A doutrina já consagrou a ideia de que o direito ao recurso é prolongamento do direito de ação e de defesa, pois acontece dentro de uma mesma relação processual. Decorre de uma situação jurídica conhecida como sucumbência, que é a perda de um interesse juridicamente relevante, mas que não tem efeitos de natureza patrimonial — por óbvio, já que o processo penal é, por excelência, o locus de discussão da liberdade do cidadão, e essa é a análise a que se propõe este texto. Ainda que a minirreforma de 2008 tenha trazido a indenização causada pelo crime para o campo processual penal, como forma de, indiretamente, inserir a vítima no debate, ainda prevalece a noção de que a questão maior a se debater é, sim, o direito de ir, vir e permanecer.
E quanto a esse ponto — a liberdade ambulatória — já se consagrou que o Habeas Corpus é a ação constitucional por excelência para protegê-la, sendo que o Supremo Tribunal Federal teve papel preponderante no que se convencionou chamar de doutrina brasileira do Habeas Corpus, surgida nos primórdios da Primeira República e que teve como principal baluarte o advogado e jurista Ruy Barbosa. Aliás, vale sempre lembrar que há um busto dele na entrada do STF, haja vista a importância do trabalho que desempenhou como advogado, mas também sua participação determinante em Haia, na 2ª Conferência Internacional da Paz.
E a lembrança feita aqui ao Habeas Corpus serve para demarcar a diferença desse instituto e os recursos no processo penal, ordinários ou extraordinários: enquanto o recurso é um desdobramento do direito de ação e de defesa, o Habeas Corpus inaugura nova relação jurídica, decorrente de situação jurídica em que o direito de deambular se veja limitado ou em vias de o ser. Portanto, a confusão que normalmente se faz — com a ajuda do vetusto Código de Processo Penal (CPP) — ao colocar recursos e Habeas Corpus no mesmo plano somente enfraquece o papel deste em detrimento daquele, com prejuízo à própria história do Habeas Corpus. Assim, ao falarmos em medidas impugnativas, estaremos utilizando a locução mais adequada, juridicamente falando.
Ainda que se faça a diferença a respeito da natureza jurídica entre os recursos e o Habeas Corpus — um como prolongamento do direito de ação e de defesa, outro como ação autônoma de impugnação —, em um ponto há uma proximidade inegável: em ambos os casos, o uso do foro já consagrou a prática da apresentação de memoriais escritos antes do julgamento do órgão colegiado do tribunal. Não se trata de algo que se aprende nos bancos das faculdades de Direito pelo Brasil afora, e nem é algo que os antigos manuais de prática forense penal também trouxessem em seu conteúdo; sequer há previsão legal ou mesmo regimental. Entretanto, uma breve consulta à tabela de honorários de várias secções da Ordem dos Advogados do Brasil mostrará que o advogado poderá ser contratado para interpor o recurso, apresentar memoriais escritos e/ou fazer a sustentação oral.
Por não haver previsão normativa para os memoriais escritos, não há, obviamente, regras do que neles pode constar. É importante que o defensor encarregado de sua elaboração tenha em mente que seu conteúdo deve ser um resumo do que está sendo debatido na causa: nada de se alongar em exposições que já deveriam constar do conteúdo das razões ou contrarrazões recursais, ou mesmo da impetração do Habeas Corpus. A elaboração de bons memoriais deve guardar a parcimônia, o comedimento, em que o profissional deve exercer ao máximo seu poder de síntese, porque é isso que os memoriais são: uma síntese da questão penal posta em julgamento.
Por ser uma síntese, deve se procurar manter um limite máximo de páginas: alguns colegas falam em três, outros em quatro, alguns mais em cinco. Certamente a extensão da peça escrita dependerá muito do tamanho da peça principal que tenha sido apresentada ao tribunal, mas seu tamanho carece de consenso. Tenho por hábito não ultrapassar as cinco páginas, já que, nas minhas atuações perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no Recife, e no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, a assessoria de gabinete de alguns desembargadores solicita, ainda que informalmente, que esse quantitativo não seja ultrapassado, mormente se a peça for encaminhada por e-mail e se a sustentação oral que se lhe segue for feita por videoconferência. Não é uma regra inflexível, já afirmei, mas os defensores procuram segui-la, até para que não haja prejuízo para a estratégia processual adotada.
Vem ganhando espaço nas peças jurídicas de uma forma geral o uso de elementos visuais e gráficos, que vêm sendo explorados por defensores que estão familiarizados com o visual law, que é um dos pontos estudados dentro do legal design. Trata-se de forma interessante e diferente de apresentar argumentos jurídicos, inovando no meio de entrega da informação já contida no curso do processo, saindo um pouco do formalismo estrutural dos "fatos-fundamentos-pedido", com a intenção de esclarecer pontos controversos e de facilitar a compreensão dos julgadores e seus assessores, sempre assoberbados com o acúmulo processual e com pouco tempo de fazer uma leitura mais alentada de todos os casos que vão a julgamento.
Embora com menos intensidade, a utilização de vídeo como forma de complementar os memoriais escritos, disponibilizando-se na peça o link de acesso por QR Code, endereço no YouTube ou em qualquer outra plataforma de vídeo ou de hospedagem de arquivos em nuvem. Cuida-se de excelente meio de serem apresentados os argumentos pelo provimento ou não provimento do recurso, ou pela concessão da ordem de Habeas Corpus, pelo que se recomenda a mesma parcimônia, síntese e objetividade da peça escrita, produzindo-se um vídeo de três minutos, no máximo.
