da razoabilidade e proporcionalidade e à luz do caso concreto. Afinal, como se sabe, 30 metros de afastamento pode ser muito, às vezes. Outras, pouco. Há de se considerar a natureza do elemento hídrico que se visa a proteger e, especialmente, a realidade do entorno. Caso contrário, corre-se o sério risco de se criar decisões que não apenas não são passíveis de cumprimento (o que por vezes desmoraliza a real intenção de tutela ambiental), mas que podem levar a prejuízos ainda maiores, não só para os proprietários de áreas e o setor produtivo, mas para a própria coletividade.

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    é advogado e consultor jurídico na área ambiental, especialista em Direito e Gestão Ambiental, professor de pós-graduação lato sensu do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (Cesusc), secretário-geral da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SC e sócio do escritório Buzaglo Dantas Advogados.

  • Brave

    é advogado, mestre e doutor em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC-SP, pós-Doutor e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, ex-presidente da Comissão do Meio Ambiente da OAB-SC, membro das Comissões de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros–IAB, membro das Comissões de Bioética e de Meio Ambiente do Instituto dos Advogados de SC-IASC e membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental do Conselho Federal da OAB e professor visitante da Widener University — Delaware Law School (EUA) e da Universidad de Alicante (Espanha).

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