Para além das inovações visuais, gráficas e tecnológicas que possam existir na peça de natureza extraordinária nominada de memoriais escritos, há uma questão que surge na prática recursal, decorrente da substituição de defensores que atuaram na primeira instância e apresentaram razões ou contrarrazões (ou mesmo na impetração do Habeas Corpus) por outros que passam a atuar a partir da apresentação das razões ou contrarrazões recursais (ou mesmo na sustentação oral do Habeas Corpus).
Veja-se: não se trata de uma substituição usual, em que os novos defensores fazem todo o peticionamento na fase recursal, podendo explorar pontos ainda não devidamente explorados pelo(s) defensor(es) responsável(is) anteriormente pelo caso, que atuaram até a prolação da sentença. A situação aqui é muito específica: a substituição do profissional se dá após a apresentação das peças escritas, restando pouco espaço de manobra para que o profissional recém contratado possa inovar em argumentos a serem apresentados ao tribunal, seja de forma escrita, seja na sustentação oral. Costumo comparar essas situações àquelas que ocorrem no exercício da docência acadêmica, em que o professor efetivo da disciplina precisa ser substituído às pressas por outro colega, em razão de motivos profissionais ou pessoais, causando grande ansiedade nos discentes.
Na situação em que a atuação do novo profissional ocorre após a apresentação das razões e/ou contrarrazões, ou no momento da realização da sustentação oral perante os tribunais, a regra da complementaridade recursal deve ser compreendida de forma a ser aplicada também a esses casos. Originariamente, referida regra "significa a possibilidade de complementação do recurso em razão de modificação superveniente na fundamentação da decisão" [1], como, por exemplo, os efeitos infringentes aplicados a uma sentença em decorrência da oposição de embargos declaratórios pelo Ministério Público em razão da qual a defesa já apresentara razões recursais.
A ideia de complementaridade recursal, tal como apresentada, nada mais é do que a aplicação adequada do princípio constitucional da ampla defesa, que prevê aos acusados os meios e recursos a ela inerentes, da qual não podem se excluir manifestações orais e escritas antes de qualquer julgamento, em qualquer instância, mormente se houver modificações substanciais na fundamentação, ou até mesmo na decisão que foi objeto de impugnação. Também falam sobre complementaridade Sergio Rebouças e André Nicolitt [2], lembrando que não há preclusão consumativa em decorrência de modificação na decisão recorrida, conforme regra aplicada de forma subsidiária (artigo 3º do CPP), de acordo com a previsão do §4º do artigo 1024 do Código de Processo Civil. De forma um pouco distinta sobre a mesma regra, mas com o mesmo sentido, pronuncia-se Eugênio Pacelli de Oliveira [3].
Para essas situações, Aury Lopes Júnior menciona se tratar ser possível a apresentação de memoriais aditivos, a serem entregues para cada ministro ou desembargador que irá participar do julgamento da medida impugnativa, com a possibilidade, também, de protocolização nos autos. Ressalta, ainda, que não há qualquer violação do contraditório, porque o Ministério Público poderá fazer o devido contraponto antes do julgamento do caso penal, especialmente se houver sustentação oral por parte do defensor. Cabe aqui salientar que o professor Aury Lopes Júnior é o único doutrinador brasileiro que fala sobre memoriais aditivos — ou, pelo menos, nomeia a peça aditiva dessa forma.
Voltando à questão posta — substituição de defensor após a apresentação de razões e/ou contrarrazões recursais, ou mesmo após a impetração de Habeas Corpus —, também os memoriais aditivos devem ser utilizados de forma indiscriminada, sempre em prol do princípio da ampla defesa. Não se deve impossibilitar ao novo defensor que assume a demanda a chance de acrescentar novos argumentos à impugnação, principalmente se estes levarem ao reconhecimento de alguma irregularidade processual em razão da qual deva ser imposta a sanção de nulidade, ou mesmo uma situação clara de revisão do mérito — absolvição, redução do quantum da pena imposta, modificação de regime, classificação do fato etc. A qualquer objeção que se faça com relação à impossibilidade de impugnação por parte do presentante ministerial que funciona perante o tribunal, ela deve ser contestada pelo fato de que ele terá o momento certo de se manifestar oralmente antes do julgamento da medida impugnativa, e que talvez não o tivesse caso o tribunal, por exemplo, reconhecesse de ofício alguma irregularidade processual.
O ponto é que os memoriais aditivos, assim nominados por Aury Lopes Júnior, devem ir além da regra da complementaridade, de modo a permitir que a defesa técnica possa alcançar seu máximo de eficiência. Vale lembrar que os tribunais têm por obrigação constitucional o dever de analisar toda a matéria processual e de mérito que possa ser benéfica ao acusado. Então, mais sentido ainda tem o uso dos memoriais aditivos para além da situação que seria considerada "normal" no fluxo procedimental, com o intuito de objetivar o debate e suscitar questões que podem não ter sido adequadamente trabalhadas pelo defensor que foi substituído após a interposição recursal ou impetração do Habeas Corpus.
[1] LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 17. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1062.
[2] NICOLITT, André. Manual de processo penal. 4. ed. Rio de Janeiro: Elevier, 2013, p. 557; REBOUÇAS, Sergio. Curso de direito processual penal. Salvador: Jus Podivm, 2017, p. 1256-1257.
[3] PACELLI, Eugênio. Curso de processo penal. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 959.